martes, 22 de diciembre de 2020

EU TE AMO

 


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Derramei oceanos de lágrimas, ensopei as raízes da árvore da praça, os travesseiros de muquifos de cabarés em noites de solidão que nunca terminavam, mas nunca disse "Eu te amo" para mulher alguma. Disse depois para as crianças, para as mulheres não. Não entenderiam.
O Eu te amo naquele sentido de sou só teu porque confio em ti. Não sou homem de uma mulher só nem leviano mentiroso, tinha ciência da grandeza das três palavras, era algo de responsabilidade de vida e morte, sem volta, então fugi, não disse, não poderia assumir tamanho compromisso num crescimento duvidoso com pessoas duvidosas, ruins até, a minha vida duvidosa, estarei vivo amanhã?
Recentemente disse duas vezes, para duas mulheres que amo, certo de que não menti, certo de que fiz certo. Acho que cresci ao tempo em que estrelas nasceram.

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viernes, 4 de diciembre de 2020

INGRATIDÃO

 .(Fragmento de "Os Perturbados de Porto Alegre")

Enquanto tu brincava de bonecas da Xuxa, aquelas porcarias de plástico como ela, que me custaram os olhos da cara; enquanto tu ouvia americanos do norte, moleca, eu feito cão sem lar chupava sexos ensopados de mulheres, para te sustentar em escolas de piranhas rosários e montessoris, caríssimas, de olho neles, e levava frutas, arroz, feijão, massa e carne, tudo do bom e do melhor. O melhor que podia, abrindo mão de mim.

Lembra do dentista que arrumou os teus dentinhos saltados, coelhinha? Quase o matei. Mas correu tudo bem, não é? Quem perdeu a vida fui eu. Matei-me por ti, e nem sonhe que lidar com puta é fácil, são pessoas, almas, muitas raivosas, em geral psicologicamente abaladas como a maioria das pessoas.

Quando tu ficou mocinha eu já tinha chamado um governador de covarde. A ele e a sua tropa, gritando "Venham, filhos da puta, se forem bem homens". Agora, que tu é mulherzinha, querida filha, nem sonha com o que fiz depois, coisas que jamais saberá.

Perdôo tudo, menos ingratidão. 


(Ilustração da rede mundial)

domingo, 29 de noviembre de 2020

VIAGEM

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Só recordo que era sábado naquela noite de primavera, e chovia, chovia, chovia... Eu amargurado da vida bebia uísque quase louco de solidão num apartamento lá embaixo do Alto da Bronze. No toca-discos o Tim Maia cantava uma canção feliz que me entristecia ainda mais: "É primavera, te amo...". A campainha tocou. Não me mexi, pensei em engano, há meses ninguém me procurava. Tornou a tocar, e tocar, e tocar, até que levantei do sofá e fui ver o que era. Abri a porta e tinha uma mulher ensopada de chuva. Pois não, moça... Foi então que ela levantou a cabeça, afastou os cabelos molhados que lhe tomavam o rosto, e a reconheci. Uma atriz da Escandinávia que conhecia por fotos. O primeiro pensamento foi “Como veio parar aqui?”. Fiquei em silêncio. Um minuto de silêncio. Até que ela disse: “Dove sono?”. Segui silente, ela me olhando com esperança contida. Tornou a perguntar num fio de voz: "Où suis-je?". Não entendi e ela seguiu: “Var är jag?“,”Where am I?", ¿Donde estoy?”, aí entendi antes que dissesse a mesma coisa em português: “Onde estou?”. Respondi: “Está em Porto Alegre, moça, entre, por favor, venha tomar uma ducha quente”, e a levei pelo braço para o chuveiro. Uma linda mulher, que pelo jeito andava viajando no tempo. Tirou a roupa e entrou no banho, logo mal a via pelo vapor no box. Deixei-lhe toalha limpa e roupas secas - camiseta e um calção improvisados. Voltei para a sala com o sentimento de que a minha vida iria mudar, eu não seria mais infeliz.

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martes, 17 de noviembre de 2020

VIAJANTE

Morei anos no Rio de Janeiro, em temporadas a trabalho. Houve tempo em que somando ficava lá metade do ano, anos a fio, vivi a Tijuca, Estácio, Leblon, Botafogo, no Cosme Velho quase me enrosquei com risco de morte, e a "Cidade", meu Deus, tudo, vindo de lá dos outros lados até Santa Cruz, ao lado de Itaguaí, para não falar em Caxias e São João de Meriti, etc., sempre de táxi para ir e vir de terno e gravata. O único pedido que eu fazia para a firma era que me botassem num hotel da Barata Ribeiro, pertinho da Santa Clara, onde eu já era de casa. Sempre cumpriram. Uma festa quando eu chegava de viagem naquele hotel, um pequeno Othon, era um familiar chegando: vinham atendentes, cozinheiras e todo mundo me abraçar.

Mais um tempo de cada ano em Maceió, Sampa, Belém, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Floripa, Salvador, João Pessoa..., em tudo. Detestava Brasília, mas ia. Em Porto Alegre vinha em alguns fins de semana, antes que as meninas esquecessem de mim. Trabalho duro, o chefão dono da empresa para as boas não me escalava. No caso do Rio quando chegava a sexta-feira e não tinha que avançar noite adentro trabalhando, ah, coisa mais boa, ia furar onda e logo tomar chopes no La Maison em Copa, depois caía na noite, até sábado à meia-noite me liberava. Domingo não, neste à base de água mineral, no dia seguinte a coisa não iria prestar, o domingo era para rever a semana anterior, mexer em papéis perigosos no hotel, em como me defender e tal. A passeio ao Rio fui somente uma vez, saído de Belo Horizonte, uma semana em apartamento de aluguel.

Todas as cantoras do Rio de Janeiro que gosto são sortudas, bem casadas, muitas amigas em rede social, maravilhosas... não tiveram o azar de topar de frente comigo. Numa dessas sextas-feiras, ou sábado, vi a moça cantando, eu lá no fundo escuro do bar musical. Em pensamento depois lhe escrevi umas cem cartas de amor. Mundo que gira: Rosana Sabença hoje me honra com a sua amizade. Grato, Rosana!


ÀS URNAS!

ÀS URNAS! (Parte 1 de 10)


De cerveja em cerveja, fumando e batendo máquina a noite inteira em arrumações de uns contos para o livro Os Perturbados de Porto Alegre, tomei um fogo daqueles. Amanheceu. Às 7 da manhã a sóror Mariana de Rosário, a índia da Serra do Caverá, abriu a porta do quarto do som onde me escondo e disse: - Tu tem que ir votar, o horário de votação dos velhos é das 7 às 10. Quase perdi a concentração do texto.

- Velho é o teu pai. - Respondi rindo.

- Tava brincando, tu é um guri que aparenta 35, imagine, é que é bom votar logo para ter o resto do domingo tranquilo, daqui a pouco vai te bater o sono.

- Mentirosa, aparento 90, mas tu tem razão, vou lá.

A sóror tem um fusca 1972, com ele me levou à Cidade Baixa de Porto Alegre, a apenas 12km de distância do Convento. De fogo fui só de calção e pés descalços. Ao chegarmos na Rua da Olaria, nº 400, uma escola onde voto, ela abriu uma sacola e disse: - Aqui está a tua carteira com os documentos, e aqui estão as roupas, tire o calção, vista a calça, a camisa e calce os sapatos.

