viernes, 29 de noviembre de 2013

Boêmio sem amor. Que Vicente Celestino me desculpe...

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Três da matina em Porto Alegre. Chego em casa e na frente do prédio a gatona Black Bloc (isso admiro nela, além de toda aquela beleza envolta em preto brilhante, daquele seu jeito de rainha, educada, simpática, terna, ai meu Deus: ela é de chegada, na hora do pega não quer nem saber, e odeia banqueiros, como eu) me diz, vozinha provocante, olhos negros luzindo, rosto aberto, sincero: “Chegando cedo, vizinho, e sozinho...”.

Arriada. Respondo gudi naiti, gurias, e emendo que chego sozinho, dona, porque acabei de dizer ao garçom que eu quero que ela morra, o sujeito deve estar pensando que pirei, e sigo andando até a entrada, mas contando, um, dois, vôo até vinte milhões, até passar a vontade de dizer a ela Entremos juntos, querida, quero te mostrar a minha coleção de discos, sei que ela gosta de blues, iria desmaiar ao ver a negada de Saint Louis que tenho. Nada de magrela, essa é de parar o trânsito, coxuda, uns peitos..., ai meu Deus, mas sabe como é, vizinhança não mesmo, daqui a pouco o apê fica visado e perco a privacidade, imagine uma vizinha e parentalhas cubando, anotando, fotografando, tuas entradas e saídas, com quem veio e quem saiu, horários e tudo. Eu, hein. Ou pior: de repente arranjo uma aliança, para depois andar todo bobo alegre com uma argola no dedo anular esquerdo. Deixo isso para o seu vizinho, mero seu-vizinho mas que anda com cara de pai-de-todos por causa da grana desviada. Eu, hein?

Hoje à noite o amigo Ronaldo Giacometti lembrou de Vicente Celestino e saio à caça do meu elepê, pensando que as globos passam tanta porcaria enlatada dos terroristas americanos, e aquele filme, que fim levou? O disco eu tenho, vinilzão antigo.

Se a Blacbloca trintona, ou quarentona?, como diz Luciano: quarentã, que parece trintã, daqui a pouco ouvir O Ébrio vai pensar que eu pirei. Deixe que pense.

Tiro a droga dos sapatos e meias, o terno preto, atiro longe a gravata, ah..., outra coisa. Camisa regata do Peñarol, bermuda azul e chinelos de dedo. Ô vida boa, só me falta mulher, uma que não fique aporrinhando, cobrando, outro dia há de aparecer, eu hein, não saio à procura pelos bares porque sei que é bobagem, isso não acontece, espero sim que o inesperado me faça uma surpresa, como disse o Johnny Alf, algo natural, só assim para valer a vida. Espero, tenho tempo.

Puta que pariu! Achei!, depois de meia hora folheando capas, não sei quem vem aqui e deixa tudo em desordem, é a Nana Caymmi dentro do Scarlatti, o Emílio descapado, a Luciana Souza dentro do Jamelão, o Jamelão dentro do Nelson Gonçalves, que foi visitar o Nei Lisboa, que não tava em casa e deixou em seu lugar o Lucho Gatica, que cedeu sua moradia para a Elizeth Cardoso, a Elizeth que emprestou a casa para o Telmo de Lima Freitas, que cedeu seu rancho para o Adoniran Barbosa, o Roberto Ribeiro e a Clara Nunes espremidos dentro do Mozart, que está desaparecido com suas concertantes, não me surpreende, esse é louco de atar. A Libertad Lamarque se mudou para o Nat King Cole, adiante o João Nogueira reclama que assim não dá, ele e mais cinco apertados num álbum de jazz, um deles o Luiz Melodia, que exclama que loucura, isto parece a cabine 103 do hospício do Engenho de Dentro, a seguir ouço um choro de menina e vejo a casinha da Nilze Carvalho abandonada, isso não se faz, o Zeca é outro que tomou chá de sumiço, deve estar sorvendo uma gelada no bar da esquina, o seu Cartola deu uma saidinha junto com a Jovelina, encontro a Lia de Itamaracá aborrecida num disco que não é meu, o Arthur Moreira Lima emputeceu e meteu o pé na estrada, uma confusão danada, o Lúcio Cardim se instalou na residência do Lupicínio, bem, esses se entendem, mas o cara que mexe nos meus discos parece que bebe, só falta ter-me arrebentado a agulha, a última. Encontrei um maço de cigarros com o Aldir Blanc, de uma marca que eu fumava, ah, Vida Noturna, depois vou botar. Miro a imensidão de discos que não cheguei a folhear, achei logo o seu Vicente, só meia hora, e imagino o trabalhão que terei para organizar, uma semana, por baixo.

Não quebrou a agulha, não. Vicente inicia recitando toda a felicidade do mundo, vida boa, amigos, mulher: Nasci artista, fui cantor, ainda pequeno levaram-me para uma escola de canto. O meu nome, pouco a pouco, foi crescendo, crescendo....

Logo está dizendo alto "Já fui feliz e recebido com nobreza até, nadava em ouro e tinha alcova de cetim, a cada passo um grande amigo em que depunha fé, e nos parentes, confiava sim", a velha do apartamento de baixo bate com o cabo da vassoura no teto, acho que gostou da minha escolha musical, me empolgo, e chego à sacada com um copão de uísque na mão, o vozeirão do cantor me segue, inundando a Cidade Baixa, bah, me emociono ao pensar que alegro as pessoas, e vou espiar a mulher de preto lá embaixo, me fazendo que é por acaso. Preciso me organizar, amanhã arrumo os discos, pois algo me diz que esculhambei mais do que já estava.

Devolvo o aceno da Blacbloca que segue na entrada do edifício, de lero com umas Blacbloquinhas. Ela abre um enorme sorriso e lá de baixo exclama: “Pirou, boêmio lindão?”. As pequenas riem risinhos curtinhos.

Arriada, ora lindão, com esta cara. Pirei, sim, linda é a tua bundinha, me aguarde, penso, e abano de novo, começo a achar que não tem nada de mal tomar uma bebidinha e trocar uma idéia com a moça, somos "de maior", e assunto teríamos, pois outro dia, quando me viu passar de camisa com o 3 nas costas, listrada em amarelo e preto verticais, ela sorriu e disse que sempre amou o Peñarol, desde menina. Ai meu Deus. Volto para dentro, agora com um calorão no peito.

