domingo, 1 de agosto de 2010

FAUSTO

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Hoje falei no Faustin ao despachar o carnavalesco e pensei em escrever algo a seu respeito no dia 5 de setembro, nos 2 anos da sua morte, porém refleti que na minha idade, nem em idade alguma, não convém esperar para fazer as coisas.

O gaúcho Fausto Wolff, (Faustin von Wolffenbüttel, Santo Ângelo, 08/7/1940 - Rio de Janeiro, 5/9/2008). Um dos raros Meu tipo inesquecível, o conheci no Luna Bar, junto com uma cambada de boêmios.

Naquela noite estava o Poeta comunista, não digo o nome porque agora "endireitou" por dinheiro, envileceu, comuna de araque, amar uísque muito caro só dá nisso, e muitos outros que contarei se eu chegar a 5 de setembro. Antonio Maria, claro, já tinha morrido, tinha mesmo? ai... Bem, eu menino... Ah, estava lá um outro velho muito chato, sabido por velho, Armando, mas desse também nunca falarei, ainda hoje tenho certeza de que o Fausto lobo não lhe deu uma porrada de pura dó, pois só falava mal de gaúchos. E do meu Internacional de Porto Alegre. E do Grêmio.

Só me enturmei muito tarde, quando, depois de cantarem todas, as deles, as dos amigos, alguém gritou que o Aldir Blanc estava há uma semana comemorando algo, na purinha, e beberam e... caíram no amor, uma da manhã (desde as 3 da tarde daquele sábado, eles, eu cheguei às 7), e na terceira derrubadeira... faltou em suas memórias a letra do bolero logo na entrada, e naquelas alturas do uísque era muito importante aquele bolero.

Na melodia eles já estavam: larara-lararái... mas não saía o começo, deu branco, o merengue enturvou, muita birita.
Então eu, encolhido de tímido, solito, comecei de cá da mesinha à sombra, atrás da deles, tinha uma coluna nos separando, a letra do Alberto Dominguez, mas pelo certo, recitando antes: Nadie, comprende lo que sufro yo... Calaram-se todos, todos até o velho chiclé da Globo. Encorajei-me: Canto, para olvidar mi gran dolor... Solo, temblando de ansiedad estoy... Todos... me miran... y se van... Aí todos vieram juntos alterados, lindos, de alma, em uníssono: Mujer, si puedes tú con Diós hablar...

O garçom do Luna ficou tão vidrado que deve estar até hoje batendo firme e chacoalhando a caixa de fósforos, seus bongôs e maracas. Bolero filin.

O Lobo me mirando, braços abertos, derrubou cadeiras com estrépito. O Chico Anísio sorria enlevado, olhos brilhando, seu Chico sempre foi mulherengo, de ilusão, de doer, um grande cara.

O Fausto parece que encontrou amor de verdade, antes de se mandar. Tintim.

Partiu deste mundo chateadíssimo com o Ziraldo (a conta está em aberto, foi desentendimento ou ingratidão?).

Saiu do sul do mundo e tomou o mundo, tomou o Rio de Janeiro. Não tem no Rio quem não bebeu na fonte. A maioria para explorar, mas azar. Sobreviveu àquela bela pessoa que era o Roberto Marinho (que deve ter ido para o céu, o bandido, sim, claro, obviamente).

O Fausto Wolff, por ele mesmo: "Eu sou o sujeito que já foi corneado, já sofri perdas irrecuperáveis, já vi a morte frente a frente, tomei porres famosos, fui amado, já brochei, já estive na cadeia e, o que é mais importante, tenho uma firme posição político-ideológica".

Mas foi mais que isso. Muito mais. Procuro palavras para definir sua humanidade, e não acho.

Uma enciclopédia. Na hora certa, se "eles" apenas o incomodassem, tirassem o dinheiro, negando trabalho, enchia a cara, mas se o incomodassem demais, se concentrava! Sai da frente, tipo querem veneno, é? Vão levar a verve, é horrivelmente pior. Então, pelas costas, alguns queriam trucida-lo.

Tinha horror ao lixo hollywoodiano e dizia que somos um rapaz mulato desdentado com 16 anos em frente a uma loja de discos, cantando uma música americana que não sabe o que quer dizer. E não se cansava de repetir que esse pessoal, deputados, senadores, são todos office-boys das grandes transnacionais.

O advento do computador fez com que parasse de berrar pra sua Olivetti: "Cadê a porra do F?!". O Aldir Blanc que falou essa do éfe, mas era pra qualquer tecla desaparecida. Cadê a porra do Cedilha!


E pros amigos: "Vem cá! Cadê teu copo?! ". Diz não pra ele, diz...

Teve que ausentar-se do Brasil por muitos anos porque não queria aprender a voar, ao cair de um avião militar no meio do oceano.

Cada vez que leio jornais, uns carinhas estúpidos ditando regras, falando à exaustão dos seus próprios garranchos, puxando o saco do dono e do sistema, insultando a inteligência alheia, me dou conta da falta que ele faz. Já que lá embaixo fiz alusão a um larápio, pra recordar a sua verve segue um texto seu, escolhi especialmente esse publicado no JB de 30/9/2007, personagem de si mesmo, o velho lobão.

Esse texto, simples (crônica diária), à época me tocou profundamente, fui às lágrimas, uma vez que nutro um carinho muito especial por banqueiros, essas pessoas caridosas, honestas e dotadas de muita compaixão. Recomendo-as fritas em azeite de oliva, com bastante manjericão e cominho, que favorecem a difícil digestão. Depois é bom lavar a boca com chá de malva, para prevenir infecções.

Esqueçam essa bobajada de auto-ajuda, os plágios dos paulos coelhos, os americanos, corram à livraria e comprem todos os seus livros, ainda está em tempo.

