"yo
aprendí filosofía... dados... timba...
y
la poesía cruel
de
no pensar más en mí."
NAQUELE
TEMPO eu estava preso numa pequena cidade, sem ter como nem para onde correr,
mas ouvia falar sobre os conterrâneos mais velhos que tinham se mandado. Eu
queria me juntar a alguma célula de combate à ditadura, bobagem de menino mal
saído da infância, não tinha idade nem para viajar sem autorização dos velhos, que eram pobres - classe média baixa - mas não tão burros para deixar o menino sair ao Deus dará. Só aos 18 adquiriria a maioridade legal e com esta a sonhada autodeterminação.
Aos 18 estávamos no final de 1970, a ditadura ainda torturando e matando
desenfreadamente, com a cúmplice Globo estuprando o cérebro do povo: "90
milhões em ação, pra frente Brasil, do meu coração...". Sem dinheiro eu seguia
sem ter como nem para onde ir. Aos 20 não aguentei mais: fugi na raça para
Porto Alegre, dormir em praça se preciso, cedo ou tarde tudo se ajeitaria,
conseguiria um empreguinho que naquela cidade não me davam, era mal visto,
pelos donos da cidade, jamais pelo povo, e o velho pai tinha razão: futebol não
dá camisa para ninguém, lá não dava mesmo.
Não
deu outra, até o primeiro emprego aparecer: de dia a Biblioteca Pública, de
noite a praça. Não demorou muito achei uns caras e as coisas melhoraram um pouco,
acabei me acomodando numa república com maioria de conterrâneos, vieram
empreguinhos, hotel-pensão, até que um dia me vi de terno e gravata morando
sozinho num apartamento JK. Foi por essa época que conheci um intelectual de
quem ouvia falar na adolescência, irmão de um antigo colega de aula. Filósofo e
outros bichos, uns 14 anos mais velho do que eu, cada bate-boca que tínhamos...
Antes veio o Gilberto (Pato) Martins, meu querido amigo de infância que andava
perdido por Curitiba, vieram amigos deles, a maioria da ala humanista dos
funcionários do Banco do Brasil, de repente estávamos todos em mesas juntas no
Pampulha e em outros bares, noites e noites de conversas sobre o Brasil, a
maldita ditadura e o que veio depois. Ele no uísque e a maioria de nós no
chope.
Ontem
me fechei em copas, hoje despertei lembrando de cada conversa, de cada passagem
que tivemos, de cada rosto dos demais amigos, das passeatas, dos protestos.
Lembro que certa vez falei de alguns livros do Nietzsche e o Rony me presenteou
com um livro do Immanuel Kant, o Crítica da Razão Pura ou Crítica da Razão
Prática, um dos dois, depois comprei o outro. Acho que foi o Pura, pra mim
"crescer" quase me rachou a cabeça. Com dedicatória: "Ao
Salazar, com amor". Teria muito a dizer, mais uns dez ou vinte parágrafos,
o tema dá um livro, mas entendo que aqui o espaço não é apropriado para textos
muito longos, mormente quando o assunto neste momento interessa a poucos. Outro dia vai para livro.
Só
soube ontem à noite pelo Ivoran Piazzetta que disse ter ouvido notícia de que
RONY SILVEIRA teria falecido. Corri atrás. De fato, morreu anteontem, 20, de
morte natural. Seu corpo foi cremado no início da tarde de ontem. Pelos
desencontros desta vida não o via há muitos anos, a última vez que falamos foi
ali por 2018 ou 19, por telefone, uma alegria imensa, me chamava de louco
(quando queria detinha o poder de uma ironia cortante, finíssima, aí que o bobo
aqui se irritava mais) por uma pequena decepção que lhe causei quando estava em
marcha a luta pela construção do PT no RS (eu recém tinha me filiado ao antigo
PCB lá em Niterói, RJ, não poderia me filiar para ajudar a atingir o número
mínimo exigido pela lei). Estou meio longe e ainda bem que não tem uísque aqui,
de outro modo teria brindado ao velho companheiro com uma garrafa inteira do
seu trago então predileto.
É
como me disse de lá da região das Missões outro seu grande amigo, o
ex-governador Olívio de Oliveira Dutra: “São os sogaços que a vida nos dá: a
morte - mesmo que previsível - de um amigo”.
Forte
abraço a todos os familiares e amigos do Rony, fica o seu exemplo de dedicação
e amor.
In memoriam vai um dos tangos que ele gostava (Marianito Mores - Enrique Santos Discépolo).