viernes, 30 de mayo de 2014

Papos de botequeiros sem ter mais o que fazer

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- Estou pensando em me matar. Preciso levar um lero urgente com o tal de Deus, disse Clóvis Baixo.

Para um início de noite de sexta-feira, a turma aperitivando em mesas espalhadas abaixo da marquise defronte ao bar, o assunto foi recebido com risinhos. Wilson Schu, que separava as carnes na mesinha do assador, disse com ar divertido:

- Mas o que é tão importante que não pode esperar mais uns trinta anos, Baixo?

- Seguinte: eu jogo na Loto desde o século passado, talvez desde que o governo inventou essa porra. E nunca nada. Nunca! Certa vez consegui fazer um terninho, deu 27 pilas, mas isso porque comprei o cartão pronto de um cego. Os meus números, nada, nunquinhas. Ora, que a divindade me perdoe, tenha a santa paciência, assim não dá, cansa.

- Ganha quem aposta altas somas de dinheiro, Baixo, grande número de cartões, é matemática, lembra de Análise Combinatória? As probabilidades, malandro, isso de sorte é para iludir os otários como nós. Vez que outra, de dez em dez anos, surge uma cozinheira baiana que pegou sozinha, e isso só serve para incentivar os miseráveis a seguir entregando os trocos para os milionários -, disse Carlinhos Adeva, que além de advogado é um grande calculista. - Como sabem, Direito e Matemática são ciências irmãs, disso eu entendo, eles cravam no rabo do povo usando as duas.

- Se eu pego um cara desses... -, disse o Contralouco.

- Desses quem? - perguntou Ain Cruz Alta.

- Do governo, ora - respondeu o Contra. - Por tabela os milionários, quem vocês pensam que colocam os viados dos governantes lá? O povo? Não me façam rir.

- Vai ter que pegar muita gente... - disse Silvana Maresia.

- Que eu saiba Matemática é irmã da Filosofia, disse o filósofo Aristarco de Serraria.

- Irmã de todo mundo, pronto - falou Carlinhos.

Clóvis Baixo seca a sua caipirinha de vodka, pede outra, e prossegue:

- Vocês sabem que sou crente, nestas alturas acho que fui, eu cria, ou eu cri. Mas estou achando que o senhor Deus fez o mundo - não me perguntem como - e se atirou nas cordas.

- Papo bem cri-cri, disse Ain.

- Quando falar com Ele, não esqueça de perguntar sobre a matança pelo mundo - disse Zilá.

- E onde está o Amarildo - arrematou Cícero do Pinho.

- Nada de cri, assim que é bom, de repente tu cai no inferno, meu chapa, me disseram que lá é muito melhor, tem festa, trago, e cada diabona, tudo pelada... aquelas sim, ajoelham e já vão rezando, eu quando for para o beleléu já vou chegar avisando ao Capeta: cai fora, meu, fique lá no teu canto com as diabas velhas, as menores de 50 agora vão mudar de dono. Vou tomar o lugar daquele guampudo... já no céu as anjas não são de nada, tudo frígida, cheias de nove horas, rezinhas pelos cantos, vai por mim - disse o Contralouco.

Até as mulheres não contêm o riso.

O velho Walter Schiru, que hoje deu o ar da graça, entorna sua dyabla verde e toma a palavra:

- Deus gosta mesmo é dos políticos, lembram, né?, aquele deputado que acertou duzentas e tantas vezes na loteria. É isso aí: antes a gente tem que roubar do orçamento nacional, depois esquenta o capim jogando na loteria, simples assim. Muito tempo atrás também teve um prefeito de Santos que era abençoado.

- Esquenta o capim? – perguntou Cícero do Pinho, ainda novinho nessas gírias.

- Lava a grana, meu, as verdes - explicou Jucão da Maresia.

- Tá, mas diz aí, Baixo, para quando programaste o suicídio? - diz Jussara do Moscão, provocativa.

- Bem, não é pra já, antes tenho que terminar uns servicinhos. Só aqui no bairro tem umas cinquenta tiangas que não, bem, ainda não namorei. Imaginem na cidade inteira. E preciso repetir a dose com as que já frequentei, o negócio começa a ficar bom a partir da segunda vez.

- Mas não vai pegar os milionários e os caras do governo? - espantou-se o Contralouco.

- São muitos, não daria tempo, prefiro um papo com o cara que fez esses bichos, responde o Clóvis.