E que Deus perdoe os animaizinhos editores do segundo caderno que vejo nos jornais.

Papo de velho, ladrão e intermediário

O sujeito já passava da meia-idade. Era um velho boa-pinta que descobrira isso há pouco tempo e tentava agir de conseqüência, mas algumas coisas traíam o tempo que carregava nas costas. Não que isso tivesse importância para ele nem que pudesse surpreendê-lo em atitude geriátrica. Esquecer de puxar o zíper das calças, por exemplo. Julgar que o último pingo havia desaparecido na privada, mas não... esperara pacientemente pra decolar nas calças e ainda convidara alguns primos e amigos.
De qualquer modo, não era um cara ranzinza. Quando queria uma informação, aproximava-se da pessoa e perguntava em voz clara, pois era meio surdo, e a pessoa: "Não precisa berrar que eu não sou surdo". Assim ia levando sua vidinha, sempre de short e camisa sem gola, pois trabalhava em casa e, pensava ele, sempre podia pedir a grana que lhe deviam pelos dez anos que passara no exterior, voltando com quase 40 para trabalhar na grande imprensa à época, O Pasquim.
Sua mulher lhe dissera que precisava fazer alguma coisa e ele respondia que faria esta coisa quando ficasse velho, embora soubesse que já estava velho. Era jornalista e escrevia uma crônica diária para seu jornal. Usava o computador como se ele fosse a Olivetti que o acompanhou por quase 50 anos. Não ousava mexer em qualquer tecla com a qual não tivesse muita intimidade, com medo de que o mundo explodisse ou o computador derretesse na sua cara.
Uma vez por semana seu neto de oito anos passava por lá e dava uma geral no dinossauro, como o chamava. Com exceção dos políticos, dos banqueiros, dos latifundiários, dos publicitários das novelas de TV, dos pastores eletrônicos, gostava de quase tudo, menos dos robôs que falam ao telefone.
Outro dia, esquecera-se do tempo conversando com o AP dos Santos e agora temia que não conseguiria mais falar com a bela coroa, secretária do banco.
- Quem fala? - perguntou.
Uma voz de homem respondeu:
- É o ladrão.
- Desculpe, mas eu não queria falar com o dono do banco. Dona Wilza, a gerenta, está aí?
- Deve estar com os outros reféns.
- Entendo - disse o velho. Ganham o mínimo para fazer o máximo. (Pausa) Será que não poderia dar uma palavrinha com um deles?
- Não vai dar. Estão todos amordaçados.
- Entendi. Gestão moderna. Fizeram alguma crítica e calaram a boca deles. Não tem nenhum chefe por aí?
- Claro que não! Quanta ignorância. O chefe está na sua cela, no presídio, que é o melhor lugar para se chefiar um assalto.
- O negócio é o seguinte, eu tenho uma conta aí...
- Não tem mais. Sinto muito, mas estamos levando tudo. O saldo da tua conta agora é zero.
- Não tinha muito mais do que isso. A informação que quero é sobre juros.
- Companheiro, eu sou um ladrão pé-de-chinelo. Meu negócio é pequeno, assalto a banco, vez ou outra um seqüestro. Para saber de juro é melhor tu ligar pra Brasília.
- Sei, sei. O senhor tá na informalidade, né? Também, com o preço que estão cobrando por um voto hoje em dia... Mas, será que não podia fazer um favor pra mim? É que eu atrasei o pagamento do cartão e queria saber quanto vou pagar de taxa. Meu nome é Fausto Wolff... é.... com dois efes.
- Tu tá pensando que eu tô brincando? Isso é um assalto!
- Longe de mim. Que é um assalto, eu sei perfeitamente. Mas queria saber o número preciso. Seis por cento, sete por cento?
- Eu acho que tu não tá entendendo, ô mané. Sou assaltante. Trabalho na base da intimidação e da chantagem, saca?
- Ah, já estava esperando. Vai querer vender um seguro de vida ou um título de capitalização, né?
- Não... Eu... Peraí, bacana, que hoje eu tô bonzinho e vou quebrar o teu galho. (Um minuto depois) Alô? O sujeito aqui tá dizendo que é oito por cento ao mês.
- Puxa, que incrível!
- Tu achava que era menos?
- Não, achava que era isso mesmo. Tô impressionado é que, pela primeira vez na vida, consegui obter uma informação de uma empresa prestadora de serviço, pelo telefone, em menos de meia hora e sem ouvir Pour Elise.
- Quer saber? Fui com a tua cara. Dei umas bordoadas no gerente e ele falou que vai te dar um desconto. Só vai te cobrar quatro por cento, tá ligado?
- Não acredito! E eu não vou ter que comprar nenhum produto do banco?
- Não vai ter de comprar picles. Tá acertado.
- Muito obrigado, meu senhor. Nunca fui tratado dessa...
- Ih, sujou! (tiros, gritos) A polícia!
- Polícia? Que polícia? Alô? Alô? (sinal de ocupado).
- Alô?... Droga! Maldito Estado. Sempre se intrometendo nas relações entre homens de bem!

Esse o Fausto. Mal contado. O conheci em duas noites, li seus livros. O abracei. Trocamos alguns esparsos e-mails. Chorei quando morreu. Eu caminhava lá pelos Altos da Bronze a uma da manhã quando Mirta Hans me deu a notícia por telefone. Desatei a chorar na hora, ai que vida. Vida e obra estão em todas as bibliotecas sérias do mundo.


































1 comentario:

  1. Querido Salgadinho
    O bom é saber q o velho lobo não morreu e nem morrerá...vive dentro da gente pra sempre...
    bjs
    Clarice Wolff com muito orgulho

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