Obedeci. Fui lá bem vestido com cara de homem sério. Não foi difícil achar a minha seção. Tinha uma velhinha na minha frente na fila de poucas pessoas. Atrás de mim uma gringa coxuda que sai da frente, tonteei. A velhinha da frente não parava de se voltar e me olhar, até que não se aguentou.

- Eu te conheço, meu fio, tu era menino de uns 20 anos, lembra de mim? - Desculpe, minha senhora, mas não recordo. - Eu era a cafetina de um cabaré da Rua Ernesto Alves, e tenho uma foto contigo no colo, eu sentada numa cadeira da calçada e tu atravessado por cima me abraçando e me dando beijos no rosto, agradecido porque te livrei o pouso num catre lá dos fundos.

Toda a fila ouvindo, até os mesários lá dentro, ela falava alto, sem agressividade, carinhosa, mas em alto e bom som. - A senhora me confundiu com outra pessoa. - Não, era tu, não sou louca, tu tava mal de vida, na miséria, ou era teu irmão gêmeo. - Bom, tive um irmão gêmeo, aquele era bom, morreu, infelizmente. - Morreu, meu fio? Lamento muito, era um rico rapazinho, sincero e honesto, bonito como tu. - Pois é, D. Lucrécia, é a vida, Deus só leva os bons, bonito pelos seus olhos bondosos.

Silêncio, um tempinho, tremi pelo ato falho, o que faz a bebida, mas ela estava muito velha, não iria perceber. Virei-me para a gringa, ui, que peitões, que com a mão tapava a boca mascarada para abafar o riso. Veio a voz da velhinha atrás: - Eu sou a Lúcia. Como é que tu sabe que o meu nome de guerra era Lucrécia, meu fio?

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(Ilustração: Lucrezia Borgia, tela de Dante Gabriel Rossetti, de 1871)

sábado, 14 de noviembre de 2020

CARAVANA

 


"Tem coisas que a gente nunca deve esquecer, do tipo: 'Enquanto os cães ladram a caravana passa'. No deserto de maldades desta vida não vale a pena. Se parar para brigar com um cachorro louco, obtuso, é atraso, meu chapa, o cara perde tempo, deixa de avançar quilômetros em direção a um horizonte de sonhos, lindo, que está lá adiante, não se sabe exatamente onde, mas está lá. Com a carga que não é leve desde menino tento ser caravana, só paro se me fizerem sangue, ou se ferirem algum amor da minha vida. Assim também não. Então não me façam parar, criminosos, pois se me pararem vem tempestade, alguém morre, os cães dos palacetes ou eu. Tentem."

viernes, 6 de noviembre de 2020

GATOLINO NÃO PERDOA

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O Gatolino desta vez me botou numa sinuca de bico, ao som de Perfídia que tocava no toca-discos. Sei falar gatês, pardalês, cachorrês, sábianês, cavalês, mussunês e peixês em geral, tico-ticonês, coelhês, galês - ora se não iria entender galos e galinhas, criei-me com galos de briga nos braços. Bom, e macaquês, gafanhotês e todas as línguas de bichos e passarinhos, volta e meia falo e interrogo em porquês. Falo piranhês, pobres onças daquele cabaré, ah, e oncês. Exceto urubunês e sua variante corvês, tubaronês e jacarês, estas línguas não falo mas entendo os horrores que dizem. Gadês e jumentês sei mas ando evitando. De cobrês apenas alguns dialetos, pois algumas cobras andaram me mordendo por pura maldade. O segredo com os bons é o sentimento expresso no tom de voz. Já o Gatolino agora só fala espanhol, na verdade portunhol. Antes postei de brincadeira: Qual a diferença entre "picar a mula" e "capar o gato"? Ele leu e levou pro lado pessoal, sem metáfora, literalmente, esse negócio de capar o gato. Disse-me com rancor na voz:
- Hermano Salassar, por favor, mate a ese hijo de puta veterinario nazista del barrio Menino Diós de Puerto Alêgre. Limpie, desinfecte el mundo de los mengeles de perros y gatitos. Y asessino de los pobres de tu especie.
Ai vó Marica, me ajude numa hora destas. Y ahora, che, que hago? Pensei um pouquinho: hora de contemporizar, deixar a raiva passar, e respondi na variante Miadês:
- Por enquanto não posso, hermano Gatolino, me dá um tempo, o nazifascista castrador virou ministro da Bozália, se eu matar o canalha em poucas horas na perfídia a Polícia Federal ou os milicianos deles invadem aqui e nos matam a todos, os bandidos pisotearão e matarão as freiras, o Antúrio, a Comigo Ninguém Pode. as Rosas e as Violetas que dei a ti.
- No quiero saber, me debes eso, mata al asesino. Prefiero morir, pero primero mátalos a todos.
E agora, faço o quê? Vontade tenho de fazer como o Gatolino diz, mas peraí, não somos como eles que falam inglês, russês, português e muitas outras.



domingo, 1 de noviembre de 2020

São Paulo

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Av. Paulista, orelhão, 11 da manhã de uma quarta-feira. Disc, disc, disc. A cobrar.
- Alô, bom dia... (a telefonista)
- Me passe rápido para o chefão, Marisa, sou eu.
- Fala, Cabelinho! (o chefão)
- Doutor, estou há mais de uma semana neste bancão aqui da Avenida Paulista onde o senhor me meteu, não liguei de lá porque estão monitorando os telefones, é uma quadrilha, tudo criminoso, doutor, temo que atentem contra a minha vida, pois peguei um monte de transferências ilegais para o exterior, políticos, grandões aqui... tem gente do Banco Central no meio, o senhor sabe, tenho crianças pra criar...
- Te ameaçaram?
- Não claramente, mas leio pensamento de bandido, doutor, o senhor sabe da minha vida, me meteu aqui porque desconfiava que era uma máfia, para as boas nunca me escala, então acredite em mim.
- Hummm, deixa eu pensar... Vou falar com uns caras. Tu está com medo, a ameaça é iminente?
- Medo eu não tenho de nada, doutor, já passei por coisa semelhante, mas estou em terra estranha e eles são muito perigosos, traiçoeiros, preciso de proteção armada, de quem cuide as minhas costas, pois agora é que eu vou para cima deles.
- Não vai para cima coisa nenhuma, hoje não. Vá para o hotel e não saia de lá, me ligue à tarde, vou conversar com o diretor presidente do banco e com algumas pessoas, tenho amigos na Polícia Federal, mantenha a calma, Cabelinho.
Pelo sim, pelo não, desliguei o telefone e fui lá no bairro Armênia comprar um 38 frio. Conversando sobre presídios fiquei amigo dos caras, tudo gente boa.
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(Fragmento do livro "Eu, auditor")

viernes, 23 de octubre de 2020

CONVERSANDO COM O GATOLINO

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Tomei um fogo enquanto lubrificava a artilharia, desmontei e montei de novo as armas, depois dormi. O Gatolino me tirou da cama antes do tempo, tinha um assunto sério a tratar. Reagi sai fora, me deixa dormir, não adiantou: "Venga, ahora, estoy preocupado". Lá fui eu meio dormindo atrás dele pro sofá. Começou: "No te pongas triste, 'Salassar', los hijos de puta no merecen ni siquiera una puñalada, y las mujeres...". E cantou com gestos teatrais: "Dicen que los hombres no deben llorar / por una mujer que ha pagado mal / Pero yo no pude contener mi llanto / Cerrando los ojos me puse a llorar...". Fechei os olhos e chorei feito criança.
Não reparem, ando abatido mesmo, ingratidões, mas olhem o Gatolino, além de gatês já fala guarani jopará, espanhol, russês, mineirês, paulistês, cearês, carioquês e alemão, inglês sabe mas não gosta. Português quando fala é o da Portugália, ó pá. É em espanhol que me pede uma gata baiana, pois está aprendendo baianês: "Hermano Salito, por Diós, una que hable mérraaaauu...", aqui aportuguesou o "Méjaaaauu...".
Ama boleros, sambas, tudo de MPB, choros com regional, tangos, milongas, baladas, salsas, mambos... todos os gêneros musicais, é apaixonado por algumas árias, chora copiosamente. Quer dizer: todos os gêneros exceto sertanojos, coisa muito diferente dos nossos sertanejos, aí solta um shhhhh e um fuuuuu raivoso. Adora holandecas, russecas, pretecas, gringuecas, poláquias, arábicas, alemânicas e tudo, sendo fêmea é com ele mesmo.
Boto umas cachaças na sua água, para se acalmar, antes que o louco saia armado levando tudo por diante.