- Bem, pelo que entendi Deus não tem o que fazer, pode esperar pra te levar pro andar de baixo, disse Tigran Gdanski.

- Se eu pego um cara desses, disse o Contralouco.

- Quem, Contra, Deus? - ataca novamente a profa Ain.

- Deus não, Deus me livre, mas os seus serafins, querubins, enfim, os aspones, essa catrefa que só coça o saco.

O botequim desaba em gargalhadas. Wilson Schu se encaminha ao tonel no meio da rua, vai deitar os espetos. Cícero do Pinho tira o violão da capa, Chupim da Tristeza também desencapa o seu pandeiro, o cavaquinho ainda não chegou.


Na curva da esquina do Beco da Fonte apontam Luciano Peregrino e Lorildo de Guajuviras. No outro lado surgem a doutora Jezebel do Cpers e Nicolau Gaiola, o teatrólogo insone. A noite promete.
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jueves, 29 de mayo de 2014

O Clubeco da Venâncio

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(Por favor, senhor dono, sei que todos morrem de medo do senhor e da PM, eu também, mas não mande me matar, pois fiz um contrato em Jacarepaguá, e estou ficando com raiva, um pecado)

Depois que a Rua Voluntários da Pátria - já sabemos que de voluntários não tinha nada, vai pelear na guerra ou morre, escravo, negro safado - e seus prostíbulos caíram em desuso, surgiu em Porto Alegre o Clubeco, não o antigo lá da esquina com a Getúlio Vargas, de onde foi expulso pelos moradores. Um pior. Mesmo dono, mesmos canalhas.

Com aparência de bar, ou dancing, vá saber, só entrei uma vez para tirar uma amiga que telefonou desesperada, tinha bebido demais e estava sendo fodida à força no banheiro. Cheguei tarde, e ainda tive que me incomodar com os armários da portaria. Odeio bar ou puteiro que tem armários na frente, gente de bem não entra. De outra vez, no Rio de Janeiro, matei os gorilas, um por um, ao cabo de um ano. Eram 12, no embalo levei mais 18. Deram-se mal porque mexeram com minha namorada baiana da Rua Tonelero, que foi acompanhar umas visitas.

Aquilo me tirou do sério. Seu nome era Rosália. nascida em Salvador. 26 anos. Ao final das suas cartas de amor enviadas a Porto Alegre, assinava com um desenho de uma rosa, emendando grudado "lia". 

Quando tentei argumentar com os armários, gorilas, meganhas, os chamo de muitas maneiras para definir gentalha tão violenta quanto os que os contratam, eu indo para cima, iria bater nos três sozinho, um outro deles, vindo de não sei onde, sacou uma arma e me atirou. Eu tinha saído de casa desarmado, nem sonhava com briga. Calibre grosso, um trovão e ela caiu de costas em mim, mole, olhar se desviando, ali vi que morrer parece prazer pelo olhar, mas sei que não é. Pegou-a em cheio no peito, ela que correu com as mãos para o ar vindo para o meu lado, gritando não, não... Ela tinha visto o movimento enquanto os outros vagabundos sujos me entretinham roncando grosso.

Esse matei por último, um tiro no ânus. Dizimei a todos os seus amigos depois, gente boa não era, conferi. Uns 30. Errei, acabei queimando meros conhecidos, eu estava nervoso apesar da aparência fria. Não errei não, não fizeram comigo mas fizeram com outros, as fichas de policiais deles, de abusos cometidos, impunes, iam daqui até a esquina.


É um puteiro da Avenida Venâncio Ayres, Cidade Baixa, Porto Alegre, onde a solidão fez casa, desgraça sem cama de aluguel que se saiba, que fica de alaúza até às cinco da madrugada, todos os dias, com berros e músicas de mau gosto, sons de garrafadas e palavrões nas brigas na saída. Famílias nos prédios ouvindo caladas tudo isso, tapando os ouvidos das criancinhas. É foda. A turma vai pra isso, pegar alguma bruxa ou bruxo da noite, melhor nem saber de onde vem, uma marginália dos infernos, uma foda, uma aids, uma enrabada. Bom isso.

Ao final da orgia, o dono do cabaré vai embora levando o dinheiro, escoltado por carro da Polícia Militar.

Moram longe, esses caras desse puteiro, a casa fica a cinco quadras de mim, felizmente para o dono da nojeira. O que não está certo é os outros bares serem forçados a fechar às dez ou meia-noite, só porque não pagam propina para a Prefeitura e para maus PMs.

