sábado, 13 de octubre de 2018

Cemitério de armas

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(Ficciones - Fragmento)

A proposta consistia apenas em torturar e matar negros, índios e homossexuais. Era pouco, então Herr Koyzo, numa noite de primavera em que seus devaneios provocados pela psicopatia chegaram ao paroxismo, teve um sonho grandioso, um plano que ordenaria o mundo. Saltou da cama com as ceroulas verdes caindo, aos berros de "Sou um gênio". Puxou as ceroulas, tinha vergonha do pênis pequenino, chegou à sala e deu andamento às fantasias.

Não haveria mais escolas, um custo altíssimo que seria evitado, aquele dinheiro seria usado em armas. As crianças arianas seriam alfabetizadas via internet. Os professores brancos ainda não seriam completamente extintos, pois por algum tempo, até que os robôs os substituíssem, alguns poucos lecionariam pela rede mundial. Nada de livros, cadernos e contato pessoal, este muito perigoso pelo homossexualismo. No início a transmissão será pela TV, tem uma pronta, não, agora duas, mas depois seriam banidas, pensou.

Milhões de lares sem acesso à rede mundial era um problema a ver depois, caso restasse algum após a limpeza racial. Ah, a limpeza, teria que ser rápida. O que fazer com a carne e o sangue dos eliminados, adubo? Não, que nojo, contaminariam a terra e logo as plantas. O mar? Não, contaminariam as águas e os peixes que comemos. O que fazer? Já sei, enviarei para o cosmos numa grande nave espacial! Exultou com a própria sabedoria, esfregando as mãos e rindo desbragadamente.

Os professores excedentes com suspeita de mestiçagem seriam enviados para cultivar as lavouras envenenadas da nação, até que houvesse a completa robotização. O mesmo com os auxiliares de escolas, todo o complexo estruturado seria desmanchado. Sendo assim, as escolas e os professores não mais existiriam, todos desde a infância até a idade adulta estudariam e se tornariam doutores sem sair de casa. Casas? As casas seriam construídas pelos escravos d'além perímetro, que seriam mantidos enquanto necessários.

O pensamento foi evoluindo, como seriam os doutores, os tribunais virtuais, as execuções... Como se formariam os carrascos? Haveria curso pela internet. Artistas? Seriam descartados, todos uns pervertidos E os cientistas, como se formariam? O seu cérebro prosseguia veloz, alegremente descobrindo métodos, fórmulas, paradigmas.

(segue)
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viernes, 5 de octubre de 2018

Boca de urna na Cidade Baixa

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Por Carlinhos Adeva

Com o moral que andam os institutos de pesquisas, bem, andam não, o povo talvez antes não soubesse, mas o que se diz é nunca tiveram moral, os chefões, não os escravos, atualmente se inventarem de perguntar pro cara em quem votou vai receber um "No teu cu", ou em algo envolvendo a mãe do elemento, ou, pior ainda, de sacanagem o cidadão diz que votou em A enquanto na verdade foi em B. Bem, como ia dizendo, com o moral que não tem os tais institutos, a turma do bar resolveu fazer por conta própria a pesquisa de boca de urna na Cidade Baixa.

Não há risco de serem insultados ou de apanharem dos entrevistados, esse perigo quem corre são os de sempre, pois dirão pertencer ao Contradata, e são rostos conhecidos no bairro, quem não conhece os famosos boêmios, lendas vivas, os moradores lembrarão do rei Bruno Contralouco, ficarão contentes em ser convidados para aparecer no boteco, uma grande distinção: valeu, amigo, nos vemos lá mais tarde e tal. Com as mulheres quererão tirar selfie, pedir o número do telefone e nome no facebook, quem sabe à noite dar uma escrutinada prévia, quiçá até botar o voto na urna, deixa pra lá. Não haverá nenhum problema.

Os pesquisadores tomando mate, claro, sem erva na cuia e com caipirinha na térmica, ou uísque, qualquer trago, até cerveja cai bem se fizer um dia quente. Seis endereços para cobrir: um na Rua da Olaria, dois na República, um na Venâncio, um na João Alfredo e mais um na José Honorato, no total 46 salas e 16.784 eleitores. Com 18 boêmios e/ou boêmias, 3 por endereço, será mole, nenhuma seção ficará fora da pesquisa, cem por cento. 

Para assegurar um resultado também cem por cento fidedigno o pessoal bolou uma técnica infalível: vão pedir a colinha das pessoas à saída das salas de votações. Não precisa dar o nome nem nada, só a colinha. Quando a tarde estiver morrendo, no encerramento dos trabalhos, já com a térmica vazia e de posse dos sacos de colinha, os exaustos pesquisadores, meio altos do chão, irão se encontrar no bar.

A apuração do resultado será como antigamente faziam os bicheiros da Vila Isabel, lá no Rio: vão juntar as mesas do bar, despejar tudo em cima e conferir os papeizinhos na frente de todo mundo, até de polícia se entrar. Lá pelas dez da noite teremos o Presidente, pelo menos pelos votos do famoso bairro boêmio de Porto Alegre.

Imagina-se que a soma de Haddad e Ciro beirará cem por cento, mas o Boulos poderá surpreender. É necessário uma movimentação forte nos últimos dias, com esperança, alegria, para compensar os fascistas do Parcão, dizem os boêmios entendidos. Entendidos em pesquisas e campanhas, bem entendido, não como aqueles que só entendem de armário.
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lunes, 1 de octubre de 2018

A MINHA VIDA EM KIEV

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Quando a Ucrânia estava naquela confusão de ter-se desligado de Moscou, o truculento candidato afirmou que as mulheres de direita eram mais bonitas e higiênicas que as de esquerda. O malandro sabia lhufas de mulher: uma astronômica bobagem. Percebi: vai perder a eleição, o reflexo será adverso, e só eu sei como ajudá-lo. Recordo aqueles tempos como se estivesse no presente. Eu estava precisando de dinheiro para me mandar.

