domingo, 27 de noviembre de 2016

UM SONHO DE AMOR

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Ainda menino fiquei muito emocionado, quase febre, com os sons fantasmagóricos de tambores e cantos rítmicos afros, na Cuba de amor, que pulsavam enchendo a cidade de excitação e confusão, fogueiras crepitando na noite de Havana.

Lamentavelmente os bandidos de Fulgêncio Batista e os mafiosos dos cassinos e prostíbulos americanos tinham fugido quando descemos de Sierra Maestra.

Entramos na capital no primeiro dia do ano de 1959, eu no fim da fila, era um pobre caboclo, arma na mão e disposto a tudo. Lá na frente iam os heróis: Fidel, Che e tantos companheiros.

Incendiei cabarés já então abandonados, bebi rum, fui abraçado e beijado pelo povo.

Depois Che Guevara passou por mim na frente de uma cantina, parou, me deu um abraço e disse: “Guapísimo, hermanito!”.

Jamais acordarei deste sonho.
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lunes, 21 de noviembre de 2016

O ACIDENTE

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(Adaptei um pouquinho de nada a redação do caso original, documento obtido na companhia seguradora, posto que ocorreu na Portugália)

Excelentíssimos senhores,

Sou assentador de tijolos. No dia do acidente estava a trabalhar sozinho no telhado de um edifício novo de seis andares. Quando acabei o meu trabalho verifiquei que tinham sobrado 350 Kg de tijolos. Em vez de os levar à mão para baixo decidi colocá-los dentro de um barril, com a ajuda de uma roldana, a qual, felizmente, estava fixada num dos lados do edifício, no sexto andar.

Desci e atei o barril com uma corda, fui para o telhado, puxei o barril para cima e coloquei os tijolos dentro. Voltei para baixo, desatei a corda e segurei-a com força, de modo que os 350 Kg descessem devagar – note-se que o meu peso era de 80 Kg. Devido a minha surpresa, por ter saltado repentinamente do chão, perdi minha presença de espírito e esqueci de largar a corda. Desnecessário dizer que fui içado do chão a grande velocidade.

Nas proximidades do terceiro andar bati no barril que vinha a descer. Isso explica a fratura no crânio e a clavícula partida. Continuei a subir a uma velocidade ligeiramente menor, não tendo parado até os nós dos dedos estarem entalados na roldana. Felizmente já tinha recuperado a presença de espírito e consegui, apesar das dores, agarrar a corda. Mais ou menos ao mesmo tempo o barril com os tijolos caiu no chão e o fundo se partiu. Sem os tijolos o barril pesava aproximadamente 25 Kg – note-se novamente que eu tinha 80 Kg.

Como podem imaginar eu comecei a descer rapidamente. Próximo ao terceiro andar encontro o barril, que vinha a subir. Isso justifica a natureza dos tornozelos partidos e das lacerações nas pernas, como em toda a parte inferior do corpo. O encontro com o barril diminuiu a minha descida o suficiente para minimizar os meus sofrimentos quando caí em cima dos tijolos e só fraturei três vértebras.

Lamento, no entanto, informar que, enquanto caído em cima dos tijolos, com dores, incapacitado de me levantar e vendo o barril em cima de mim, perdi novamente a presença de espírito e larguei a corda. O barril pesava mais do que a corda e então desceu e caiu em cima de mim, terminando de me partir as duas pernas. Espero ter dado a informação solicitada sobre o modo como ocorreu o acidente.


(Alegações do trabalhador diante do Tribunal de Justiça de Cascais, Portugal, onde pedia indenização por acidente de trabalho devido aos ferimentos que sofreu)
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viernes, 11 de noviembre de 2016

O SONO DA ESCRAVIDÃO CONSENTIDA

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Carlos Lúcio Gontijo (27/4/1952), poeta, escritor e jornalista, grande vulto das letras das Minas Gerais e do Brasil.

Não importa se nos Estados Unidos, no Brasil ou nas cidades do Rio de Janeiro e Belo Horizonte, pois o quadro político é o mesmo: candidatos ruins e, portanto, incapazes de dar real opção para o eleitor, uma vez que a decantação dos nomes termina passando pelo filtro esburacado do radicalismo, no qual vive o mundo nos dias de hoje, onde é flagrante o empobrecimento intelectual generalizado.

Assistimos ao avanço de programas televisivos especializados em propagar (repetida e diariamente) a subcultura, por intermédio da exaltação à superficialidade e do noticiário policial, que termina por colocar a violência como algo natural e inerente ao ser humano.

Esse panorama, conjugado com educação voltada para a formação de especialistas, levando alunos de curso médio e estudantes de ensino universitário a se diplomar sem jamais ter lido um livro de literatura, um romance ou uma obra de poesia, o que resulta na formação de profissionais completamente desprovidos de sensibilidade no tocante ao trato com o ser humano, com a pessoa, com o semelhante, com o cidadão.

Devemos evitar a todo custo cair no conto da criminalização da política ou no discurso de que todo político é vagabundo, pois é dessa maneira que se abre a porta aos oportunistas, aos grupos fundamentalistas e reacionários, os quais se aproveitam do esvaziamento da ação política para assumir o poder e cometer as maiores barbaridades em nome da moral, dos bons costumes e até de Deus, que desde o surgimento da ideia de algo mais alto a nos guiar habita o fio da navalha (e da língua) de muito sanguinário e pregador da sagrada palavra.

Há uma intensificação avassaladora da disseminação do medo, como se a meta fosse manter a população acuada e desesperançada, a ponto de imaginar que o mal venceu e não há mais por que lutar.

É tempo de o bem dizer a que veio e passarmos a enaltecer aqueles que o praticam, uma vez que os semeadores do mal ganham manchetes em letras garrafais nos meios de comunicação, a ponto de possibilitar a malfeitor notório a conquista de admiradores e seguidores fanáticos, com direito a se inscrever em partido político, ser candidato, votado, eleito e tomar assento no centro do poder, legitimado e ungido pelas urnas democráticas.


A nosso ver carecemos urgentemente de uma reforma humana capaz de cessar a cultura hedonista que nos rege e nos brutaliza, conduzindo-nos ao açougue dos balcões e vitrines iluminadas, às quais sob a sanha de consumir (para existir) entregamos a nossa alma e perdemos o dom da convivência em sociedade, que muitos idealizam melhor e mais promissora se estiver nas mãos de um capataz abençoado pelo divino poder dos reis e que, dispondo de chicote e pelourinho em praça pública, como se fosse senhor da vida e da morte, adote toque de recolher e ponha todos para dormir o sono letárgico da escravidão consentida.
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viernes, 4 de noviembre de 2016

O anoitecer de Belo Horizonte

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Na foto que tiramos em 2 de novembro de 2016 o anoitecer de Belo Horizonte (MG), visto do Alto Caiçara, para além da subida da Rua Rosinha Sigaud.

As mulheres me disseram que no meio do doirado das nuvens do sol que sumia tem uma porção de gentes, lá no fundo um cara de chapéu parecido comigo. Ampliando parece mesmo. Sei lá, não duvido de mais nada nesta vida.

Segundo alguns amigos mineiros, deve ter havido outros entardeceres/anoiteceres assim na história da cidade, mas eles não recordam de uma cena assim tão bela.