Será que as alianças estão caras? Essas joalherias são um assalto, mas faz tanto tempo a última vez, talvez hoje não seja tanto assim, na época eu que ganhava muito pouco, é isso. A música do seu Vicente deixa a gente indeciso, vai que. Que nada, não quero nem saber, azar, ele que me desculpe, para mim há de dar tudo certo. Quando eu for à joalheria no caminho comprarei um capuz. 

Corro novamente à sacada, ela me olha e com as mãos sinalizo que estou descendo, ela ergue os braços ao céu, em direção à sacada, com o corpo dizendo, reclamando, pedindo, Vem, seu bobo, há meses te namoro! Ai meu Deus. Desço assoviando o samba do João, cabeça posta na letra do Aldir, "...mas hoje eu estou de bem comigo, e isto é difícil...".

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miércoles, 27 de noviembre de 2013

A injusta árvore de Natal

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Recebi agora, urgente, para somar à postagem anterior. Segundo os boêmios do Botequim do Terguino, nesta semana foram montadas muitas árvores, no Congresso Nacional, primeiro, logo em Câmaras de Deputados e Assembléias Legislativas de todo o País.

Deixa assim, não vamos misturar charges com fotos. Vai aqui, em separado. Eu acrescentaria empreiteiras, a consultoria do gato Palocci, gabinetes de alguns governadores, eikes, itaús, tantos, por aí...

Mas é impossível não observar que os amigos, ao enviarem, declaram que andaram bebendo. Ora, o tadinho do bichano, se tem a mão ligeira é somente para o básico sustento, surripiar uma cabeça de peixe, um resto, uma refeiçãozinha qualquer.

Outra coisa são aqueles elementos que roubam do seu País, das suas crianças (não das deles, que julgam melhores que as nossas), brutais seres que envergonham a raça humana.

De todo modo, miremos. Lindos!


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Comoção no botequim, n'A Charge do Dias

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Ontem à noite a sessão de "O boteco pensa", evento que se fere duas vezes por mês no Botequim do Terguino, foi cancelada. Haveria palestra do boêmio Aristarco de Serraria, mas o palestrante, tomado de fúria momentos antes, não apresentava condições psicológicas adequadas, segundo suas próprias palavras, para discorrer sobre o tema que escolhera: "A mensagem de Diógenes, o Cínico". Antes havia esclarecido: "Este que morava num barril, tendo como únicos bens um alforje, um bastão e uma tigela, e que em meados de 350 A. C. andava com uma lanterna acesa em plena luz do dia à procura de um homem virtuoso, gesto que, se fosse em Brasília, estou certo de que ele sequer tentaria". Por falar em Brasília, o filósofo também ponderou aos companheiros: "Que fique claro que o Cinismo era uma doutrina filosófica grega que pregava as vantagens de uma vida simples e natural, e não essa imoralidade e falta de vergonha que assistimos diariamente".

A turma compreendeu, pois já basta o problema de que sofre o sábio, que faz com que por vezes sinta tudo girando ao seu redor, copos, garrafas, os carros que passam. Outro dia andou se incomodando e ao se encaminhar ao Mercado Público para comprar peixe a Praça Montevidéu, com Fonte Talavera e tudo, levantou vôo junto com o prédio da Prefeitura, ele retornou ao bar, mas jura que a Praça e o prédio o seguiram, fazendo volteios no ar. Bem, pelo menos isto é o que ele sente.

O que abalou o nobre empinante foi uma das notícias da sessão diária "Notícias do Notibuc", apresentada momentos antes por Luciano Peregrino. Aliás, metade da platéia precisou de atendimento médico, prontamente fornecido pelo doutor Frederico Garcia Lorpa, membro da confraria, que a uns ministrou cerveja, a outros caipirinha, aos casos mais graves Dyabla Verde, o absinto da casa, também chamada de "Losninha".

Ó trilhões de leitores, preparem-se para uma indisposição. Os cardíacos e as pessoas com pressão alta estão terminantemente proibidos de seguirem lendo, pulem esta parte e vão direto às charges. A novidade que deixou os empinantes estupefatos e quase os mandou para o hospital foi assim lida por Luciano: 

- Atenção, tigrada, jornal Ucho.info: o mensaleiro José Dirceu pretende ser gerentalha de um motel de propriedade de um sujeito dono de um catatau de emissoras de rádio, com salário de vinte paus, em troca da liberação, pelo governo, de um canal de televisão, ressuscitando a extinta TV Excelsior. O cargo de gerentalha será de fachada, na verdade instalará no tal de motel, que passará a chamar-se "metel", a sua central de lobbyes, pois o elemento é lobista, nome que dão à picaretagem de mexer pauzinhos dentro do governo para beneficiar este ou aquele mediante polpuda comissão, assim chamada, a comissão, pela hipocrisia nacional, pois na verdade essa pecúnia tem outro nome. Além disso, estão querendo confundir regime semi-aberto com aberto. Semi-aberto é colônia penal, plantando batatas ou carregando pedras, e não essa pouca-vergonha que estão armando. 

Pra quê: os boêmios que não desmaiaram ou sentiram-se mal, isto é, os que conseguiram falar, explodiram em impropérios. Carlinhos Adeva, o diretor jurídico do Partido dos Boêmios (em constituição), estendeu-se um pouco:

- Isto é um acinte! Agora estão insultando a inteligência alheia em plena luz do dia! Moleques! Descarados! Vagabundos!...

Suas mãos começaram a tremer, deu de gaguejar, e logo precisou também ser atendido pelo doutor Frederico, que aplicou-lhe uma dupla de Dyabla.

Bruno Contralouco disse que outro dia iria vestir a sua roupa de Black Bloc para fazer uma visitinha a "certos uns". Mesmo sem precisar de medicação exclamou para o Portuga:

- Vou precisar de um remédio, Portugalino, salta um chope e um liso de trigo-velho!

Uma relativa calma sobreveio na hora da eleição das obras do dia, que vão duplicadas vez que no fim-de-semana não houve votação, estavam ocupados demais com cantorias e fuzarcas. Ficaram com as seguintes:

Myrria.



Nani.


J. Bosco.



Jotapê.



Miss Leilinha Ferro, que como coordenadora tem direito a uma a solas, ficou com o Cazo.