miércoles, 21 de octubre de 2020

QUE O MUNDO CAIA SOBRE MIM (Fragmento)

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Madrugada alta em Porto Alegre, trovões roncando ao longe, aviso e promessa, sabia que não iria demorar. Tirei o terno e botei um calção do Peñarol de Montevideo que ganhei de um amigo. Saí só de calção amarelo e preto, pés descalços. Azar, tormenta e chuva não perco por nada, até para provocar os supostos deuses. Luísa da Cruz gritou vou junto e me alcançou correndo só de calcinha. Quando chegamos lá na rua o mundo já descia em água. Rindo ensopados na esquina da Rua Olavo Bilac com a Rua da Olaria, abraçados, vi que a sua calcinha branca estava preta pelos seus pelos molhados. Azar, a rua estava deserta. Ela viu que eu olhava, veio e me beijou a boca com força, como eu estava tonta ao som do ribombar dos trovões e relâmpagos no céu, este que finalmente se decidiu, rugiu feio e explodiu de modo assustador: os raios. Ela se agarrou mais em mim e a abracei forte, Luísa não tenha medo, e mentalmente pedi ao suposto diabo que se ali caísse um raio que fosse em cima de mim, dela não. Vieram três queimando tudo, um destruiu uma árvore mais adiante e os outros foram absorvidos pelos para-raios das proximidades. Então o céu se derramou de maneira anormal, pressenti que a cidade ficaria submersa, era um dilúvio que iria encher o rio e a água subiria até os morros. Eu sabia que os céus e os subterrâneos queriam me matar, mas não seria naquele dia, eu mal estava começando, tinha uns serviços por terminar.
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lunes, 19 de octubre de 2020

ATÉ PODE ENTRAR VIVO NA MINHA ÁREA, MAS...

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Não existia cartão amarelo, e sim a regra "do pescoço pra baixo é canela". Expulso o cara seria se saísse em briga de mão, isso não pode, ou se numa voadora ferisse gravemente um adversário em falta feia, do sujeito ser levado para a Emergência do Hospital de Caridade. Na expulsão nada de cartãozinho, era o braço do juiz esticado para fora do campo, indicador em riste: rua! Fui expulso somente uma vez, o juiz era deles, ladrão, pois nem matei o alemão provocador, só saiu choramingando com a perna quebrada.

Esse time NUNCA perdeu uma partida. Todos na catega, mas quando o negócio complicava eu, 14 ou 15 anos e capitão do time - nem sempre fui, que era o zagueiro central, dizia pro Tasico, quarto zagueiro (penúltimo em pé, da esquerda para a direita): vamos abrir o açougue, negão, e subir para a área deles. Ele, que a bola morria ao cair em seu corpo, elegante, saía batendo pra matar. Pro Jardo e pro Rui, ao meu lado, nem precisava dizer. Lá na frente o Sérgio, o Gilba e o Lumumba, todos os nossos cobras - de alguns não lembro os nomes, se sentiam melhor na foto, agora é nóis, e iam velozes para cima deles. Coisa mais boa ao final da peleja, saindo de campo, receber um abraço feliz do nosso técnico José Machado, este benfeitor da comunidade - tempo, dinheiro, dedicação - por apoiar a meninada.

jueves, 15 de octubre de 2020

DURA DE MATAR

.Medo de viajar e as plantas morrerem sem água? Eu tenho.

Era separado, morava sozinho. Tinha somente uma plantinha. Certa vez fiquei três meses no RJ, direto, era caso sério. Isso lá por 1987 ou 88. Em Porto Alegre ficou a minha planta no apartamentinho lá embaixo do Alto da Bronze. Eu no Rio preocupado, logo no verão... Quando finalmente consegui voltar, o táxi do aeroporto mal parou, paguei e não quis o troco, voei pegar as malas. Subi as escadas e sôfrego abri a porta, deixando as malas no corredor, corri para vê-la. Estava ressequida, sem folhas. Morta, pensei. Molhei-a de transbordar, e ela milagrosamente reviveu. Está viva até hoje, minha eterna companheira. Aí entendi porque ela se chama Comigo Ninguém Pode. Ensinou-me muitas coisas. Ainda me ensina. Dizem que é venenosa, acho graça, não me conhecem.



domingo, 11 de octubre de 2020

BOLINHO DE CHUVA

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Outro dia, naquela de nunca mais dar ração com T - todas são à base de T - para o Gatolino e o LF, fiz uma panelada de arroz com cenoura raspada. O raspada não é com aparelho de barbear nem com aqueles grudes nas pernas e em outros lugares, prezadas senhoras. É aquele utensílio de cozinha onde a gente esfrega o legume duro, arriscando ir um dedo junto, e este - o legume duro, não o dedo - sai em pedacinhos ou raspas por baixo, se bem que outro dia me levou a polpa do polegar com um pepinão. Qual o quê, só o LF comeu um pouquinho. Também, sem sal nem nada, nem gato comeria aquilo. Só se os deixasse a morrer de fome, aí o nego come até casca de árvore, guanxuma, lagartixa de parede e o que pintar, mas não sou tão ruim assim. Bom, hoje achei que as freiras ficariam em casa, afinal estou de aniversário, mas lá se foram trabalhar na boate. Sabem, né, boate com quartos nos fundos na verdade tem outro nome. Decidiram que o melhor presente que poderiam me dar seria dez mil reais, o que pretendem faturar hoje, por baixo, em cima de políticos direitosos. Meio a contragosto aceitei, afinal dez mil é dez mil, ainda mais sabendo que eles roubaram para gastar um pouquinho na boate, o grosso tiram do País. Acompanhei-as à porta e falei que hoje iria fazer bolinho de chuva, vez que uma chuvarada imensa está prometida para Porto Alegre nas próximas horas, conheço o céu. É bolinho de arroz, com a panelada que os gatos recusaram, mas passa por de chuva, gosto de chuva, vou botar sal, pimenta e salsa. Mariana de Rosário riu: "Ahahah, tu não sabe fazer bolinho, vai é fazer bagunça". Ora, se sei fazer até bacalhoada...