A avenida inteira nem container de lixo tem: tudo para o cabaré.

A moçada da Venâncio está se organizando, viu, senhor Prefeito? Não sabia, mesmo sendo algo estampado aos berros? Acredito, se o senhor for mesmo um completo idiota, no que não creio.

Quando vou à mercearia lá longe, e preciso passar em frente, vejo os negão e brancão de preto, gordos, altos, ameaçadores, à porta do puteiro, então troco de calçada e vou pelo outro lado, olhando para o chão. Hoje não, estou desarmado. Tenho minhas razões.


Vai acontecer quando eu quiser.

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miércoles, 28 de mayo de 2014

Ecos da segunda-feira

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Na segunda-feira que passou, dia 26 de maio, como em todas as segundas-feiras, era o dia de “O Boteco Pensa”, no Botequim do Terguino, sessão cultural que vai para o terceiro ano consecutivo. A programação é variável: palestras, música, prosa, poesia, etc., programa que não excede a trinta minutos de apresentação. Às sete da noite já tem gente saindo pelo ladrão, tal o sucesso da iniciativa, para a apresentação das dez, todos querem garantir lugar, embora na hora do show acabem se levantando, se não o palco improvisado fica encoberto pela gentarada em pé.

A noite já começou animada, pois correu a notícia de que à noitinha, pelas seis da tarde, após dez chopes no Chalé da Praça XV, o Sr. Bruno Contralouco entrou num templo caça-níquel e arranjou confusão com os gorilas de preto, pois a cada vez que o pastorgato gritava Desaloja ou Aleluia, o referido cidadão respondia Saravá a plenos pulmões. Onde já se viu isso, atrapalhar a empresa do honesto e amado Edir.

- Me pularam uns vinte, mas na carinha que a mamãe beijou os putos não bateram, eu que arrebentei com a cara deles, ora, que fim levou a liberdade de expressão? – disse o Contralouco ao chegar muito irritado e com o paletó em tiras.

Essa não foi a principal diabrura cometida pelo ilustre camarada, porém a outra não convém espalhar.

Depois homenagearam o boêmio Luciano Peregrino, ausente, com muitos brindes. Logo vieram discursos exaltando vida e obra do grande companheiro, proferidos por Carlinhos Adeva, diretor jurídico do Partido dos Boêmios, e pelo João da Noite, presidente do PB e candidato a prefeito nas próximas eleições (toda a Cidade Baixa entende que a eleição está no papo, não vai dar nem graça, a criançada da zona já nem o chama de seu Noite, e sim de prefeito, e quando João passa na rua em direção ao boteco as famílias saem à janela aplaudindo), por ontem à tarde Luciano ter chegado à tricentésima mulher de político, honra que coube a uma paulista muito gostosa, de um partidário da Opus Dei e, por via de consequência, da TFP. Isso quem diz é o sábio Aristarco de Serraria, a magnífica inteligência que move o Partido dos Boêmios, nós aqui não entendemos dessas nomenclaturas.

Por telefone Luciano tomou conhecimento da homenagem e compareceu ao botequim a tempo de ouvir o discurso do João e brindar algumas vezes, algumas dezenas, pretendia tomar uma taça por mulher, porém refletiu e achou melhor ir de dez em dez. Oferecida por João, pegou a palavra e agradeceu, com sua grandeza de alma humildemente se desfez de eventuais méritos, creditando-os aos esposos:

- Sei que é meio pouco, sabem como é, se tivesse mais tempo teria passado o instrumento num número bem maior de senhoras. Não conseguiria sequer essas trezentinhas sem a ajuda dos esposos, a quem agradeço de coração, visto que dos sete pecados capitais, Gula, Avareza, Soberba, Luxúria, Preguiça, Ira e Inveja, a maioria dos políticos tem uns probleminhas com o quarto, ahn, o quarto pecado, que se reflete no quarto de dormir, bem entendido, sobrecarregando os demais, via-de-regra a Gula pelo sangue dos desvalidos, esta Gula que é irmã gêmea da Avareza e prima da Soberba, esta última que o Contralouco jura que matará sempre que a encontrar pela frente, e aqui peço calma ao companheiro, para não trazermos ao bar a Ira.

Aplausos e vivas. O Luciano merece.

