viernes, 18 de septiembre de 2020

TORRENTE

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Chove em Porto Alegre, a potes, cântaros. Amo chuva, desde a tenra idade. Não perco chuva, seja inverno ou verão. Gosto do verão, mas encaro com amor em qualquer estação. Se der tempo boto um calção e vou andar pela rua, se não der me molho todo, azar se de terno e gravata, mas não perco a chuva nos cabelos, no rosto, na alma. No começo as pessoas estranhavam, esse cara é louco, e riam. Depois começaram a tirar o chapéu, era amor mesmo, ao me verem em pleno inverno tirando a gravata, olhando para cima, para o infinito, recebendo a chuva de braços abertos. Odeio guarda-chuva, nunca peguei num treco desses, o máximo que fiz foi abrir sombrinha verde para proteger mulheres que não queriam se molhar. Molhadas andavam comigo, chuva vinda de dentro. Água do céu. Mulher e chuva para mim de certo modo são sinônimos, embora uma não saiba da outra. Uma mais a outra é igual Vida. Chuva mais desgraça resulta em Silêncio. Quando enrosquei no colégio, violentinho em defesa contra bandidinhos, choveu. Fui expulso sob chuva, eles eram ricos. Quando temeroso peguei na mão de uma namoradinha, chovia. Quando fui para a briga contra cinco, choveu. Quando nasceram filhas, saí lá fora e... chovia. Em todas. Quando sério peguei em arma de fogo, choveu. Quando precisei mirar nos bagos para pegar nos peitos do canalha, choveu de um modo ruim, com ventania. Quando fiz um golaço num jogo de futebol de salão, na saída... chovia. Quando cheguei no Rio de Janeiro, em São Paulo, Brasília, Buenos Aires, Belo Horizonte, Montevideo, Rio Branco, Belém, Chuí, em todo lugar, quando algo importante esperava, chovia.

Sempre assim, em todas as passagens marcantes da minha vida. Quando a mãe morreu no seu enterro chovia horrores, torrentes, meu chapéu parecia uma calha derramando água. Um dia recebi uns cacos, panelas, fotos e lembranças, uma cadeira, recordações de espólio. Desabou uma chuvarada na Cidade Baixa, que se confundia com as lágrimas. Amo chuva, um dia hei de compreendê-la, pois tem passagens que amei e não choveu. Bem... não lembro de nenhuma, mas acho que as tive, deve ter sido algum desengano. Agora se saio pela rua de madrugada, amargurado, uma nuvenzinha carregada chove em mim, para me acalmar, as pessoas se espantam, tudo seco aqui, só chove nele. E lá vamos juntos, a nuvem e eu.

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