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lunes, 5 de octubre de 2020

LOUCO PARA FAZER 69, MAS NÃO SERÁ DESTA VEZ (Ficciones)

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Num dia como hoje há muitos anos houve uma explosão miau num banco da Av. Paulista, em São Paulo, propriedade de um bando de miaus da máfia da Febraban (reclamem que abro os nomes e dossiês), onde mais tarde me ameaçariam de morte e precisei telefonar para alguns presídios. Mais um banco falcatrua, como todos. Claro que a imprensa fascista de Sampa se manteve caladinha, ladrão aqui não mexe com o ladrão de lá. E queriam "Parecer" limpo, atestado de honestidade para a Bolsa de Valores, só rindo.
- Vamos chamar o Antônio Fagundes, está na... (cervejaria do Rio de Janeiro, que era na Marquês de Sapucaí), hoje à noite ele voa pra lá, já reservei passagens e hotel, disse o gerentalha de programação ao dono da empresa de auditoria, então a melhor do País. Eu era gerentalha de operações especiais. O "velho" chefão olhou pra ele e respondeu: "O Fagundes Cabelinho já está em Porto Alegre, veio por conta própria, passar o seu aniversário com as suas meninas, vou reembolsar o que gastou. E não quer papo com ninguém, pode cancelar tudo: hoje, amanhã e depois de amanhã ele não vai trabalhar, o rapaz nunca tira férias, vende, ora, atravessa noites trabalhando, se ele me pedisse mais de três dias, uma semana, levava tudo e mais um pouco. Vai ficar bebendo e lembrando o que passou de ruim e de bom. Mande os colegas na frente para preparar o terreno. O dono da empresa me conhecia há uns seis anos, sabia que eu estaria de fogo, e que não iria trabalhar, de jeito nenhum, implícito um "pode me demitir se quiser, estou cheio de ofertas de emprego dos concorrentes."
Neste 5 de outubro de 2020 não fui trabalhar, nem irei amanhã nem depois de amanhã. Penso em assaltar um banco, não com explosão de sonegação de engravatados: com explosivos mesmo, arma na mão. Até quarta-feira passa a vontade.


 


jueves, 1 de octubre de 2020

A PRAÇA

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A praça não era apenas violência, penúria e tristeza. Hoje olhando para trás só me afloram à mente os bons momentos. Poucos, porém inesquecíveis. Os ruins o cérebro evita, preciso me concentrar para lembrá-los. Rio dos barbeiros. Os companheiros de desventura cortavam os cabelos uns dos outros com uma minúscula tesourinha, para ao menos reduzir a cabeleira. O meu eu mesmo cortava à faca pelo tato, mantinha o rudimentar punhal afiadíssimo, o mesmo punhal com que fazia a barba, esta era macia, rala, fácil de tirar no verão. Os cabelos no começo era complicado, pois só com o tato, sem espelho, não era tão simples evitar desproporção, uma parte mais volumosa que outra. Depois conferia o resultado me olhando em alguma vitrine de loja, não ficava legal. Um dia um dos moradores afanou uma tesoura boa em algum lugar, aí foi um abraço. Tocava nas regiões da cabeça, media, com os dedos indicador e médio estendia, prendia a parte excedente e lá ia a tesoura, trocando de mão a depender se do lado direito ou esquerdo da cabeça. Era destro, mas isso ajudou nos esforços para me tornar ambidestro no uso do punhal para outros fins: o inimigo o via numa das mãos, armava a defesa ou o ataque baseado nisso, e no último momento, já voando para cima dele, trocava de mão o jogando para a outra. Um dia consegui um pente, mas o usava somente para pentear os cabelos, para o corte estava habituado com os dedos. Nunca entrei numa barbearia, pois desde menino até ficar mocinho a mãe cortava em casa. Muitos anos depois, certa vez em que fui falar com um intrujão da Travessa Acylino de Carvalho, já bem vestido, morando num apartamento da Marechal, na saída do acerto com o receptador entrei numa das barbearias para ver se havia outros instrumentos que eles usavam, e os tipos de pente e tesoura. Assisti o que eles faziam e me retirei sem que ninguém perguntasse nada, nessas alturas todos na Travessa sabiam quem eu era, não tinha apenas o punhal por dentro do paletó de passeio.

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(Fragmento do livro “Os Perturbados de Porto Alegre”)


martes, 29 de septiembre de 2020

RICOS DE QUÊ?


"Você visita alguém rico, não te oferece nem um copo de água. Visita um pobre e este te oferece café, bolo e ainda te dá um filhote de cachorro e uma mudinha de planta".

Vi por aí, grande verdade. Se o desgraçado rico miau te der alguma coisa é porque está pensando em te tomar algo muito mais valioso, além do suor do teu rosto. Como o teu voto, para que ele possa roubar muito mais. Nem falo de certa classe média ralé que gostaria de ser tão ladra quanto eles. mas o povinho bovino adora votar em rico miau e/ou violento, por um favorzinho qualquer, para não falar da lavagem cerebral da globo e pesquisas falcatruas a bom preço. Com tão óbvia constatação sempre lembro de uma colega, grande advogada, eu consultor de "Operações Especiais". Em poucas horas, umas 36. salvei 20 milhões pros seus amigos donos de uma empresa, sem contrato amarrando, no verbo, ali eu tiraria o pé do barro, mas cobrei valor simbólico, de favor pra ela pois um dia seu sócio me deu abrigo por uns dias, e eles eram seus clientes, e ela deveria cobrar bem. Eles com 200 milhões aplicados em Bolsa de Valores, preferenciais,, jogatina volúvel, conversível,, CDB de 30 dias, grana viva disponível, para não falar no imenso patrimônio imobiliário. Na hora de me pagarem os honorários, a dinheiro de hoje uns 20 mil, merreca,, o certo seria no mínimo 10% da economia, 2 milhões, eles pediram prazo de dois meses pra pagar... Subi num porco. Aí depois ela me disse, conhecia os caras desde a infância: "Por serem canalhas assim é que são podres de ricos, não respeitam nada". Nunca mais comigo, nem eles nem ela. Violaram o básico. Acabaram sifu anos depois, pois comentei vagamente com um camarada federal (honesto) sobre outras coisas que vi não sendo pago para ver.

(Na imagem Procópio Ferreira como mendigo na porta da igreja na peça "Deus lhe Pague")



 


domingo, 27 de septiembre de 2020

MANUELA

 .(escrevo no escuro)


Vivo de brincadeira, chamando a Manuela de "Namorida". Moça lutadora, quem me conhece sabe o respeito que lhe dedico sem conhecê-la pessoalmente, salvo por um sorriso e um aperto de mão, críticas construtivas à parte. Para as eleições de 2020 para a Prefeitura de Porto Alegre já abri o voto para o Júlio Flores (PSTU) na primeira vuelta, o Júlio que nesse mundo perverso pelo jeito nunca sairá de 1% nas pesquisas dos canalhas que induzem esse povinho bovino. Se eles dizem que a Manuela está na frente botem pelo menos mais dez pontos percentuais na maracutaia dos vagabundos, está muito à frente.

Pois hoje soube que um indivíduo chamado Jardim, da Globo, jardim de crocodilos e caninanas, disse que o patrimônio da moça aumentou 380%, tipo mil reais aumentar três mil e oitocentos. Assim, de graça, o elemento fingindo que não vê os bilhões desviados pelo Guedes e seus comparsas. Bem... em certo momento eu morava na Praça Garibaldi sem nenhum, depois num cabaré de favor, não escondo nem reclamo, vivo dizendo, a ditadura matou meninos, a mim só prejudicou muito. Um dia arranjei um emprego. Economizei alguns trocados por mês. Em um ano eu tinha mil, em cinco anos tinha cinquenta mil, consegui comprar até moradia para as crianças, modesta, com o suor do rosto, ajuda da mulher e financiamento da CEF. Meu patrimônio em poucos anos cresceu 100.000%.. Hoje estou sem nenhum por mão-aberta, mas as meninas estão lindas, lépidas e graciosas.