Pelas nove o presidente João da Noite trocou mensagens eletrônicas com um velho amigo, o Papa Francisco, chamando-o ora de Jorjão, ora de Chiquinho e sendo tratado por querido Juanito de la Noche, esse Papa é mesmo sensacional. Chupim da Tristeza foi a primeiro a exclamar: “Diz aí pro véio que tou mandando um abração”, e assim foi com todos, as gurias metiam perguntas indiscretas, que aqui declinamos, porém afirmamos que o Jorjão saiu-se muito bem nas respostas. O Contralouco mandou dizer que é uruguaio e torcedor do Defensor desde pequenininho, isto porque o San Lorenzo, time do Vossa Santidade, caiu fora da Libertadores. O Papa riu da flauta e mandou um quebra-costelas ao Contra, dizendo que andou tomando conhecimento das suas estrepolias, disse bem que faz, meu fio querido, e encerrou convidando a todos para aparecerem no Vaticano para tomar uns mates, mates até às seis da tarde, depois tem a adega atopetada de vinhos de Mendoza. 

O Papa Jorjão, ou Chiquinho, aproveitou para parabenizar efusivamente Luciano Peregrino pela marca atingida, abençoou-o, político tem mais que sifu, e acrescentou que obra grandiosa é coisa de pessoas iluminadas, pois João antes não tinha se aguentado, o boca grande, e contou o grande feito, dizendo das cariocas, pernambucanas, catarinenses, aquela parente do Ribamar, a loura gostosa vice do peemedebê, a petista maluca, as crentes, mulheres do país inteiro, o Papa se finava de rir com os detalhes picantes. Despediu-se, o ilustre homem, recomendando ao pessoal que não abusasse do álcool e não ficasse até muito tarde, pelo que todos entenderam que poderiam ficar bebendo até às três da manhã. 

Pela madrugada, muito depois, quase no fim da festa dedicaram ao Papito aquele samba-canção do Lupicínio que ele pediu, Venganza, pelo qual é fissurado, e Jucão da Maresia cantou, por vezes imitando o Papa na cantoria, quando em Buenos Aires, depois de uns vinhos, cantava assim na sede canônica:

- Mientras yo tenga voz en el pecho no quiero más nada, que clamar a los santos venganza, oh, venganza, clamar...


Na sessão cultural coube ao teatrólogo Nicolau Gaiola e artistas do grupo “Os Perturbados do Beco do Oitavo” apresentarem o segundo ato da peça “Sarney Nu”, inédita, em parcial pré-estréia só para a crítica especializada – os boêmios – escrita a duas mãos, uma de cada um, do Nicolau e deste que vos fala, da qual oportunamente traremos maiores detalhes, mas quem viu diz que é uma festa. 

No papel do Sarney estava o Mirinho, apelido Cu-de-Arrasto, um ator espetacular devidamente caracterizado: baixinho, bigodinho, pince-nez, notas e mais notas de dinheiro saindo da fatiota modelo ano 1.890, todo afetado. Lá pelas tantas surge um enorme negão representando um diabo drag queen com um descomunal membro vermelhão de borracha, as coisas não iam bem para o lado do baixinho. Nicolau disse que está negociando com o Teatro Rival, no Rio, e com o Renaissance de Sampa, posto que as casas locais alegaram estar com o calendário preenchido até 2.040, salvo o Teatro São Pedro, que teria dito que se recusava a passar sem-vergonhices em seu palco, é sempre assim, santo de casa não faz milagre.

Não precisamos dizer quem colocou o belo apelido no Mirinho, não é? Exatamente, o cidadão que logo abaixo voltará à cena. O ápodo veio sob o argumento de que o Miro, atravessando a rua, ao subir na calçada de tão baixinho esfregava a bunda no meio-fio. Cosa de loco.

Bem, acho que dá para contar. A outra diabrura do Bruno não é tão grande para que a escondamos: foi o azarão que deram dois caras de preto, daqueles, que inadvertidamente lá pela meia-noite passaram em frente ao bar. O Contra viu os elementos do outro lado da rua e voou lá de dentro. 

Foi um pandemônio, acordou a Cidade Baixa, o Bloco do Sono, como é chamada a turma dos caras que tem que pegar no batente cedinho no outro dia, saiu à rua, Luizinho da Polaca à frente - da Polaca, sua mãe, para diferenciar do Luizinho Sabão - mas os malandros examinaram a situação e voltaram para a cama ao perceberem que o amigo não precisava de ajuda. Alguns ficaram até o final do show, imperdível, incentivando o Contralouco com gritos de Bravo. Depois de direitas, esquerdas, ganchos, voadoras, os bandidos se quedaram inertes, fluidos vermelhos vazando de seus corpos. 