A coluna A Charge do Dias leva esse título pelo seu idealizador, o mestre Adolfo Dias Savchenko, que um belo dia se mandou para a Argentina, onde vive muito bem. Sucedeu-o na coordenação a jovem Leila Ferro, filha do Terguino, quando os boêmios amarelaram na hora de assumir o encargo. Antes eram dois butecos, o Beco do Oitavo e o Botequim do Terguino, que.., bem..., se fundiram  no ano passado (veja AQUI), face a dívidas com o sistema agiotário. O novo bar manteve o nome de um dos butecos: por sorteio ficou Botequim do Terguino, agora propriedade dos ex-endividados António Portuga e Terguino Ferro.

sábado, 23 de noviembre de 2013

Peixe à tartaruga, sem veneno

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Uma linda noite de sábado em Porto Alegre, apesar do ventinho traiçoeiro que ao encanar fica batendo portas e janelas, típico de novembro, já em Finados é sentida a sua presença impertinente. 

Eu e a dama prontos para sair, todo finórios, ela inteiramente de branco, eu de preto à exceção da gravata branca, nada de borboleta, gravata mesmo, esta como sinal de aproximação que temos meu amor e eu, e para não ficar nem longinquamente parecido com gorilas da universal ou com leões-de-chácara, embora isto, a incompatibilidade com tais elementos, se perceba pela minha cara e pela qualidade dos trapos.

E eis que me chega Carlito Dulcemano Yanés, o desaparecido, de mala e cuia, disposto a tomar um copo de veneno. O coração dando saltos, que parecem maiores pelo volume da Magnum no lado esquerdo. Outra briga com Ju Betsabé, não precisa nem falar, já sabemos. 

Levo-o para o quarto de hóspedes e ele me conta que desta vez é definitivo, pois ela botou fogo no seu apartamento na semana passada, cinco litros de gasolina e um pau de fósforo. Como resposta, hoje ele foi no dela levando um saco de ratos de esgoto, em meio a um jantar que ela promoveu para as amigas e colegas da filosofia, e o abriu no meio da sala, quando as comensais riam e bebiam, preparando-se para se deliciarem com o peixe à tartaruga, vá saber o que é isto. Penso em lhe perguntar onde arranjou tantos políticos, mas me contenho, pelas circunstâncias deveriam ser os famintos bichinhos mesmo, afinal era só para estragar o jantar das moças, não para roubá-las. Cada ratão..., diz ele, tudo criadão, federal, um deles maior que o querido Gatolino, e olha para o nosso gato. Uno, meu, do partido socialista, hoy amigo de Marina, que há séculos comprou casa com mala en vivo, notas estalando... En Puerto Alêgre. E outro que... O Gatolino salta no meu ombro, erguendo a patinha esquerda para Carlito em sinal de bem vindo, saudades, quando tu te acalmar a gente conversa. Carlito se cala. Eu mereço, ou ando vendo coisas.

Isso pelas nove e meia da noite. De volta à sala, ele vai ao banheiro e digo à Mariquita que é melhor sairmos mais tarde. Ela assente, com ar de quem entendeu o mais tarde como amanhã.

Sou antigo nessa parada, não posso deixar meu companheiro sozinho numa hora destas, uma porque é amigo do peito, outra que sei que os ventos não sopram sempre para o mesmo lado, não esqueço que ele não saiu de perto de mim por uma semana naquela vez em que resolvi queimar um banqueiro, de medo, vai que eu me desse mal por estar sozinho, o outro tinha cem seguranças, engraçado que para proteger banqueiros e larápios de mesma estirpe aí o sujeito pode andar armado. Deixar estar, o futuro a Deus pertence e os ventos viram, ora para cá, ora para lá.

Veneno não sou parceiro em tomar, que tal vodka com martini e suco de kiwi? Ele aceita, sem o suco, dizendo que essa droga tem gosto de vinho. Mariquita fica com o suco pingado de vodka. Psicologia, malandro: na primeira oportunidade desvio o assunto, falando que o Internacional está indo cuesta abajo apesar da folha de dez milhões por mês, e nada faz pelas crianças. Ufa, caímos no amado Peñarol, que abdicou de títulos mas encaminha para a vida centenas, milhares, de crianças carentes. E mesmo abdicando eles que se cuidem, incomoda sim.

Masoquista, pede-me para que rode no toca-discos o Bolero Italiano, a "nossa" música, deles, Carlos e Ju. O "bolero italiano" L'edera, dos italianos Saverio Seracini (música) e Vincenzo D'Acquisto (letra), título que, traduzido, em espanhol varreu o mundo como La hiedra. É de 1958, vinte anos antes de Carlito nascer, mas essas coisas de amor, mulheres e música, aquele, aquelas e esta todavia me pegaram, não se explica, gosto é gosto, um mundo desconhecido de encantos ou dèjá vu. Por exemplo, Carlos e eu temos a mesma altura, 1,85m, e o mesmo peso, 86 Kg, mas ele gosta de palito, a Ju mede 1,63 e pesa 57, já a minha Mariquita mede 1,86 e pesa 87. Gosto de ter onde pegar.

Y así pasan las horas. Estamos felizes, Mariquita e eu. Somos daqueles bobos que quando dá uma zebra a gente absorve, pensamos que se saíssemos, driblando o fortuito, sabe-se lá o que poderia acontecer. Pegar na loteria na noite de Porto Alegre certamente que não iríamos, os números já correram e novamente pegamos nada. Amanhã será um bom dia, passar a tarde de cervejinhas pelo Gasômetro ou por Ipanema. Levaremos Carlos Dulcemano, se até lá ela não telefonar.

Agora o maluco meteu-se na cozinha, nem Jesus o impediria de tentar o tal "Peixe à tartaruga" que viu de relance. Gatolino lá junto com ele, falou em peixe... Ouvimos os dois confabulando, Carlos diz: meu, outro dia te trago um passarinho. Ui-miau!

Apresso-me a dizer Carlito está brincando, morena, ela responde eu sei, do Gatolino não me admira o instinto, tadinho, o achamos na rua ferido e capado. E a minha namorada chora, ô guria sensível, é assim a cada vez que lembra do bichano, ainda filhote, banhado em sangue por obra de vândalos. Voz em cacos, segue: o que me admira, são pessoas, supostas pessoas, iguais desde sempre, instinto de fera e com disfarces de sociedade, como conseguem?, pessoas que se sentem felizes em arrancar de quem não pode se defender das suas armadilhas de panelinhas, o mundo de mentiras lá fora... Pára, guria, passou, calma, essa parte é comigo, ainda os pego. Vamos dançar?

Hoje dou uma folga para Los Panchos, Gigliola Cinquetti, Johnny Albino e outros amados, e rodo com a espanhola Paloma San Basílio. Danço com Mariquita na sala. De lá da cozinha vem o grito em portunhol: yo amo aquella tartaruga desgraciada!




