lunes, 31 de agosto de 2020

CONSOLO NA PRAIA

Vamos, não chores.
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.


O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis carro, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento…
Dorme, meu filho.

(Carlos Drummond de Andrade)

Há alguns anos alguém postou e guardei. Crédito da foto para João Machado, que ia passando e viu.




martes, 25 de agosto de 2020

ADIÓS, CAMERON DIAZ

 .Acordei muito feliz, pois nesta madrugada aproveitei uma discussãozinha boba - me veio de novo com cena de ciúmes - e me livrei da Michelle. Eu chamo de Michelle, mas o nome completo é Cameron Michelle Diaz. Ufa, eu não aguentava mais ouvir reclamações naquele seu tosco espanhol de San Diego.

Sentiu o drama no momento em que reclamei que ela se recusou a me emprestar mais cem mil dólares, e que com isso cansei, desisto. Bateu o desespero, ficou enlouquecida do outro lado da linha, então comecei a cantar para abafar os seus lamentos: "Puta que pariu, meu gato botou ovo, mas gato não põe ovo, puta que pariu de novo", e desliguei.
Peguei a oportunidade no ar, não perdi tempo, em seguida a bloqueei no Facebook e coloquei o seu telefone no rol dos que não aceito ligação. Ora vai se catar, vive beijando os outros numas comédias melosas e ainda vem reclamar. Ela que resseque esperando que eu ligue no seu aniversário no dia 30. será cinquentona. Vida que segue.


GATOLINO, O GATO VOADOR

GATOLINO, O GATO VOADOR: DEZ ANOS DE VIDA.

Hoje se completa uma década, desde que voltando da boemia achei o Gatolino na Cidade Baixa, nenezinho, sangrando e tremendo de frio de madrugada, inverno chuvoso. Botei-o no bolso do sobretudo e o levei pra casa. Alguém o tinha castrado e logo o abandonado para morrer de frio e fome. O "alguém" teria sido um veterinário nazista do Menino Deus, hoje quadro importante na Bozália, falta apenas um detalhe para confirmar.

Ele me chama de "meu paizinho extra-terrestre". Fosse humano, ou extra-terrestre como ele diz, o Gatolino agora teria 56 anos. É gato feito, filósofo e tal. Na foto ele me diz, em gatês, que quando eu encontrar o mengele faça com o bandido o mesmo que fez com ele. Não precisava pedir, o mengele que me aguarde.


Saúde, Gatolino querido! .

viernes, 7 de agosto de 2020

MORTE LENTA

 

MORTE LENTA

Ninguém morre de repente. / Quando dizem que Fulano / faleceu subitamente, / morreu estupidamente, / é engano, / é puro engano!

Pode ser que a ave ferida / ou a árvore abatida / ou a casa demolida / ou outras coisas assim / deixem de súbito a vida / (vida ou coisa parecida), / achando um súbito fim.

Mas quanto aos seres humanos, / nenhum morre de repente. / É um processo inteligente, / lentamente, lentamente, / Leva meses, leva anos.

Leva o tempo em que a viúva / faz a presença do ausente. / A saudade permanente / é um longo dia de chuva. / Lembramos diariamente / o bar que ele freqüentava / os cigarros que fumava, / as coisas que planejava. / Tudo aquilo que era dele / volta à baila noite e dia. / O mundo ficou sem ele / como uma casa vazia. / As canções que ele cantava! / As piadas que dizia!

Passam anos...Cinco...Sete... / Quem ainda se lembrava? / O bar que ele freqüentava / virou uma lanchonete.

As canções que ele cantava / são do tempo do Chalaça. / As piadas que contava / hoje não teriam graça. / O mundo se modifica. / Os cigarros que fumava / Nem a fábrica fabrica. / A viúva, conservada, / Está de novo casada, / E dizem que ficou rica.

Agora sim, falecido! / Agora sim, faleceu! / Anos após ter morrido, / Só – de todos esquecido – / Depois que tudo o esqueceu!

Ninguém morre de repente. / Quando dizem que Fulano / faleceu subitamente, / morreu estupidamente, / é engano, / é puro engano. / Gente morre lentamente, / lenta e dolorosamente, / dia a dia, ano após ano!

Giuseppe Artidoro Ghiaroni ((Paraíba do Sul, RJ, 22/2/1919 - Rio de Janeiro, 21/2/2008).

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