Não consegui ler a matéria desse múmia Lauro Jardim (me processe, que te ensino com quantos paus se faz 13.313,13 canoas, moleque), tem que ser assinante para ler o lixo Globo, então quem tiver acesso me mande, por acaso ele acusa a moça de possuir algum dinheirinho sem origem, vindo dos Queiroz da vida? Ou de ter empresa de fachada em paraíso fiscal, como a Globo nas Ilhas Virgens?

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viernes, 25 de septiembre de 2020

Caminho dos resíduos sólidos de Porto Alegre RS


Natividad, uma filha biológica que me deu um susto ao nascer e por isso tem o nome que tem, doutora e pós-doutora em Biologias e Botânicas, me mandou este vídeo produzido por alunos do curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. A menina me sai bem, me representa, como os alunos da Universidade. Vale a pena ver, ó porto-alegrinos. Serve para todas as urbes do País e do mundo.

DESTINO: COPACABANA

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Em janeiro de 2020 estive em Torres num casarão de aluguel. Saí do chuveiro de tirar o sal do mar, vez que fui nadando com o punhal entre os dentes em furiosas braçadas até Garopaba para me vingar de um catarino fascista que me devia uma pedra; abri o elemento, meu punhal de selva é bom que dói. Por mar só uns 140 ou 150 km, na ida foi mole, mas na volta estava um tantinho cansado, andava meio fora de forma, não é todo dia que se nada 300 km, mesmo para quem já foi nadando de Tramandaí ao Rio de Janeiro. Na verdade saí do Imbé, ao lado de Tramandaí, e quando me dei conta estava na Baía de Guanabara, lá desci do mar e tomei uns chopes. Bons tempos. Bem... Voltei nadando de costas, boiei, demorei. No casarão elas se fazendo de sonsas, logo comigo. Naquele calorão as freiras andavam cheias de roupas pretas, pesadas, dos pés ao pescoço, em vez de peladas. Não queriam nada comigo. De vingança botei uma roupinha e peguei um trago, com ares de vou me mandar daqui. Eu magro que é um diabo, desgastado da viagem, nem comida me deram. Quem bateu a foto foi a Magda, a alemoa dona do bar da esquina que me trouxe cervejas, namorada de um figurão da cidade, essa já foi tirando a bermuda e o biquíni que tinha por baixo.
(...)
(O seguimento foi CENSURADO pelo Ministério da Censura da Bozália, presidente o Sr. Alexandre Frota, Secretário o Sr. Oscar Maroni Bahamas, com o Véio da Havan de Conselheiro-mor)


jueves, 24 de septiembre de 2020

AMADO URUGUAY

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Pobre de mim, indo pelo Chuy só conheci um pouco de Melo, Rocha e Lavalleja. Virei o auto para ir a Treinta y Tres, entrei e na divisa faltou combustível. Botei um galão de álcool que tinha no porta-malas, era o que tinha, lá não vendiam gasolina em postos, eu não sabia. O carro era de gasolina, virei o volante para a direita, consegui entrar de novo em Rocha e logo a fubica quebrou. Noite escura, azar: abaixo de chuva entrei a pé campo adentro, andei dez quilômetros até achar viventes, cheguei de madrugada batendo palmas na frente da casa, já de abraços e lambidas com os cães de guarda, eles gostam de mim. Um pinto de molhado, foi o que viram quando vieram com lampiões acesos. Uma família boa, numerosa, agricultores tipo MST, todos me ajudaram, tinham um velho trator e uma filha dos velhos e irmã dos rapazes madurinha.
Gente da minha raça, hospitaleiros, decentes, rebocaram o carro e tudo. Casei com a Ariana Comesaña, fiquei lá com eles por cinco anos. Ali, aos 33 anos, idade de Cristo como diziam, fechei 33 filhas com as cinco que ganhei de Ariana. Com eles "Aprendi filosofía, dados, timba, y la poesía cruel de no pensar más em mí". E de ovelhas, a tosquia e o bem querer. Pretendia chegar a um Cafetín de Buenos Aires, mas fui primeiro para Montevideo aos 38 anos, com um 38 e um punhal por dentro do paletó. "Con el pucho de la vida / Apretado entre los labios...". A Ariana entendeu quando eu disse "Não demorarei muito, meu amor, vou voltar, só preciso terminar um serviço". Em Montevideo e na Av. Cataluña tudo mudou. Como en las calles Durazno y Convención, muito amor mas precisei pegar em punhal. Anos depois eles fugiriam para Porto Alegre quando Mujica botou ordem na casa, com amor e argumentos irrefutáveis.
(...)


lunes, 21 de septiembre de 2020

NO ESCURO, COM FRIO

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Madrugada em Porto Alegre. "Silencio en la noche / Ya todo está en calma / El musculo duerme / La ambición trabaja" - acabou de dizer Gardel. Eu aqui na escuridão do vão da escada, com frio, pernas encolhidas no minúsculo espaço, dolorido, preocupado e com medo dos vírus 17 e 19. Neste mundo sou um peixe fora d'água. Tento me salvar pensando em loucuras com mulheres que moram longe, bem felizes nos braços dos outros... meu Deus o que foi que eu fiz para merecer isto? Salvo-me em parte, com o nóti luminoso no cubículo, foninhos nos ouvidos, ouvindo a turma de Barcelona. Joan Chamorro - o regente, no baixo, a menina Andrea Motis e outros artistas. Neste momento interpretam "Insensatez", de Tom e Vinícius, os ianques chamam de How Insensitive. Preciso comprar um rifle de precisão e ir à Brasília, mas e grana pra isso? Vão ver o preço do russo SVLK-14S, que acerta na pinha desde 4 km, só em sonhos. Vou dormir encolhido aqui mesmo, esquecendo o mundo horrível lá fora. Tomara que chova, que venha um dilúvio, em lama não sou como eles, não sei nadar em lama, mas em água do céu sou bom, eles morrerão afogados, eu não. Quando a água do céu se misturar com a água salgada dos mares nascerão escamas e nadadeiras no meu corpo, serei quase um peixe.

domingo, 20 de septiembre de 2020

QUERO SER COELHO

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Quando menino em certo momento coube a mim alimentar os coelhos, varrer e lavar, tirar seus cocozinhos, eles presos lá. Eram muitos num espaço de quinhentos metros quadrados. Coelho come tudo o que é vegetal que vê pela frente. Por ordens do patrão eu levava-lhes braçadas de funcho molhado que eu mesmo cortava à facão, um vegetal que não custava nada ao cretino. Eles amavam funcho, era o que tinha, comiam tudo rapidamente com os seus dentinhos ágeis, crã, crã, crã. Animaizinhos queridos, apeguei-me tanto que pedi demissão quando o cretino disse que iria matar alguns para comer, e vender outros tantos para os açougues da vida.
Já moço em Porto Alegre festejei quando entrei na casa do Nadir, dono do bar-sinuca da Rua Zé do Patrô que havia ao lado da Igreja Sagrada Família. Ele e a mulher moravam num apartamento na Av. João Pessoa, de frente para a Redenção, e tinham um coelho de estimação, como temos gatinhos e cãezinhos. Tinha a caixinha de areia dele, tudo certinho, o coelhinho amoroso como só, como o casal que o adotou e o alimentava com múltiplos vegetais, cenoura, vagem, alface e tudo.
Na correria da vida nunca mais vi coelho nem funcho. Ontem o querido gringo Pedrinho, da mercearia da Av. Venâncio Aires, me deu um litro de cachaça em conserva de funcho, já tomei metade. Os coelhinhos estavam certos, coisa mais boa, embora eu goste mais com losna, o absinto de pobre.