A última clandestina da ditadura no Brasil

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Reportagem de Patrícia França, para o jornal A Tarde


Há 30 anos morando na França, a arquiteta e urbanista baiana Maria José Malheiros decidiu, tardiamente, reabrir o processo de anistia, concedido em 1979 a todos os brasileiros punidos pelo regime militar,  e pedir a regularidade definitiva de sua identidade.

"Nesses anos tive a sensação de ser uma pessoa em pedaços. Uma pessoa com três vidas", declarou ela, que optou por adotar o nome usado na clandestinidade.

A identidade resgatada encerra 40 anos de constrangimentos e medo de ser descoberta.

"Tinha muita dificuldade em falar de número, de guardar a data de nascimento, a não original", conta Maria José.

Num depoimento emocionado concedido ao A TARDE, ela define como "muito especial" o dia 24 de outubro de 2013, data em que foi anistiada pela Comissão da Anistia do Ministério da Justiça.

"Pela primeira vez na minha vida eu caminhei em São Paulo, sozinha. São Paulo para mim era uma cidade do medo. Mas tinha um sol belíssimo naquele dia; achei a cidade linda", descreveu.

A vida no subterrâneo

Terceira filha de uma família de seis irmãos, Maria Neide Araújo Moraes só tinha cinco anos quando os pais decidiram se mudar de Palmas de Monte Alto, no interior da Bahia, para Goiânia, a capital de Goiás.

Aos 17 anos, já aluna da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Goiás e contratada como chargista do jornal O Popular, experimentou, naquele 8 de setembro de 1968, o  clima de repressão e medo no qual o País mergulharia nos anos seguintes.

"Fui presa na véspera do meu aniversário, em razão de manifestações estudantis. Depois fui colocada para fora do jornal por conta de uma charge sobre censura", diz Maria José, lembrando que o jornal foi fechado duas vezes pela polícia por charges feitas por ela.

Expulsa da universidade, enquadrada no decreto-lei 477 (o AI-5 das universidades baixado pelo presidente-militar Artur da Costa e Silva contra culpados de subversão ao regime), ela foi sequestrada em casa, por agentes do Dops (Departamento de Ordem Política e Social).

Integrando os quadros da AP (Ação Popular Marxista Leninista) e percebendo o agravamento da repressão em Goiânia, foi emancipada pelo pai, já que não tinha completado os 21 anos, e se mudou para São Paulo. Foi trabalhar no Banco Itaú, em 1971, onde atuou como digitadora de dados. Temendo ser presa, deixou o banco. Foi então enquadrada no caso de abandono de emprego e passou para a clandestinidade.

"A situação política era muito mais dura no País naquela época. A repressão era violentíssima, então qualquer tipo de atuação era punido com prisão", relata ela. "Tive que abandonar a minha casa mais uma vez, meu companheiro (Heládio José de Campos Leme) ficou preso durante um ano, e eu tive que ir embora para o Rio de Janeiro".

Seis meses depois Maria José, já filiada ao PCdoB, veiopara a Bahia. Foi morar em Vitória da Conquista com o comunista e militante político de esquerda José Novaes, que a adotou como filha legítima.

Ela, então, que já abdicara do "nome original", Maria Neide, passou a se chamar Maria José Novaes. "Fiquei em Vitória da Conquista um ano e três meses convivendo com a família de José Novaes num bairro muito pobre". Nessa época, lembra ela, o seu companheiro, pai de seu filho mais velho, saiu da prisão. Eles então  decidiram voltar a São Paulo.

Mas Maria José Novaes, assim como Maria Neide, também era procurada pelas forças da repressão. O PCdoB chegou a sugerir para ela ir para o Chile, destino buscado por vários comunistas brasileiros nos anos de chumbo. Mas ela decidiu ficar e voltar a Goiânia clandestinamente. "Minha mãe me registrou, novamente. Me colocou entre dois filhos, na vaga do filho que tinha morrido, com o nome de Maria José Malheiros. Mudei novamente de idade e de nome". 

Em setembro de 1973, decidem recomeçar a vida em Salvador. Com a certidão de nascimento, conseguiu fazer uma carteira de trabalho. Volta a Goiânia, em 1975, para  fazer novo documento de identidade. "Passei a trabalhar e tentar viver uma vida clandestina, porém, mais próxima da normalidade".

Em 1976 fez o supletivo, passou no vestibular de arquitetura da Ufba e ficou grávida. "Foi um ano muito pleno para mim". Na universidade, ela militou no movimento estudantil e atuou  na campanha pela anistia, ao lado de companheiros como José Sergio Gabrielli, Emiliano José, Oldack Miranda, José Carlos Zanetti, Milton Vasconcelos, Javier Alfaya, Lídice da Mata, Péricles Souza e Jorge Almeida.

Em 1982, já separada do seu companheiro, foi para a França fazer doutorado. Conheceu o atual marido, com quem vive há 30 anos e teve outro filho. Mas a "crise de nome e de idade" enfrentada todos os anos fez com que a engenheira de vias urbanas da prefeitura de Paris negociasse, há dois anos, uma licença não remunerada para retornar ao Brasil, requerer a anistia e regularizar sua identidade.

"Na França continuava clandestina. O fato de ter dois nomes não adiantava. Tinha sempre que tomar cuidado, esses medos de ser descoberta. Esta anistia me permitiu isso. Hoje eu não preciso esconder mais para os outros quem sou", diz ela, que até dezembro, quando retorna a Paris, continuará dando aulas na Faculdade de Arquitetura da Unifacs em Salvador.
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viernes, 22 de noviembre de 2013

Magnus Carlsen is the new World Champion!

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Só entre Índia e Noruega, 200 milhões de espectadores acompanharam o match pelo título mundial entre o "Mozart do Chess" e o "Tigre de Madras", sendo 100 milhões pela TV. No mundo todo estima-se de 500 milhões a um bilhão de pessoas.






jueves, 21 de noviembre de 2013

Grandeza dos advogados

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Por Marcelo Coelho



O major bateu na porta do quarto do hotel. Quem abriu a porta - estamos em pleno regime militar - foi o advogado Sobral Pinto.

Tenho ordens, disse o major, para levá-lo preso. O velho Sobral não se intimidou. O senhor tem ordens de um general, disse ele. Entendo que um major obedeça a um general. Mas - e o homenzinho se exaltou - eu é que não obedeço a ordens suas!

"Preso coisíssima nenhuma!", explodiu o advogado. Ou melhor: "prejo coijíssima nenhuma", terá dito, com as gengivas de quem já tinha mais de 70 anos naquela época.