Uma beleza, segundo nos disse o próprio Terguino Ferro, dono do botequim, o Contra é foda: os dois armários de oito portas, cento e vinte quilos cada um, surrados por um homem só, de setenta e nove quilos segundo a pesagem da semana anterior. Após espancar os pervertidos, o desvairado correu para dentro, entrou na cozinha e pediu a faca de carne do Portuga, pretendia tirar-lhes o escalpo para ficar de lembrança, pendurados na parede do bar, aí entrou a turma do deixa-disso, deu um trabalhão mas foi contido por uns dez companheiros até que se acalmasse. O João ligou para o boêmio Tenente, que estava de serviço, e a polícia militar veio e levou os de preto para a cadeia, acusados de passar na frente do boteco errado, insultar a pessoa errada, ou outra coisa.

Para segunda-feira que vem está programada uma palestra do grande filósofo e pensador Adolfo Dias Savchenko, dividindo o palco com Aristarco de Serraria, que fará as vezes de provocador. Os cartazes anunciam como título "A Torpeza", acreditamos que os políticos terão papel central em sua fala. O boêmio Adolfo que mudou-se para Córdoba, na Argentina, mas que virá para dividir sua sensibilidade e seus conhecimentos.

Até lá.
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Conseguimos chegar

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Um sentimento me diz que ali adiante há clareiras, o escuro está aqui, procuramos luz, precisamos de luz. Chega, vamos lá, eu na frente, andamos dias e noites, anos, e surgiu uma clareirinha. Parei, a tribo inteira logo atrás, estes galhos não são seguros. Um lugar assustador, o cheiro denunciou. Aspirei o ar, func, func, senti os carnívoros grandes rondando escondidos. Fiz um sinal e retornamos em silêncio, vamos pelo outro lado. Sei que acharemos uma clareira maior.

Seguimos pelo escuro. O tempo passou célere, muito tempo, éramos outros, mas depois o esforço começou a dar resultado. A primeira clareira que encontramos foi pequena, ínfima, não dava um metro quadrado, olhamos para cima, vimos ralos raios de sol entrando fininhos pelas copas das árvores na imensidão depois das nuvens, os fios de ouro não chegavam ao chão, porém a esperança se fortificou, os parcos rainhos de sol avistados no alto nos incentivaram a seguir pelas árvores antigas de caules grossos e de brutos espinhos. A gente subia apenas até trezentos metros, mas elas continuavam, iam até Deus.

Descansamos um pouco, estávamos em transição, a mata gigantesca piorava, decidi que era melhor irmos caminhando, pelo chão os perigos eram grandes mas escaparíamos das aves. Caminhar era dolorido, de toda maneira doía tudo, se andando em pé ou de quatro, fomos revezando o modo, de quatro ou de pé quando conviesse, e seguimos, fomos abrindo picada à facão pelo chão, em certo instante desacostumamos das árvores, vieram as cobras mil quilômetros em frente, saltei quando uma se desatou da árvore e voou para enrolar, apertar e engolir o companheiro Jhesu, saltei e o meu facão de pedra cortou a tarde, e tornou a cortar, era imensa, chega de frutas amargas, à noite comemos cobra assada em fogo de choque de pedras.

Dobramo-nos nas caudas e dormimos num buraco que achei no meio e atrás de uma cachoeira, ouvindo os rugidos famintos dos animais da noite. No outro dia retomamos a viagem, éramos mais uma vez outros, eu de novo na frente, passamos por um pântano interminável, feio, fomos atacados e matamos jacarés em defesa das nossas vidas, não dava para desviar, eles vinham em cima de supetão, traiçoeiros, saíam da água aos arrancos. Ao sairmos do atoleiro uma ave bicuda apareceu repentinamente, com seus olhos horríveis, vinda de uma daquelas árvores diferentes, já menores que as antigas porém ainda imensas, a ave de asas gigantescas nos roubou uma criança, as garras desceram sem dó nem perdão, pegou-a de um modo que esguichou sangue do corpinho esmagado, e subiu célere, pasmos a assistimos engolindo a menina lá no alto ao pousar. Subi na árvore enlouquecido de ódio, mas eu já não era o mesmo, apesar dos cinco membros de apoio. 