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viernes, 18 de septiembre de 2020

TORRENTE

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Chove em Porto Alegre, a potes, cântaros. Amo chuva, desde a tenra idade. Não perco chuva, seja inverno ou verão. Gosto do verão, mas encaro com amor em qualquer estação. Se der tempo boto um calção e vou andar pela rua, se não der me molho todo, azar se de terno e gravata, mas não perco a chuva nos cabelos, no rosto, na alma. No começo as pessoas estranhavam, esse cara é louco, e riam. Depois começaram a tirar o chapéu, era amor mesmo, ao me verem em pleno inverno tirando a gravata, olhando para cima, para o infinito, recebendo a chuva de braços abertos. Odeio guarda-chuva, nunca peguei num treco desses, o máximo que fiz foi abrir sombrinha verde para proteger mulheres que não queriam se molhar. Molhadas andavam comigo, chuva vinda de dentro. Água do céu. Mulher e chuva para mim de certo modo são sinônimos, embora uma não saiba da outra. Uma mais a outra é igual Vida. Chuva mais desgraça resulta em Silêncio. Quando enrosquei no colégio, violentinho em defesa contra bandidinhos, choveu. Fui expulso sob chuva, eles eram ricos. Quando temeroso peguei na mão de uma namoradinha, chovia. Quando fui para a briga contra cinco, choveu. Quando nasceram filhas, saí lá fora e... chovia. Em todas. Quando sério peguei em arma de fogo, choveu. Quando precisei mirar nos bagos para pegar nos peitos do canalha, choveu de um modo ruim, com ventania. Quando fiz um golaço num jogo de futebol de salão, na saída... chovia. Quando cheguei no Rio de Janeiro, em São Paulo, Brasília, Buenos Aires, Belo Horizonte, Montevideo, Rio Branco, Belém, Chuí, em todo lugar, quando algo importante esperava, chovia.

Sempre assim, em todas as passagens marcantes da minha vida. Quando a mãe morreu no seu enterro chovia horrores, torrentes, meu chapéu parecia uma calha derramando água. Um dia recebi uns cacos, panelas, fotos e lembranças, uma cadeira, recordações de espólio. Desabou uma chuvarada na Cidade Baixa, que se confundia com as lágrimas. Amo chuva, um dia hei de compreendê-la, pois tem passagens que amei e não choveu. Bem... não lembro de nenhuma, mas acho que as tive, deve ter sido algum desengano. Agora se saio pela rua de madrugada, amargurado, uma nuvenzinha carregada chove em mim, para me acalmar, as pessoas se espantam, tudo seco aqui, só chove nele. E lá vamos juntos, a nuvem e eu.

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viernes, 4 de septiembre de 2020

VALÉRIO, CANTOR DE RUA, DE BAR, DE QUALQUER LUGAR

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Conheci o cantor e violonista VALÉRIO FUMAGALI, um boêmio que não bebia, cantor de rua e de qualquer lugar, num sábado na rua do Brique da Redenção, em Porto Alegre, Cantava La Barca sentado no chão da calçada, na base de quem quiser deixe uma moeda na latinha. Com uma menininha pela mão, acho que era a Natividad. Atravessei a rua e deixei uma cédula modesta, mas mais que moedinhas. Um grande artista, vozeirão, que o sistema esmagou nessa de quem indica ou sei lá. Na foto posterior está no meio da rua.

Depois alguém o levou ou foi por si e passamos noites entre amigos no bar O Porto no Beco do Oitavo. Artista e companheiro de incontáveis noites, com a sua simpatia conquistou a todos. Partiu em setembro de 2008. Saudades.
Eu estava viajando quando o querido Walter Schumacher registrou um fragmento em vídeo, o Valério cantando a solas, sem ensaio, sem acompanhamento, na mesa 1 dos amigos: "Noite cheia de estrelas" (Cândido das Neves, de 1931). O Maga portugalino de avental por ali, também vejo no vídeo o polaco Tigran Gdansk. 

https://youtu.be/CrZ2eBNXPkI


lunes, 31 de agosto de 2020

CONSOLO NA PRAIA

Vamos, não chores.
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.


O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis carro, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento…
Dorme, meu filho.

(Carlos Drummond de Andrade)

Há alguns anos alguém postou e guardei. Crédito da foto para João Machado, que ia passando e viu.




martes, 25 de agosto de 2020

ADIÓS, CAMERON DIAZ

 .Acordei muito feliz, pois nesta madrugada aproveitei uma discussãozinha boba - me veio de novo com cena de ciúmes - e me livrei da Michelle. Eu chamo de Michelle, mas o nome completo é Cameron Michelle Diaz. Ufa, eu não aguentava mais ouvir reclamações naquele seu tosco espanhol de San Diego.

Sentiu o drama no momento em que reclamei que ela se recusou a me emprestar mais cem mil dólares, e que com isso cansei, desisto. Bateu o desespero, ficou enlouquecida do outro lado da linha, então comecei a cantar para abafar os seus lamentos: "Puta que pariu, meu gato botou ovo, mas gato não põe ovo, puta que pariu de novo", e desliguei.
Peguei a oportunidade no ar, não perdi tempo, em seguida a bloqueei no Facebook e coloquei o seu telefone no rol dos que não aceito ligação. Ora vai se catar, vive beijando os outros numas comédias melosas e ainda vem reclamar. Ela que resseque esperando que eu ligue no seu aniversário no dia 30. será cinquentona. Vida que segue.


GATOLINO, O GATO VOADOR

GATOLINO, O GATO VOADOR: DEZ ANOS DE VIDA.

Hoje se completa uma década, desde que voltando da boemia achei o Gatolino na Cidade Baixa, nenezinho, sangrando e tremendo de frio de madrugada, inverno chuvoso. Botei-o no bolso do sobretudo e o levei pra casa. Alguém o tinha castrado e logo o abandonado para morrer de frio e fome. O "alguém" teria sido um veterinário nazista do Menino Deus, hoje quadro importante na Bozália, falta apenas um detalhe para confirmar.

Ele me chama de "meu paizinho extra-terrestre". Fosse humano, ou extra-terrestre como ele diz, o Gatolino agora teria 56 anos. É gato feito, filósofo e tal. Na foto ele me diz, em gatês, que quando eu encontrar o mengele faça com o bandido o mesmo que fez com ele. Não precisava pedir, o mengele que me aguarde.


Saúde, Gatolino querido! .

viernes, 7 de agosto de 2020

MORTE LENTA

 

MORTE LENTA

Ninguém morre de repente. / Quando dizem que Fulano / faleceu subitamente, / morreu estupidamente, / é engano, / é puro engano!

Pode ser que a ave ferida / ou a árvore abatida / ou a casa demolida / ou outras coisas assim / deixem de súbito a vida / (vida ou coisa parecida), / achando um súbito fim.

Mas quanto aos seres humanos, / nenhum morre de repente. / É um processo inteligente, / lentamente, lentamente, / Leva meses, leva anos.