No comício das diretas da Candelária, em 1984, a mesma vozinha trêmula recitou para centenas de milhares o primeiro artigo da Constituição: "Todo poder emana do povo e em xeu nome xerá ejercido". Sobral Pinto estava com 90 anos.

Um documentário sobre ele entrou em cartaz faz pouco tempo; o Espaço Itaú Frei Caneca exibe-o num único horário, às 18h30.

Dirigido por Paula Fiuza, neta do jurista, o filme é uma oportuna homenagem a um dos cidadãos mais corajosos e íntegros da história republicana. Íntegro demais, talvez, para um documentário completo.

Bem que, no filme, tenta-se mostrar algo que contradiga a imagem do paladino constitucional.

Era passional, desequilibrado, injusto até a medula quando ouvia no rádio um jogo de futebol, contam os parentes. Não ia nunca aos estádios, contudo. Católico das antigas, puniu-se até o fim da vida por ter tido um caso extraconjugal, há muito sepultado, mas nunca esquecido.

Haveria aí bom material para uma obra de ficção: o advogado que luta pelos clientes, que os tira da cadeia, que consegue absolvições, nunca perdoou a si mesmo, nem foi totalmente libertado de suas culpas.

O assunto é abordado de passagem, entretanto, num filme que se concentra, para uso das gerações mais novas, no exemplo incontestável de coerência civil que foi a vida de Sobral Pinto.

Faltam imagens, claro, de épocas mais remotas. Quase só vemos o velhinho de chapéu preto e guarda-chuva. Há fotos, contudo, da atuação de Sobral Pinto quando foi defender Luís Carlos Prestes, encarcerado pela ditadura Vargas.

Como se sabe, o advogado, já com seus 50 anos, invocou a recém-criada Lei de Proteção aos Animais para garantir condições mais dignas ao líder comunista. Talvez tivessem, os dois, algo em comum.

É verdade que Prestes, seguindo a linha do partido, passou a apoiar Getúlio logo em seguida. Podia ser uma contradição do ponto de vista pessoal, coisa praticamente desumana quando se pensa que Getúlio mandou a mulher de Prestes, grávida de sua filha, para morrer num campo de concentração nazista.

Seja como for, estava em jogo uma mesma firmeza de propósitos, uma mesma teimosia, um mesmo sacrifício que, no caso de Prestes, nos horroriza, mas no caso de Sobral Pinto causa admiração. A longevidade desses dois gêmeos, desses dois opostos, talvez se explique um pouco por aí.

Durante a ditadura militar, observa com razão o historiador José Murilo de Carvalho, era provavelmente mais fácil fechar o Congresso do que prender Sobral Pinto. A fragilidade, assim como a velhice, tem suas compensações, e podemos sempre esperar que, em alguns casos, até a truculência tenha seus limites.

Foi o que permitiu, por exemplo, que alguns advogados conseguissem vitórias, obviamente reduzidas, até mesmo em momentos de furiosa repressão militar. Adversários do regime eram presos sem nenhuma ordem judicial, levados sabe-se lá para onde, e submetidos à tortura.

Juridicamente, aquilo era mais um sequestro do que uma detenção. O mecanismo do habeas corpus teve de passar praticamente por uma pirueta interpretativa, pelo que conta um advogado ouvido no filme. Em vez de ser um recurso para libertar o preso, foi usado para que, ao menos, os familiares pudessem localizá-lo - e para que o regime admitisse, oficialmente, tê-lo agarrado sem nenhuma formalidade legal.

Tratava-se, numa palavra, de baderna, feita por militares em nome da ordem e da luta contra a subversão. Memorável, a esse respeito, a frase de outro jurista, acho que Pontes de Miranda, que se recusava a comentar o AI-5, por uma razão bem simples: "o Ato Institucional número 5 não existe".

A beleza, a coragem, o sentido da profissão de advogado saem fortalecidos de "Sobral - O Homem que Não Tinha Preço". O filme vem a calhar hoje em dia.

Durante as ditaduras, há advogados que são verdadeiros heróis. Num regime democrático, quando o lado acusador muitas vezes tem mais razão, o advogado não conta com tanta simpatia.

Ganha mais dos seus clientes, mas paga um preço mais alto. Parece obstáculo, e muitas vezes é, a uma justa punição. Não importa; sem a sua presença, ninguém poderia dizer que a punição foi justa de fato.
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miércoles, 20 de noviembre de 2013

Till - A versão italiana

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Alô, Lia, de Florianópolis. Não deixaste correio eletrônico, então vai por aqui, onde aproveito e deixo mais uma gravação.

Vai ao final a letra em italiano de Till, a célebre canção de Charles Danvers. A versão é da italiana Carla Gaiano.

No vídeo, em interpretação da própria Carla, sob o pseudônino de Carla Boni.




till... 
finche' lassu' c'e' il sol...
radioso di splendor...
vivra' per noi l'amor..

till...
finche' il chiaror lunar..
gli amanti fa vibrar..
potro' con te sognare...

till..
finche il mondo sara'...
ogni cosa potra'...
dirti che sono tua..

till....
sin quando c'e' il calor..
che scaldera' due cuor..
sapro' cos'e' l'amor...

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martes, 19 de noviembre de 2013

Chegando na Nega Lú

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Depois de algumas horas muito agradáveis no Chalé da Praça XV, entro no prédio onde mora uma das minhas mulheres. No corredor encontro o vizinho que pratica tiro, com cada espingardão, meninos... mas ele é doce, calmão, gente fina. Ele e sua senhora. Buenas noches, compañero, señora, digo baixando a cabeça e tocando de leve com as pontas dos dedos no chapéu. Buenas, tchê amigo, bom te ver feliz, ele responde. Já dentro de casa vejo bilhete para o caso de chegares antes de mim. A Luciana saiu, foi no seu Juraci, seu pai, mas não demora, deixou um número que já tenho.

Guardo no frizer os dois quilos de anjo que trouxe do Mercado Público, amanhã tapo de pimenta e pimentão e tomate e cebola e coentro e alecrim e salsa, humm... vinho branco, seco da silva, no baratil da esquina tem de garrafão, marca diabo mas trilegal. Como é muito, para mim e minha tianga, talvez leve metade para aquele vizinho e a sua mulher, de parar na porta sem entrar, eu trouxe uma panelinha pra ti e tua família, compañero, carreguei na pimenta mas está muito tri, é só fazer um arroz branco e fecha todas, se não tiver vinho te trago em seguida. Gente fina, o vizinho.