Refleti: é caso psiquiátrico ou o mancebo não surfa nada. Se não bate bem – o que parece um mal de família, não poderei ajudá-lo, não é a minha praia e não sou como certas pessoas que dão opinião sobre temas que não dominam, mas talvez os médicos consigam. Escolherá uma médica de direita, obviamente, há quem diga que por ser de direita é submissa, obedece ao valentão, tem inclinações masoquistas, gosta de ganhar menos, apanhar e tal. Há controvérsias: e se por ser de direita seja chegada num sadismo, numa tortura? Se tem ídolo torturador já viu, né. Tive uma gringa de Odessa que apelidei de Torturona, o que gostava de apanhar sai da frente, um grandão do partido que se dizia de direita mas já era nazifascista a viciou e depois ela exigia: “Assim, na cara, bate mais, dá de mão fechada, tarado!”, volta e meia acabava no Pronto Socorro, e se não batesse ia para cima dos caras, aí ela é quem agredia: socos, unhas e dentes. Em contrapartida tive duas de origem romena que eram o contrário, gélidas, se vestiam de militares, adoração por massacrar o cara, só andava com masoquistas de direita, quando em transe tirava pedaços, estas acabaram internadas, se fingiram de loucas para evitar a prisão. Ele que se cuide, vai que ela morda na hora em que, bem, deixemos isto para mais adiante, quando e se chegarmos a falar de orifícios e elevações, depois da língua.

No entanto, se é o que o meu generoso coração está indicando, pois vi muitos de seus pares com problemas semelhantes, então o tadinho apenas não conhece mulher. Se as teve foi apenas umas cem na vida, no seu caso umas noventa em sonhos, de esquerda e centro-esquerda nem nestes, de extrema-esquerda, então, nem em pesadelo. É uma situação complicada se já passou dos trinta tendo comido só a namorada inexperiente e mais alguma bobona no carro do papai, mas posso lhe dar uns conselhos que o transformarão em outro homem, talvez até mande algumas mulheres dar-lhe algumas lições práticas. Não é fácil com filhinho de pápi e da mami, mas pode funcionar. Fui ao ponto com o exigente condutor das massas bonitas e higiênicas, talvez não muito espertas pelo que foi dito a respeito do indivíduo até aqui, mas, enfim, neste mundo nada é perfeito.

Prezado candidato, creio que posso te ajudar, se tiveres interesse em ouvir um humilde bolchevique. Advirto-o de que cobro caro, tovarich, mas dinheiro ao que me consta não te falta. Ao tempo em que peço que atenda o pedido que farei ao final, apresento algumas das minhas credenciais de paixão e amor, as de frieza e ódio não vem ao caso.

Até este momento transei com exatas 8.549 mulheres, deixa eu ver... agora 17h, até a meia-noite serão 8.554, um nada de mais 5, normalmente as desmancho em dois minutos e passo para outra, num dia dá para fazer 50 tranquilamente, mas não ando numa boa fase. Já em relacionamentos mais duradouros, vida em comum de alguns dias, meses ou anos, tive somente 3.843, pois até certo ponto evitei morar com muitas mulheres, nunca com mais de 60. Nestes casos de relacionamentos duradouros sempre com muito carinho, de igual para igual, em eventual confronto pegando as onças de lado ou voando, explico se fecharmos contrato.

Já tive mulheres de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, do tipo atrevida, do tipo acanhada, do tipo vivida. Casada, viúva, carente, solteira, feliz, já tive donzela e muita, mas muita, meretriz. Mulheres sabidas, mulheres analfas, sensatas, desequilibradas, confusas, suicidas, amarguradas, violentas e pacatas. Certa vez um tal de Toninho fez um samba com esse tema lá no Brasil, aquele cara tem mundo. Um pouco, mas tem.

Morei em 105 cabarés, de primeira à vigésima categoria, de 85 fui dono. O primeiro foi de favor no desespero, até então eu morava numa praça, mas no segundo dia já mandei trocar a música: aqui Chitãozinho e Xororó nunca mais, e comecei a botar Nelson Gonçalves e Ângela Maria. Como vivo atualmente não vou te dizer, tu é muito nervosinho. 

Peguei muitas mulheres de extrema-esquerda, de esquerda, de direita e de extrema-direita, estas que ao que parece são do teu quintal, não foi mole, mas estraçalhei igual. E de centro, por cima, de lado, de ponta cabeça, de nada, de tudo um pouco. Tovarich, tu vai cair de costas se acertarmos o contrato de consultoria, e com certeza retificará as bobagens que disse. Vai marchar bonito comigo, grana alta, porém em compensação ganhará rios de votos das direitosas, sei que as pesquisas vão mal para o teu lado.

O meu preço é de 20% de todos os gastos de campanha da família, só do por dentro. Isso deve dar uns 10 milhões. Esse é o piso, por menos não faço. Se as mulheres da família estiverem a fim dou uma geral de brinde.

O pedido que tenho é o seguinte: defina detalhadamente "mulher de direita", “mulher bonita” e “mulher higiênica”.

Abraço.
Adolf Savchenko

(segue)
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