Descansamos de novo. À noite nos contentamos em comer carne de jacaré, em silêncio. Fazer fogo ficou fácil, quando o céu não derramava. Um dia comeremos ave bicuda.

Reiniciamos a caminhada. O tempo passou e não nos apercebemos, habituados a andar em frente sem saber para onde. Novamente éramos outros. Passamos em outra mata fechada, árvores sem espinhos, de folhas verdes lindas, não nos desviamos da natureza, de passagem a acariciamos, surgiram flores, poucas ainda, uma amarela aqui, uma branca lá, aquela vermelha desabrochando, viram? Conseguimos!

E aí não paramos mais, não sentimos cansaço, e um belo dia, muitos anos depois... que maravilhoso amanhecer, saímos de uns folhões de floresta rasa, onde vimos e nos alimentamos de animais menores, fáceis de capturar, e surgiu enfim a clareira imensa, iluminada de sol por inteiro, exultei, cego de felicidade: saímos finalmente da caverna. Risos, desnudou-se o campo aberto até onde as vistas enxergavam, a mata em torno maravilhosa, frutífera, muito adiante pessoas num povoadinho transitando em mercados de frutas e legumes, aparentemente sem reis, sem bandidos, sem analfabetos escravos de bandidos, vimos bares, lares, alegria.

Eles usavam roupas de couro. A gente  nu.

Estamos em casa, a casa que ansiosamente procurávamos, empolgados nos abraçamos e caminhamos eretos em sua direção, primeiro devagar, logo aumentando o passo, ao fim em desabalada carreira. A tribo inteira com lágrimas nos olhos, mas eu no fundo intranquilo, bobo perdedor sempre fazendo a frente nas ruins, sentia que tinha perdido algo. Parei de chofre. Pararam todos atrás.

Demorei pensando, não entendia, e os meus foram se mexendo, passando devagar por mim, logo estavam novamente aos pulos em direção ao futuro, eu preso à terra pela incompreensível enchente de pensamentos que me pregou. Fiquei lá, no meio do campo, cabeça zunindo, doendo. Toquei meu peito, minhas pernas, meu rosto, tudo no lugar, aí tentei balançar o rabo e não o senti, meu íntimo congelou: eu já não o tinha.


Caí de joelhos, arreganhei minha boca de macaco cheia de dentes, transido de dor, e urrei feio, um terrível lamento para toda a natureza ouvir. Não sabia que tinha chegado ao céu, mas sentia que tinha, enfim, chegado ao inferno.
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lunes, 26 de mayo de 2014

Morrendo em São Paulo (1/4)

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Meu nome é Francisco del Rio Silveira, não esqueça isso, menino, nasci em Iraí e de lá saí com nove anos de idade, já sabendo atravessar o rio Uruguay nadando de costas, e vi, vivi, ninguém me disse, não esqueça... 

Desmaiei ou deu um branco. Passou a letargia.

Agora estou numa chácara nas cercanias de Montevideo, e os espero, a eles, que estão me caçando, podem surgir a qualquer momento. Olho em torno e peço ao moço que me ajude a chegar no mato, não convém ficar na casa, ele me ajuda e vamos. No mato fico, tenho somente dois tiros na Magnum, estou morto se eles chegarem. Fique aqui também, muchacho, não volte lá de jeito nenhum, como é o teu nome? 

Pablo -, responde timidamente.

Certo, Pablo, tu é um anjinho, um santo. Vamos ficar quietos aqui, não se levante.


Confio que os meus cheguem antes. O ferimento não é tão grave assim, fiz torniquete com o cinto do grandalhão que ficou sem nuca na vicinal, acertei-o na boca de baixo para cima, seus miolos foram parar em Punta Del Este, onde pretendo pegar um dos reis cearenses. Vai ver Seven-Eleven. Para me matarem terá de ser em São Paulo. Eu quero voltar a São Paulo, murmuro nervoso. O rapazola uruguaio que me achou no meio da estrada, e conseguiu um telefone, diz: "San Pablo?", aceno com a cabeça dizendo que sim mas agora não, agora fico aqui. Ele queria buscar socorro, não mesmo. Um bom guri, hei de recompensá-lo, sem estragar a sua vida, sem tirá-lo do seu mundo. Enquanto espero, repasso os acontecimentos, ainda não entendi tudo.