Meu Deus, a cada vez que entro no Mercado Público uma música me assombra, parece que os vejo, Alcides e Lupicínio, e o placo-placo dos tamancos da morena que passa. Será que a minha avó sabia da profundidade da frase Pergunte aos meus tamancos? Sabia sim, pena não tê-la conhecido. Mas andei por lá, bebi, brinquei com a turma da peixaria, já entrei dizendo que todo gremista é puto, só tem gremista ali, com duas exceções. Uma festa, depois abraços em todos, eu amo aquela turma, e eles piram já ao me ver de longe, ficam preparando algo. Os velhos da peixaria, antigos como só, me gostam porque morei alguns anos com as netas deles, cinco, uma de cada vez, bem, mais ou menos. Quando me abraçam dizem que ela até hoje chora, pobrezinha, ora se meter logo contigo, maninho guri, palavras que saiem doídas, logo me esmagam em abraço, quase choram. O maninho guri sou eu, com 1,85m e 86 Kg. Soube que o Juraci, o velhinho da banca do canto, não anda bem, faltou de novo. Amanhã o visitarei em casa, no Arquipélago, soube que pretende se mudar mas creio que ainda está na Ilha da Pintada.


Chego em casa alegrão pelos chopes e de veia boa por ter convivido com tantos amigos queridos no Mercado Público, mais tarde no Chalé, alguns vieram de muito longe para bebermos juntos, aos meus 45 anos iniciados ao bater da meia-noite anterior, e cometo a besteira. Como dizia o eterno poeta dos gaúchos, seu Jaime Caetano Braun: "Fui chegando, de curioso, Que o vício é que nem sarnoso, nunca pára, nem se ajeita."

Não tinha nada que mexer no que estava quieto. E baile de gente direita eu sabia que não era, guardando o de pronto para depois.

Após dez anos desde a última vez, ligo a televisão, para tirar a temperatura. Ouvi plim-plim e de pronto me surgiu um elemento repugnante, o noticiarista ou sei lá como chamam a esses caras atuamente, pau-mandado, com uma cara de... mal comida e mal lavada, dessa fruta eu gosto, ui, e Lú é limpinha. Parece turco, mas é nazi, na segunda frase que pronunciou deu para perceber que Herr Goebbels fez história. Fui ao banheiro.

Eu que não brinco nem facilito, de lá ouvi fragmentos de propagandas risíveis, riria não fosse o amargor que invadiu meu coração, dignas de um Olivetto, espero que o valentão não queira me dar um kung-fu, aqui é mais embaixo, mucho más, ui-ui amado. Bundão. Essa gente não entende. Não acreditei nos ouvidos quando anunciaram José Soares para logo mais, com aquele programinha copiado dos americanos, para a classe média de R$ 191 por mês, aqui cresceu um bicho dentro de mim. Achei que tinha morrido o infeliz, mas não, novamente vai-se vangloriar diante dos bugres por ter nascido em berço de ouro, falar muitas línguas, dar palestras para corruptos, exibir-se deslealmente por falta de honestidade intelectual, embora não tenha aprendido a bater as suas banhas no bongô. E fazer propaganda obrigatória dos empregados do seu patrão. O bicho queria sair pela minha garganta, já era maior do que eu. Não fica nem vermelho, esse gordo pau murcho, e por associação simples de idéias o pensamento virou para o cantor perneta e otários não biografados da vida, aos terroristas da Folha, aos... a perna não é nada, acontece a qualquer um, o diabo são os neurônios de ganãncia, ora vão à..., não, não vou me irritar.

Retorno e assisto o esgoto que se derrama da tela colorida. Não vou perder a calma, eu, hein? Sou calmo, malandro, e sei me controlar, perdi a conta de matagais de mulheres onde entrei, festejei, beijei, mamei e me acabei dançando em tempestuosos mares de todas as cores. Fecho os olhos, vem o rio vermelho da memória, desce sangue na cor, é quente, recordo dos punhais que tive de pegar temeroso, os bichos humanos iriam me matar, e os enterrei em carótidas e corações para me salvar.

Fiz-me famoso por isso, o controle emocional é muito importante. Importante porra nenhuma, bicho sem nervos acaba aporrinhando botecos, maltratando fumantes e não fumantes, corrigindo a linguagem, ahn..., o senhor não passa, Mr. Ronaldão, de um velho putão, pá, prisão na hora, atentado à dignidade humana. Se falar em travecão, pior ainda. Nada, tem que dizer amantes de bi terceira ordem, com amor de dedicação, apesar daquele bundão branco com os pelões pretos arrepiados de emoção na hora de levar por trás, fedido lá pelado levando vara e uns tapas para arder, apanha, cadela, para ir à escola, para desaprender de roubar, depois vai beber o leite.

Besteira, ora controle emocional. Só acerto quando faço “bobagem”, foram as bobajadas que me engrandeceram. Só não sou “O Cara”, ah, não, nem mandei fazer filminhos vulgares sobre a minha vida..., sobre a minha vida, epa, um filminho seria muito pouco e faltariam baldes para as lágrimas, lágrimas diferentes das provocadas em coitados pelo mau gosto do “cineasta” comprado com o nosso. Não mesmo, meninos. Na guerra que se trava, surda, é preciso ter vergonha, e peito, pois eles vêm com PhDs comprados, rio ao pensar nisso. São uns bostas mesmo, guris. Mas estupram as tuas filhas, ó operário, terminam o serviço começado pelo galinheiro da globo, Ó damas do oráculo, comi umas cem daquelas, tudo fútil, larga e aguada, como dizia o castelhano Orguim para expressar que, se dependesse da vontade das senhoritas, melhor seria cultuar Onan, aí desisti e amarrei uma morena do Caminho do Meio, aqui, outra no Rio Comprido, e ainda outra no bairro Argélia, este que um dia derrubará aquele prédio da Av. Paulista, quando todos os avisos forem olvidados e o ferro e o sangue entrarem quentes. E uma catarina, é verdade, ali no Centro quem desce do teatro Álvaro de Carvalho, para quem voltarei um dia, para ela, não ao teatro, neste iremos juntos sempre, a dez pilas, promoção amada de pessoas de amor de Floripa, das atrizes, atores e diretores e cenógrafos e todo mundo, depois muitos chopes na descida, ah, que vida boa.

Embolei-me, muitas moças, demais para a minha bolinha, puro trauma por não ter tido namorada na infância, elas não amavam pobres de dinheiros, e meus ferinos olhos não me ajudaram, não viram.

