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Ontem foi um dia corrido desde
as 5h, acordei espiritado mexendo na cozinha para não pensar - não adianta - e
às 8h fui a POA. Depois de tomografias e não sei mais o que andei horas pelas
ruas de Porto Alegre, desde o bairro Medianeira até a amada Cidade Baixa. Meu
Deus, tudo mudado em apenas... desde a efetivação do Golpe... uns 4 ou 5 anos,
no último par de anos então nem se fala. Onde havia bares e belas lojinhas
agora tem as placas "Vendo ou alugo", em muitas Briques e Brechós
instalados, só em uma quadra vi uns dez trastes de roupas, móveis velhos e de
tudo. Já na ida pra Av. Carlos Barbosa quase chorei ao passar pela Av. da
Azenha e ver o Estádio Olímpico do Grêmio: o "Velho Casarão" de 1954
até onde a vista alcançava se corroendo atirado às traças, e isto que sou
colorado, só imagino o que os irmãos tricolores sentem quando passam por lá,
palco de tantas emoções no coração da capital. Ainda bem que não fui até o
nosso Eucaliptus, esse vem de longe a venda, outros tempos, mas vá saber o que
fizeram. Na Av. João Pessoa a Panambra parece que desapareceu. Andando em
direção à Rua Sebastão Leão tudo fechado com Vendo ou Alugo, o único negócio
que se mantém bem, asseado, pela aparência tudo certinho, ataúdes de boa
qualidade à mostra além da porta de vidro, é a Funerária Santa Rita quase na
esquina com a Sebastião, que sempre foi boa, aliás. Em quem estoura primeiro?
Segui pensando na massa de desempregados e suas famílias. E assim fui até a Rua
Luiz Afonso, onde entrei em direção ao meio da Cidade Baixa. Novamente precisei
me controlar para não chorar na Rua da Olaria. Caminhei por tudo, fui parar na
Rua da República, voltei pela Rua João Alfredo. Fui até a Praça Garibaldi
visitar a "minha" árvore, tirei fotos dela e com ela.
Ali pelas 16h voltei de
Uber para o Convento das Freiras Libertinas. Libertárias. Tranquei-me na sala
do som e chorei feito criança, sem ninguém ver, não iria deixar as religiosas
verem, como todos já andam nervosas, poderia abalar os seus alicerces.
Depois dei de pensar no
fascismo que o genocida deseja ao lembrar os 85 anos do assassinato de Federico
García Lorca, em 18 de agosto de 1936. Até onde sei o seu corpo segue
desaparecido. Alguns dizem que a foto é falsa. Pode ser, me contem como foi, pior?
"Lorca declamando o seu
último poema em frente a um pelotão de fuzilamento fascista em agosto de 1936.
Para que nunca esqueçamos o fascismo e as suas tesouras compridas. Para que
nunca esqueçamos o que nos ceifou e continua a ceifar. Para que compreendamos o
que faz à cultura e, como consequência, à mente e ao coração dos homens livres.
Porque quando se janta com o diabo deve-se levar uma colher comprida...".
Chorei de novo. E mais que
aqui não convém, do medo disfarçado estampado no rosto das pessoas, dos
pedintes cobertos de lona suja em farrapos. Velhas, mulheres, homens, crianças,
a cada passo que dava, submissos pela ignorância, com a mão estendida "Uma
moedinha, por favor". Não estou com medo, nunca tive mesmo em momentos de
horror, e agora aos 68 anos é que não iria envilecer.
É outra coisa que se
remexe em fogo por dentro, eu sei.