No tempo da onça havia uma loja, chamada Casas Pernambucanas. Na verdade muitas lojas, em todas as cidades do Brasil, que antecederam os vampiros dos xópins. Outro dia dou os nomes dos donos dos xópins, tudo político com grana roubada, se o povo souber sai quebrando tudo, mas alguns seguirão frequentando xópins, burrice não tem limite. Fodam-se, que dêem a bunda para o Corinthians, que morram esses dejetos.



Não os nomes dos donos das lojinhas de xópins, esses não são donos de nada, são apenas os filhos da puta que pagam um alto percentual do faturamento para o Tesso Jerê e seus amigos, ah, para os donos, os vampiros. A Pernas Bacanas não é deste tempo, é de outro, quando vendia panos para o povo que amava doar o sangue e o hímen de suas filhas para os bichos sugadores, bichos que perto do que veio depois... as Pernambucanas era uma espécie de Silvio Santos, o jacaré Abravanel, ou um pastor de jatinho, ou Faustão cuzão, algo assim, se fazendo de amigo da massa. Afasto a idéia, meu íntimo reclama, pula esta parte, me dá nos nervos e me embrulha o estômago, acaba saindo palavrões que me ferem os ouvidos e me fazem sentir leviano, inverte, o cara ruim passo a ser eu e não as hienas de quem falo. Não sou como eles.



Casas Pernambucanas: "Quem bate? É o friooo.... Não adianta bater, que eu não deixo você entrar...". E dê-lhe a vender cobertores ao povinho. Era uma boa loja, perto do que veio depois.



Trouxe-me lembranças. Lembro-me de tudo, agora dá para contar sem me meter em briga de canalhas da escuridão, de ladrões de cemitérios, antes não dava, não por medinho - meu Deus, preciso apertar mais, o sangramento vazou, não quero perder a perna -, mas para não ser injusto, os outros não conheci. Imaginei, e imaginação deixa assim, e tinha filhas para cuidar. Agora posso, pois estou no meio da tempestade, raios cruzando, um me pegou a perna, outro o ombro de raspão, eles são numerosos, mas vou matá-los, um por um.



Certa vez em São Paulo, num ótimo hotel da Cerqueira César, de 4 estrelas, na época tinha essa frescura de estrelas, uma fraude, pertinho da Consolação, eu e uma turma de mais dez a trabalho lá nos hospedamos. O trabalho era foda, responsa e tudo, grave, num bancão de agiotagem da Paulista, um dos maiores bancos, ou grande áfrica do Sistema Financeiro Nacional, pior que traficante de armas e órgãos humanos, de crianças de preferência, órgãos mais frescos, já viram como os amo. Eu vi, né.



E eu de chefinho de um monte de caras, eu o mais novo, chefe porque era meio tantã ou outra coisa ruim. Loco de atar não era. Aí que chegamos de bando no domingo à noite, em vôo noturno pela Gol, quem sabe Varig devorada que nem o osso restou, comemos merda no avião, sanduíches no hotel, dormimos, uns se masturbaram lá nos seus quartos, não é da nossa conta, eu telefonei para uma mulher, e na segunda-feira fomos à luta.



Fiz reunião com os mafiosos do banco, os colegas juntos, não sou bobo de ficar sozinho com eles, meus colegas de bico fechado, eram minhas testemunhas, numa sala que mais parecia o Memorial da América Latina, um andar inteiro, no palco eu e eles, os paulistas frios, seguros de si, valentes, patriotas, os mais burros tentando ser alegres. Não sabiam com quem começavam a lidar, eu ouvindo quieto suas mentiras, calmo, ponderado. Só rindo. Depois da hipocrisia, pedi salas e telefones, não iríamos usar os telefones deles, pedi para pensarem que. Grampo puro. 



Já sozinhos nas salas que nos deram, nomeei o nosso encarregado de conseguir café, indiquei onde meus camaradas trabalhariam, o que deveriam olhar e tal. Para mim separei a parte ruim, onde o nego precisa ter sangue-frio congelado, e incomodei-me, sorrindo com ar de besta, já ao começar a olhar os títulos de crédito dos caras: de dez bilhões no mínimo cinco eram falsos. Fiquei frio, mas um luzeiro se acendeu no cérebro. Os meus colegas eram bons, logo um também achou um pedrão no meio do caminho, ai, ai, ai. Tudo em silêncio, nada de os funcionários deles, leva e trás documentos, perceberem. Para conversar perigos eu os convidava para sair, passear e tomar um café na Rua Augusta.