Leva o tempo em que a viúva / faz a presença do ausente. / A saudade permanente / é um longo dia de chuva. / Lembramos diariamente / o bar que ele freqüentava / os cigarros que fumava, / as coisas que planejava. / Tudo aquilo que era dele / volta à baila noite e dia. / O mundo ficou sem ele / como uma casa vazia. / As canções que ele cantava! / As piadas que dizia!

Passam anos...Cinco...Sete... / Quem ainda se lembrava? / O bar que ele freqüentava / virou uma lanchonete.

As canções que ele cantava / são do tempo do Chalaça. / As piadas que contava / hoje não teriam graça. / O mundo se modifica. / Os cigarros que fumava / Nem a fábrica fabrica. / A viúva, conservada, / Está de novo casada, / E dizem que ficou rica.

Agora sim, falecido! / Agora sim, faleceu! / Anos após ter morrido, / Só – de todos esquecido – / Depois que tudo o esqueceu!

Ninguém morre de repente. / Quando dizem que Fulano / faleceu subitamente, / morreu estupidamente, / é engano, / é puro engano. / Gente morre lentamente, / lenta e dolorosamente, / dia a dia, ano após ano!

Giuseppe Artidoro Ghiaroni ((Paraíba do Sul, RJ, 22/2/1919 - Rio de Janeiro, 21/2/2008).

A imagem pode conter: 1 pessoa, óculos e close-up

lunes, 27 de julio de 2020

A VIDA NÃO É MOLE, MAS PODE SER CROCANTE

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Na situação em que ando, sem dinheiro para o gás, fazendo fogo no pátio com a lenha das paredes da casa, que arranquei na mão, agora estou comendo os chinelos das religiosas do Convento, assados de improviso. Pão Tufa, que aprendi por aí em dificuldades outras.
Li nos seus olhos temerosos aquele pensamentinho ruim: daqui a pouco o louco de fome comerá a nós.
Jamais. Se bem que bem fritas, aquelas que teimam com os mais velhos...



viernes, 10 de julio de 2020

ONDE TEM HOMEM NÃO MORRE HOMEM


(...)
Eu morava no nº 685 da Rua da Varginha, no Centro de Porto Alegre. Há tempos já não morava na rua nem de favor em cabaré. Depois de pular por pensões, repúblicas e JK's comprei um fiador e aluguei um de quarto e sala, cozinha, banheiro, e tanque na diminuta sacada dos fundos. Tinha me casado com uma moça muito prendada, e tinha emprego, agora ganhando três salários mínimos, que de tão mínimos o aluguel me levava a metade. O horror havia passado em parte. Mês de julho, um inverno desgraçado. A gente, no novo apartamento, tinha uma linda filha ainda nenê, fogão a gás, alguns móveis, cama de casal, o berço cheio de paninhos quentes, uns brinquedos e quatro cobertores adultos, um nem tanto, burrinho que um dia me salvou. Por medo da rua de onde vinha tinha um 38 em cima do guarda-roupa. Duas da madrugada, uns 3 graus a temperatura. Algo não me deixava dormir. Levantei-me, me vesti, peguei o 38 lá em cima e quando puxei um dos cobertores a moça acordou. 'Onde tu vai a esta hora?". "Vou ali e já volto." Ela ficou nervosa. Repeti: vou ali e já volto, durma. Hoje sei que devo ter falado com os olhos magoados, pois ela se encolheu. Saí. Na esquina dobrei à esquerda e subi a Travessa do Poço com o cobertor dobrado na mão. Lá em cima, embaixo do viaduto, não tinha mais onde a gente se meter, os buracos eram todos lojinhas alugadas, eu sabia que sem ter para onde correr a turma morava na calçada. Temia que um velho esfarrapado que me aqueceu na calçada anos antes, um encostado no outro, em andrajos se agarrando de frio, ainda estivesse lá.
(...)


(Fragmento de "Os Perturbados de Porto Alegre". Na imagem a antiga Travessa do Poço, foto de Leandro Selister, disponível na rede mundial.)

viernes, 17 de abril de 2020

O TESTAMENTO

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Por hábito escrevo durante os afazeres domésticos. Escrevo na cuca, né. As tarefas como varrer e passar um pano na casa, cozinhar, lavar roupa no tanque, etc., faço no piloto automático, sem nenhuma concentração, de tantos anos que fui escravo consentido de mulheres não preciso pensar, apenas vou tocando, quando vejo está tudo limpinho no lugar certo. Hoje não sei o que me deu, talvez por pressionado pela situação lá fora e pelos dementes que nos governam: ali pelas quatro da madrugada, em meio à lavança de panelas sem querer comecei a “redigir” o meu Testamento. Depois de muitas palavras carinhosas e algumas repreensões indiretas a cada uma das descendentes, dei-me conta de que não tenho o que deixar, nenhum bem com valor de mercado, aí botei que fiz o melhor que pude, dei-lhes ensinamentos e boa escola, acrescentei alguns conselhos, controlando o tom para não fazê-las chorar no dia da leitura. Parei a lavação, quem estava chorando era eu. Lavei o rosto na torneira e acendi um cigarro, elas não estavam presentes para fazer cara feia pelo cigarro. Decidi que as testemunhas diante do tabelião seriam o Bruno e a Jezebel, tudo perfeito. Foi então que um mau pensamento me assaltou: será que existe herança negativa, os descendentes herdando as dívidas? Aqueles canalhas vivem mudando as leis para enriquecer ainda mais os banqueiros, vai que... Era só o que me faltava, se houver vou matar os credores antes de partir para outra. Suspendi os trabalhos e fui remexer no Código Civil, chamado de Novo embora seja de 2002, o meu é um grosso volume, comentado, de duas mil quatrocentas e tantas páginas. Remexi em tudo e não achei o livro, deixei para amanhã – que já é hoje, alguém deve ter pego. Voltei para terminar o serviço, a cozinha ainda era um campo de guerra. Com a cabeça quente dessa história de herança negativa esqueci uma das regras básicas de convivência, logo eu que morei em mil lugares: não se lava nem seca certas coisas de madrugada, muito menos meio levantado do chão, com cinco duplas de uísque na cabeça. Com os pratos correu tudo bem. Depois lavei e sequei direitinho muitos pirex, jarras e potes de vidro, empilhei de baixo para cima do maior para o menor, abracei tudo, uma pilha que vinha da cintura até o nariz, e estava levando para o móvel na sala ao lado onde são guardados, quando sem querer encostei no braço o cigarro que tinha pendurado na boca, queimou; instintivamente afastei rapidamente o braço e lá se foi tudo. A barulheira de vidros se espatifando deve ter sido ouvida em Marte. Logo vieram as vaias do prédio, acordei todo mundo. Alguns gritaram “corno”, “fiadaputa”, “viado”. Pensei em revidar mandando-os à puta que os pariu, talvez dar um tiro num, mas não, fiquei frio, devem andar nervosos também. Amanhã varro os cacos, pelo estouro deve ter caco até no banheiro. Hoje em dia é assim: não restam cacos de vidro grandes, e sim milhões de grãos, maldita tecnologia, e isso que discutem se vidro é líquido ou sólido, pisem numa bolinha daquelas pra ver. Servi mais uma dupla de uísque e fui para a sala grande. Botei um disco, sentei no sofá, cruzei as pernas e fiquei ouvindo o Johnny Alf, pensando que dia destes o inesperado haveria de me fazer uma surpresa. Foi quando tocou a campainha, olhei pelo buraquinho e vi a mulher do nono andar com uma garrafa de champanhe na mão.
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miércoles, 15 de abril de 2020

UM POR TODAS E TODAS POR UM

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Por esa puta costumbre

de andar haciéndome el vivo,
el que se las sabe todas
y todas las ha vivido.
El que tuvo mil amores
llorando sobre su almohada.
¡Por esa puta costumbre
al final no tengo nada!

