viernes, 25 de agosto de 2017

CANCHA RETA NA RUA

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Certa vez, menino de uns oito ou nove anos, aprontei uma.

O querido Pico, primo do Pato e filho do seu Borges, também menino, andava num cavalo maravilhoso, enorme, ficava lá em cima, com arreios de atleta de corrida.

Eu vinha da casa do tio João, fui lá e o primo Edilson não estava, não tinha ninguém, só a tia lá dentro, e o encontrei ali pela altura onde morava o seu Nelinho, no lado de lá do estádio do Palmeirense.

Uma discussão boba qualquer, de moleques, que eu não tinha cavalo ou sei lá, e eu disse então esperaí.

Voltei na casa do tio, fui no galpão e pé ante pé roubei uma égua super ligeira que ele tinha. Saí com ela devagar para não acordar os gansos.

Lá fora montei em pelo, sem freio, apenas enrolei uma corda na cara da égua, e fui disputar a corrida com o cavalão do Pico.

Da esquina onde morava o tio, para onde voltamos para dar a partida depois de combinar as regras lá na frente da casa do seu Nelinho, até o clube União Operária, era um retão daqueles.

Um perigo aquilo: rua com pedras, irregular, com buracos, nunca foi pista de corrida, se o cavalo ou égua pisassem mal ficariam aleijados, o sacrifício seria inevitável.

Largamos. Lá pela metade em alta velocidade perdi o controle da égua desenfreada, a corda que servia de bridão não adiantava e larguei, quase voei de cima dela, "louco pra se matar".

Perdi por una cabeza, o Pico era ginete, e teimava que foi por meio corpo, a minha montaria foi parar uma quadra depois do União. Pouca prática eu, larguei atrás, quando vi ele estava uns dez metros à frente. Como diz o Edilson, que conhecia a égua, que era um espanto de veloz, ele puto da cara comigo: "Aquela até maneada ganhava do pangaré do Pico".

Anos depois o Pico ficou meu camarada para sempre, afinal tínhamos feito arte juntos. Eu agradeço aos céus por não ter morrido, em pelo e sem estribo, me segurando nas crinas da égua.

E o inocente aqui achando que o tio não ficaria sabendo. A rua inteira vendo a corrida, com um piá de juiz para dar o sinal de partida, outro juiz para julgar a chegada na esquina do União, um bando de piás na torcida, ora se alguém não iria contar para os mais velhos.


Não sei por que, mas não apanhei em casa depois, o tio e o pai no fundo estavam mais brabos porque perdi, mas o que ouvi de recriminações... melhor se tivesse apanhado.
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miércoles, 23 de agosto de 2017

DO FUNDO DO POÇO

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Bati no fundo do profundo poço abandonado que eles pensavam seco, onde me atiraram depois de me espancarem pelas costas. Uns trinta metros de fundura.

Tinha um metro d'água lá embaixo, o poço não era tão seco. Caí em cima de um pneu velho sem revestimento, apenas a borracha lá boiando. Por milagre só quebrei uma perna, além de ganhar escoriações generalizadas pelo corpo, desmaiei por instantes com o impacto.

Eles ouviram um barulhinho de água e deram uns dez tiros para baixo, no escuro, não enxergavam o fundo do poço, quando recuperei os sentidos. Os tiros passaram assoviando, um me riscou uma orelha, levando metade dela, outro arranhou um braço, os outros tium na água.

Com o cinto e a camisa amarrei a perna, uma dor lancinante. Imaginei a alegria deles pela maldade, por terem me assassinado, me atacando de bando. Fiquei lá umas seis horas, em dez minutos tinham me dado por morto, mas esperei mais.

Olhava para cima, a pequena claridade bem lá em cima, inatingível. 

Não tinha jeito, salvo um.

Foi quando um bicho de raiva se mexeu dentro de mim e comecei a escalar o poço com as unhas.

(...)
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