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Os debates começaram acalorados no Beco do Oitavo, a turma discutindo a respeito da execração pública a que foi submetido o ilustre e honrado Sr. Demóstenes, o paladino da retidão, na CPMI de Don Carlo Cachoeira.
Lúcio Peregrino: "Uma barbaridade, o pobre do Demo lá, quietinho, indefeso, ele e a sua cara de bunda caída, e o culto legislador fora de si, berrando impropérios..."
Mr. Hyde concordou: "Bem que ele merece execração pública, como tantos outros, mas assim também não, lá na Casa do Povo nunca. Imagine se os promotores, nos tribunais, aderissem à moda. Iniciariam a acusação assim: "Então, seu filho-de-uma-puta, andou metendo essa mãozinha de gato onde não devia, hein, seu merda?"
Gustavo Moscão: "Mas bem que ele merece uns cascudos..."
Lúcio Peregrino: "É, merece, mas na rua, a massa se encarrega disso. O sujeito entra no supermercado e no ato um gajo exclama: 'Cuidado com a carteira, gente!". "Entra no ônibus e o cobrador diz: 'Ai, ai, ai... logo no meu turno... Um passinho à frente, cuidado com a esfregação, pessoal, tem punguista na área'. Uma vergonha pro cara."
Tigran Gdanski: "Me disseram que o Paloti Gato Gordo não pode sair à rua. Sempre tem um malandro que cobre a boca e faz: Miaaaaaaaaaau, na Bahia então, certa vez era mérraaaau por todo lado, é foda, meus caros."
Gustavo Moscão: "Um cu que um lalau desses vai a supermercado e pega ônibus, manda os empregados... E que vergonha nada, tá lá, choramingando, se fazendo de vítima na maior cara-de-pau."
Lúcio Peregrino: "É, mas pega avião, é entrar e pá, lá do fundo vem o grito: 'Cuidado com a carteira, pessoal!'. O mesmo na Igreja, o cara entra, se benze e o padre: "Meus ermons, moito cuidado, principalmente no hora do saída, ultimamente os ladrons têm vindo bater carteira no Casa do Senhor'."
Clóvis Baixo, o crente: "Depende da Igreja, a maioria não tem moral, os pastoralhas só querem surrupiar os trocos dos pobres de paris."
Carlinhos Adeva: "E no restaurante, então? O cara da mesa ao lado, com a mulher e as crianças, se incomoda com a presença e a voz do vizinho, perde o apetite e o encara: 'Então quer dizer que você resolveu estragar o meu domingo, seu cuzão? Por que não te arranca daqui, antes que eu te dê umas bordoadas?'''
Mr. Hyde: "Pensem que amanhã ou depois poderemos ser acusados injustamente. Já pensaram, passar por isso sendo inocente? Não, a punição é aquela prevista nos códigos, friamente, nada mais."
Clóvis Baixo: "Pelo Código de Hamurábi dava morte..."
Gustavo Moscão: "Que punição, Hyde, tu acha que esse sujeito vai ser punido por alguma coisa? No máximo vão cassar o seu mandato. Ele espera oito anos e volta, como tantos outros. Se isso é punição...".
Interrompem o grave assunto para experimentarem a graspinha que o portuga ganhou de um cara de Nova Bassano. Fininha, temperada com uma folha de hortelã. Um talho na graspinha e outro no café. Dos deuses.
Estão muito interessados na ideia que ontem o pessoal teve lá no Botequim do Terguino, de fundarem um partido político, o Partido dos Boêmios (PB), passam a discutir a futura agremiação. Antes escolheram a obra do Frank, de A Notícia (Joinville, SC).
No Botequim do Terguino a constituição do Partido dos Boêmios virou febre. Todos com caneta e papel, ao lado das mesas bolos de ideias amassadas. Em três horas já tinham o artigo primeiro do Estatuto, pelo redator Aristarco de Serraria.
TÍTULO I
DO PARTIDO, SEDE, OBJETIVO E FILIAÇÃO
CAPÍTULO I
DA DURAÇÃO, SEDE E FORO
Art. 1º. O Partido dos Boêmios (PB) é uma associação de cidadãos e cidadãs, excluídos os abstêmios e os múmios, que se propõem a lutar por democracia, pluralidade, solidariedade, transformações políticas, sociais, econômicas, jurídicas e culturais, destinadas a eliminar a exploração, o eike batista, a dominação, a opressão, a globo, a desigualdade, o hospital sírio-libanês, a injustiça e a miséria, bem como a incidência de tributos sobre bebidas alcoólicas em geral.
O texto final será aprovado em Assembleia Geral, com a presença dos boêmios do Beco do Oitavo e do Bar Casa do Cachorro. Antes, formarão uma comissão para visitar os demais bares da Cidade Baixa, em busca de adesões. Concluíram que será o suficiente, pois "em seguida a chama se alastra pela cidade e os irmãos de outros bairros virão nos procurar", como disse o sábio Nicolau Gaiola.
Já o primeiro artigo foi alvo de intensos debates. Empacaram na frase "excluídos os abstêmios e os múmios...". O Contralouco entendeu que alcança somente os cidadãos, de modo que correriam o risco de ter que acolher cidadãs abstêmias ou múmias em seus quadros. "Já pensaram, aturar madame que não bebe nada?". Os que têm mulher professora ficaram de à noite esclarecer o imbróglio com as respectivas.
Múmios são os caras que já namoridaram partidos de direita, esses não precisam definição, todo mundo sabe. O Nego Janjão se prevaleceu: "Esses se quiserem que vão para o 'Pépsi' do Roberto Freire, ou pro 'do B' da Manuela".
Ficou também para a Assembleia Geral a inclusão dos não-fumantes entre os excluídos. Nicolau Gaiola, com desprezo: "Gente que se precisa de duas palavras para definir, começando com negação...". Porém o tema é deveras polêmico, os empinantes estão divididos. Mr. Hyde avisou: a globo está jogando todas as fichas nisso, logo eles que ajudaram a torturar inocentes, agora vêm com essa de saúde! Por trás o Zé Serra que se vendeu aos bandidos.
"O Darnlei analfa virou amigo dele!", exclama Salim que nunca fala, que estava entrando no bar. Sujou, com a lembrança. Sim, o povo da escuridão elegeu o Tiririca em São Paulo.
Para primeiro presidente do Partido lembraram o nome do venerável cachacista João da Noite. João disse que aceita se a Assembleia for unânime, mas unânime MESMO, nenhum suspiro contra.
Carlinhos Pi sugeriu convidarem a Leilinha para a Secretaria Geral, mas o Terguino o lembrou de que ela vai para o PSOL. Não se deu por vencido: "Ué, de repente a gente incorpora o PSOL, eles ficando como uma facção do nosso partido, desde que não teimem com os mais velhos. Nessa facção até poderemos alojar os malucos que não bebem, se forem muito bons em outras coisas".
Gastaram a manhã inteirinha no artigo 1º. Será rediscutido à tarde, há emendas, destaques, vai longe...
Escolheram a obra do Jorge Braga, de O Popular (Goiânia, GO).
Leilinha Ferro, para variar, ficou com a obra do Duke, de O Tempo (Belo Horizonte, MG).
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(A coluna A Charge do Dias leva esse título pelo seu idealizador, o mestre Adolfo Dias Savchenko, que um belo dia se mandou para a Argentina, onde vive muito bem. Sucedeu-o na coordenação a jovem Leila Ferro, filha do dono do botequim, quando os boêmios amarelaram na hora de assumir o encargo.)