Ai, meu Deus, estou me passando, cadê a minha paciência, falando assim afasto os crentes deles... Calmo agora. Olhar de águia, sério, ram, sem mover um músculo do rosto. Assovio, fiu.

Que diabos que Luciana não chega, é meia-noite e trinta e o lixo segue falando.

A voz chata lá do fundo cresce, à medida que decido ouvi-la. É o cara de turco.

Na terceira distorção dos fatos o bicho me dribla, foge e esfrega-se nos meus olhos, na cabeça, rabo ainda no meu estômago, corpo agitando-se na goela, fico cego de raiva. Saio do apartamento e toco a campainha daquele vizinho. Boa noite, e sem tirar meus olhos verdes dos seus azuis explico a grave situação, a urgência. Ele não hesita e me empresta aquela grandona de cano duplo. Gente fina, esse meu vizinho. Da Luciana, mas meu também.

Voltamos, eu e o bicho que agora se remexe com mais violência dentro de mim, aperta meus olhos, dói, arde, lacrimejo, vejo por umas frestinhas, e miro bem no meio, bem no meio não, dou um desconto pelo soco da arma, evito o golpe de freio que dá na boca de bobos que pensam que sabem tudo, é mais embaixo, para acertar no peito miro nos bagos, aperto os dois gatilhos e ela se desfaz em pedaços de mentiras, a cadela velha com seus cadelinhos, deve ter sobrado para aquele gordo lá no camarim, uma tormenta de raiva despenca sobre os estúdios da vênus platinada. Minh’alma se eleva, caio de joelhos na sala.

Ufa, agora nunca mais, madame, deu para ti. Torno a respirar fundo. O bicho sossega. Pego o champanhe que guardei para quando morresse Mr. Vinte por Cento da ditadura. Amanhã compro outro em reposição, pois meu nobre gesto não pode passar em branco, requer comemoração. Berro no apartamento, um urro: Te matei, bandida! Ouço vozes no corredor, o vizinho acalma as pessoas, não, não foi na Luciana, esse homem jamais faria isso, deixa quieto, vão para dentro.

Plou e a rolha bate no teto. Ah, molho a palavra, delícia. Agradeço ao bicho que me habita, já que antes o alimentei agora dou-lhe bebida, bebe, bicho raivoso! Tintim.

A Luciana entra linda, sacudindo uma sombrinha vermelha, choveu de leve em Porto Alegre, eu já em pé na sala. Lembro de tirar o chapéu. Pula feliz no meu pescoço, me enrodilha, me volta à memória a voz do poeta quando estremeço diante "Daquele corpo moreno, Sentia o mundo pequeno, Bombeando cheio de enlevo, Dois olhos, flores de trevo, Com respingos de sereno", me beija, acarinha meus cabelos de mãos enfiadas. 

Depois olha o estrago, ainda pregada em mim, apertou mais. Sobrou muito pouco daquilo que um dia foi um televisor. O que houve, meu amor? Nada, nega, essa porcaria explodiu. Ela bate os olhos na espingarda em pé ao lado do sofá e diz: bem que fez, meu Luciano querido, venho há anos esperando por isso, deixa eu te beijar de novo.

Não largo dessa chinoca por nada, acho que vou trazer todos os cacos, que são livros e discos, como ela pede há cinco anos sem dizer uma palavra, mas com o brilho dos seus olhos pretos de índia e negra e branca em luzes, pois achei a "estrela chirua, dessas, que se banha nua, no espelho das aguadas".

Boto rodar a sinfonia concertante, a 364, viola e violino.

Logo darei uma espiada no feicebuc, hoje fiz amizades em Belo Horizonte, pessoas lidas, valentes. A ver. Aproveitarei para perguntar pelo meu verde América.

Andava com vontade de matar uns filhos da puta, mas passou. Ah, Luciana, só tu mesmo, estava bom o banho? Vem deitar, vem, tira essa toalha.


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Amâncio

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Antônio Amâncio de Oliveira Filho (Macau, RN, 11/set/1973 - Guamaré/Macau, RN, 18/nov/2013), morreu ontem, depois de trágico acidente na estrada. Com 40 aninhos.

O blog se enluta, não somente por o explorarmos, divulgando suas obras sem pagar direitos autorais. É que aprendemos a amá-lo, pelos seus traços em busca de um Brasil melhor, de um Mundo melhor. Alma doce, elevada, claro que não nos processou, como nenhum artista do traço e do pensamento do seu quilate o fez.

Com esta sua obra, sintomático sinal, vestígio, senda, caminho, do tamanho do seu coração, o blog Ainda Espantado, por mim, Salito, envia sentimentos de amor e solidariedade aos familiares, desde o Rio Grande do Sul ao outro extremo do Brasil, outro Rio Grande amado, do Norte, aos amigos e colegas do Amâncio do país inteiro. Repetindo ao Nani: paz e serenidade aos que ficam. Coragem, que mais não me ocorre nesta hora tão difícil, onde somos pó.






domingo, 17 de noviembre de 2013

Alô, Palmeira das Missões, n'A Charge do Dias

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Ontem a tigrada foi longe no Botequim do Terguino. 

Alô, Palmeira das Missões: não me culpem pelo nome de algumas figuras, não fui eu que botei. Ou é nome mesmo, ou apelido. No caso do Terguino é nome, direitinho lá na certidão de nascimento e na carteira de identidade. Terguino Ferro é o nome completo, aí já viram, né, ele conta que muito foi caçoado na infância, hoje chamam  de bullyng, ou bulingue, um anglicismo que se deve à incompetência dos nossos letrados, que diante de uma língua tão formidavelmente rica, a nossa, não encontram uma expressão para indicar o caçôo maldoso, quando não criminoso, que todos de uma ou outra forma sofremos. Mais tarde, ele diz, veio a compensação, pois lhe serviu de propaganda para esportes de alcova, e mais não podemos dizer sobre tão calientes exercícios físicos, vez que este blog é lido por menores de idade.

Bem, dizia que foram longe, com cantoria até alta madrugada, só pararam quando Bruno Contralouco resolveu incendiar os trapos de um fiscal da prefeitura e de alguns milicos, no total seis elementos, que foram lá reclamar do barulho às três da matina. Como não quiseram ver as otoridades quebradas a pau - em seis o Contra bate com uma mão só - suspenderam os trabalhos. O pessoal é cumpridor das leis, imagine depois acabar preso, uma vergonha inominável, pois o Estado, que somos nós, cobra, se vinga, justamente, hoje apareceriam uns trezentos meganhas armados.