(Cacho Castaña)

Querida (...)

Esta carta vai em particular para ti, é idêntica a outras 35 enviadas para damas livres e desimpedidas, escolhidas a dedo. Uma delas é médica de probleminhas femininos, outra é farmacêutica, sabe de poções e unguentos, outra expert na dança do ventre, uma jovem atriz pornô, uma estudiosa de sexo tântrico, ... (Kama Sutra é ultrapassado), todas tem uma especialidade, em comum um fogaréu no corpo. Se tudo correr bem em breve se conhecerão e reconhecerão umas nas outras, belas que amam a vida. Ao ponto: não bastasse o que estamos vendo, as notícias são alarmantes. Agora timidamente anunciam que ficaremos em isolamento pelo menos até 2022, porém tenho fontes fidedignas que dizem que será rigoroso até 2050, tanto que os europeus estão fugindo do Brasil, seus governos sabem coisas que não sabemos. Meu bondoso coração não suporta a ideia de sabê-la desacompanhada, mofando triste, sensível poeta socada num frio apartamento, uma mulher assim caliente enlouquecendo de solidão, ah, não. Aqui tem espaço para no mínimo 40 mulheres, com folga, e só estamos eu, 4 ex-freiras estrangeiras e a Jacqueline Traveca, todas almas de luz, cabeças abertas, entendidas em linguística, teatro, dança e muitas outras artes. Mude-se para cá enquanto é tempo, estou convidando. Logo estaremos todos sós, a nação temerosa sem confiança para aproximação física, uma vida sem sentido, o medo aterrorizando as ruas, os loucos e os aproveitadores à solta, nesses momentos os humanos mostram a sua pior face, se transformam em zumbis, mortos-vivos como o Demente que logo será sacrificado.

Nas áreas comuns confraternizaremos, se bem que nada impedirá que nos visitemos nos quartos ou façamos teatro libidinoso, lascivo, no salão principal, vez que outra até ascético, para alimentar o espírito. Tem sauna e academia com equipamentos para exercícios. Onde come um...; onde comem duas, comem quatro, oito, dezesseis... ã... é geral mas agora me refiro à economia interna. Temos um bom estoque, mas enquanto houver produtos faremos compras por telefone e pela internet. Se não sabe cozinhar não tem problema, eu ensino, ensinaremos coisas uns aos outros. Plantaremos legumes e verduras no terraço. Na adega já tem estoque para até 2060. O Casarão é inexpugnável, portas de aço, mas juntos decidiremos o futuro, caso surjam desejos de mudança. Ficaremos naquela de segue o baile, quem está fora não entra e quem está dentro não sai; se sair não volta. 

Venha, amada, traga uma muda de sua flor predileta, algumas roupinhas, objetos pessoais, livros e discos de estimação, gato e cachorro se tiver, atestado médico, todo o dinheiro (se não tiver dinheiro, azar, vem com o corpo) e nada mais. Em anexo vai o Regulamento do Casarão, suscetível de ajustes. Beijos.

Luciano Peregrino, mágico
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domingo, 5 de abril de 2020

FUGINDO DO COVIL-69 NA MÁQUINA DO TEMPO

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Bar fechado. O Terguino se mandou pro mato em férias sem data para voltar, mas a gente sabe que foi para escapar do bicho que chamamos de Covil-69, que era o nome de um apartamento em que morei com quatro alegres mulheres. Baseado nisso é que a turma resolveu convencer o Portuga de que cinco é bom, não dá problemas com as autoridades sanitárias, imploramos que abrisse o botequim. O Portuga andava aborrecido por ficar trancado em casa e encarou o batente. Mas com o bar de porta e janela fechadas, para todos os efeitos não tem ninguém lá dentro, é residência particular, e não deixa entrar mais de cinco. Então por sorteio formamos quatro grupos de cinco boêmios e boêmias. A gente se reveza: num dia vai o grupo 1, no outro o grupo 2 e assim por diante até o grupo 4, somos em 20. Depois mudamos a composição dos grupos, para ninguém se perder de vista por muito tempo. O Portuga lá atrás do balcão, ouvindo os papos e dando opinião. Serve as mesas quando a gente pede algo e volta pra lá.
Chega a ser engraçado: um sentado em cada mesa, estas dispostas a três metros umas das outras, de um modo mais ou menos circular, uma das mesas no meio, esta com a cadeira de rodinhas. Obviamente que quando está presente quem ocupa a do meio é o Rei da Cidade Baixa, Bruno Contralouco. E ficamos lá, bebericando e jogando conversa fora.
Na sinuca lá nos fundos tem três mesas oficiais. Afastamos duas para um canto e ficamos com todo o salão para a mesa que julgamos melhor, com espaço para a gente se movimentar sem passar uns pelos outros a menos de dois metros. Temos regras: se alguém espirrar, tossir seco ou molhado, tá fora, pode ir embora e não volte mais. O Bruno vive se queixando de febre ao chegar, mas rindo. Um vai vai dar a tacada e os outros ficam cada um no seu canto, bebericando enquanto espera a sua vez.
Somos todos apegados, mas parece que em tempos ruins a gente se aproxima mais, sai cada papo... Outro dia, entre um trago e outro lá nas mesas da frente, falou-se de humanismo e de nazismo. Eu, num atraso daqueles, pensava em mulher.
- Se eu tivesse uma máquina do tempo, entraria nela e iria para Brasília, em 1º de janeiro de 2003, dar uns conselhos pro Lula, começaria dizendo pra ele liquidar com a Vênus Platinada, que a cobra iria picá-lo um dia, ela já tinha feito isso com Getúlio, com Jango e com ele próprio. - Disse o decano Aristarco.
- Se eu tivesse uma máquina do tempo mandaria o Bozo para Berlim em abril de 1945. - Respondeu Bruno.
- Em 1946 eu o mandaria para Nuremberg para ser julgado. – Disse Luciano, que estava de pouca conversa.
- Se eu tivesse uma máquina do tempo em 1964 iria para Paris, conhecer o Alain Delon, quem sabe ter um caso. – Disse Jussara.
Aí tomei conta do campinho: - Eu iria para a Alexandria, em 30 a.C., no início de agosto, direto para os aposentos da Cleópatra, já chegaria esmagando a cabeça de uma naja chamada Globo, aquela tinha um veneno mortal, depois me empernaria com a rainha, logo mataria todos os romanos e viraria faraó.
A turma ria muito da ideia de cada um. A conversa tomou outro rumo, mas fiquei matutando sobre as mulheres da História. Meu Deus, a máquina iria rodar mundo, eu salvando as damas só para depois vê-las peladas. Em 48 d.C. comigo por perto ninguém tocaria num fio de cabelo da Messalina. Em 1793 eu os faria engolir a guilhotina e fugiria com a Maria Antonieta. Tantas... De repente voltaria a 45 d.C para levar um lero com a Salomé... pensando bem, melhor não. Não apenas para admirar a nudez das mulheres, antes de tudo por um abraço e um beijo de amor. Absorto custei a perceber que me chamavam lá para a sinuca, ia sair uma matadinha a dez pilas. Puf, meus sonhos de amor viraram fumaça.
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