Odoacro (de novo: não tenho culpa), primo do Aristarco de Serraria, de visita ao bar, não se conteve e no início da noite pronunciou breve oração. Levantou-se e de copo na mão arengou:

- Hoje comemoramos, ó irmãos de botequim e de vida, o sucesso do Brasil. Assombramos o mundo pelos nossos dirigentes, homens de esquálidas virtudes, míseras e apenas para os seus, ignóbeis no campo da honra, rasgados em intrepidez com a pecúnia furtada que lhes enche de coragem, bestializados pela ganância sem fim, corações de cortiças encontradas no lodo...

- Diz logo, Odoacro, não vai ficar falando a noite inteira para ao fim chamar os caras de filhos da puta, chama logo, disse a mestra Jezebel do Cpers, impaciente, queria logo entrar na música.

Odoacro hesitou, tinha muito a dizer, parece o Fidel Castro, pelo tempo dos discursos e pela barba, mas consentiu e arrematou:

- Bem... se é assim, doutora, ahn... esses truculentos parasitas de vícios e opróbrios, buracos-negros de egoísmo em nosso continente-universo chamado Brasil, originário do pau que poderia dar cor, abrasando, se houvesse ainda, o pau arabutã, aos seus cadavéricos rostos, simulação de pudor, arapucas de pegar os simples, enojantes por falsas, de centenas de milhares prendemos uma meia-dúzia. Filhos da puta!

Aplausos.

Gustavo Moscão também aplaude, depois diz para Tigran Gdanski, ao seu lado:

- Só entendi o filhos da puta. E uns caras, brrr...

- Então entendeu tudo, Mosca, respondeu Tigran.

Outro dia Aristarco já havia esclarecido que o primão leva o nome de Odoacro em homenagem ao sujeito que destruiu o Império Romano. Os velhos eram cultos. E aqui notem, ó palmeirenses, que interessante: só se fala, com quilômetros de filmes e milhões de páginas, do Império Romano, seus imperadores, seus heróis e seus loucos, mas nada se diz sobre quem venceu aos valentões; pior, insinuam que eles perderam para si mesmos. Por que será que esquecem os exércitos, que chamam de hordas, de Odoacro, será que se previnem, comendo o cérebro, de nosotros?

Bem, mania de mudar de assunto.

Seguiu a festa. Combinaram para hoje, domingo, um grande churrasco em homenagem a Joaquim Barbosa. De salgar com avião agrícola. Como sempre, fecharão o trânsito no Beco do Oitavo com sinalizadores grenal (pintados de vermelho e azul para diferenciá-los dos da prefeitura, que são cor-de-laranja azeda), veemente aviso de que se elementos hostis, a começar pelos fiscais da prefeitura e milicos, passarem dali sofrerão as consequências. Esperam uns cem visitantes, além dos moradores do Beco do Oitavo e do Beco da Fonte (este as escadarias da 24 de Maio). Virá gente da Serraria, da Tristeza, da Cefer, do Menino Deus e de outros tantos bairros. Chupim da Tristeza disse que só da sua parentalha virão uns trinta: - Pelo Joaquim a negada vai andando até a África, se for preciso, disse.

Cícero do Pinho promete a estréia do seu breve grande sucesso, composto em parceria com o ator e teatrólogo Nicolau Gaiola, que fez a letra, o "Samba do Mensalão".

Por telefone agora soube que o Negrote, o sem-teto que mora embaixo do Viaduto dos Açorianos, convidado de honra dos boêmios para todas as festas e jantares, está desde às sete da manhã ajudando ao Clóvis Baixo, Wilson Schu e Marquito Açafrão com os preparativos, é muita tábua, cavalete e cadeira para carregar. Pela mesma ligação soube que Bruno Contralouco e Luciano Peregrino foram vistos ao amanhecer na Rua João Alfredo, de noite atravessada, cantando num boteco. Também me mandaram abrir o correio eletrônico. 

Abri e entendi a razão de ficarem até tão tarde. Não foi só a cantoria: adiantaram-se e já escolheram as obras que ilustrarão esta coluna d'A Charge do Dias.

Ficaram com os seguintes artistas do traço e do pensamento:

Amarildo. Aqui Silvana Maresia explicou ao Gustavo que curso superior era esse.


Dálcio.


Sponholz.


E Sid.



Miss Leilinha Ferro, a coordenadora, ficou com o Jarbas.




Avisaram-me que me concedem o direito a uma a solas, por alguns escritos que cometi nos últimos anos. Não merecia tanto, irmãos. Mas aproveito, buscando uma antiga do mestre e camarada Nani, com a qual homenageio o presidente do PT, pedindo-lhe, humildemente, que fique quieto, por favor, respeite as caras.


Isto posto, coloco a minha camiseta vermelha e branca, de um clube do interior de São Paulo, maravilhosa, menos amada em número de pessoas mas muito mais bonita que a do Internacional, até pelos detalhes em azul e preto nos ombros e nas costas, bermudas e chinelos de dedo, e do subsolo da palafita telefono para cima, aos meus seguranças de arremetida. Bem, de arremetida todos são, o único que joga na defesa sou eu. Digo que hoje não precisamos de nada pesado, podem ir apenas com uma Magnum cada um, bem disfarçada, por via das dúvidas, de Mr. F. Febrabran nunca se sabe. Só três, Kafil M'Oba, Miquirina Segundo e Aristide Neptune. Com a Nigéria, Angola e Haiti estarei seguro. Iremos às festividades do Beco do Oitavo. Digo às minhas mulheres que volto no final da tarde.


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A coluna A Charge do Dias leva esse título pelo seu idealizador, o mestre Adolfo Dias Savchenko, que um belo dia se mandou para a Argentina, onde vive muito bem. Sucedeu-o na coordenação a jovem Leila Ferro, filha do Terguino, quando os boêmios amarelaram na hora de assumir o encargo. Antes eram dois butecos, o Beco do Oitavo e o Botequim do Terguino, que.., bem..., se fundiram  no ano passado (veja AQUI), face a dívidas com o sistema agiotário. O novo bar manteve o nome de um dos butecos: por sorteio ficou Botequim do Terguino, agora propriedade dos ex-endividados António Portuga e Terguino Ferro.

Por vezes trata de realidade nua e crua. Por vezes apenas ficção. Eventualmente contempla ficção e realidade. Os leitores saberão distinguir uma de outra. Ou não.
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