Primeiro dia. Às 4 da tarde eu seguia atencioso, agora pedindo arquivos de tudo, inclusive do dono, mandei abrirem o cofre da sala privativa do chefão, não queriam, este é particular, mas engrossei, particular deixa em casa, e abriram, e isso foi fatal. Ao sair, às 5, o senhor diretor me disse que o donão de tudo, do Brasil, queria falar comigo no dia seguinte. Também quero, respondi. 



À noite pizzaria na Consolação. Os viados da pizzaria não tinham mostarda, um colega insistiu, a gente paga, não tem bar aberto onde possa buscar? O garçom, a um olhar do italiano proprietário da birosca, engrossou, disse que era coisa de gaúcho, homem que é homem não estraga a pizza com mostarda ou kétichup, e cuspiu na pizza. Errei. vi a cobra mandada, mas levantei e meti a mão na cara dele, estraguei a pizza, paulista filho da puta, gaúcho come churrasco, não essa merda bailando em azeite fedorento. E peguei a pizza e enfiei-lhe metade na goela, o insolente resistiu e dei de novo, ali me machuquei e ele desmaiou. 



Deu um rebu. Errei, e voltei para o hotel com a mão muito machucada, a pegada foi forte, o infeliz não morreu mas quase, foi para uma UTI. Uma incomodação danada depois, não sei o que me deu, poderia pegá-los depois, a solas. Saí da delegacia, acusado de tentativa de assassinato de um modesto trabalhador que vestia a camisa do Corinthians. Nojento, deveria tê-lo matado, mas  algo não fechava, no táxi para o hotel resolvi passar pela pizzaria, vi o dono lá dentro de papo com o mesmo sujeito que tinha visto antes, de longe no aeroporto, na entrada do hotel e no outro lado da Paulista. Eu e meus olhos castanhos, como não ver o bicho.



Apaguei quase tudo, devo estar ficando louco. Liguei para Porto Alegre pedindo uma arma de trinta tecos e munição. - Hoje mesmo estará no hotel, me responderam. 



Cheguei no hotel e no hall dei de cara com a herdeira das Casas Pernambucanas. Não acreditei no que vi.


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sábado, 24 de mayo de 2014

Estão Voltando as Flores (2)

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A famosa marcha-rancho de 1961, letra e música de Paulo Soledade (Paranaguá, PR, 29/6/1919 - Rio de Janeiro, RJ, 27/10/1999), é única.

"Estão Voltando as Flores", letra curtinha. Um hino de esperança.

Com os "Pequenos Cantores de Belo Horizonte", do Colégio Santo Agostinho, em vídeo hoje postado no youtube pelo amigo Antônio Bocaiúva (Antônio Augusto Santos).


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viernes, 23 de mayo de 2014

Perfídia (20)

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O bolero, um clássico mundial, é de Alberto Dominguez (Alberto Dominguez Borrás, San Cristobal de las Casas, Chiapas, México, 21/4/1911 - 2/9/1975), que o compôs em 1939.

Hoje com o Trio Guadalajara, em gravação de 1951.

martes, 20 de mayo de 2014

Mesário voluntário

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Pontualmente às 20:30h, uma querida amiga me comunicou que estava passando um ótimo programa na Televisão Educativa - TVE, única que presta em Porto Alegre apesar das pavorosas limitações de orçamento, como aliás ocorre em todo o País com suas congêneres, com início às 20h. Histórias do Sul: 100 anos de Música. Vai até o dia 23 de maio, este 23 de maio que nada tem a ver com a avenida Itororó, amigos paulistas, menos ainda com os heróis de 1932, e sim apenas com a próxima sexta-feira. Liguei o treco e descobri que durava trinta minutos, até às 20:30h. Logo ela enviou outro recado, muito gentil de sua parte, avisando o que eu já sabia, que o show tinha acabado. Amanhã pego na hora, se der.

Porém valeu a pena ligar o caco velho, coisa que raramente aqui acontece. É uma Philips que era jovem em 1977, só funciona depois de dez porradas em cima, dos lados e na cara, e isto porque o moleque filho da coroa gostosa que mora no terraço - ela me disse que tem 34, ora se 43, ou 53 cortado à faca, é coroa nada, enquanto lá em cima eu tratava de assuntos de alcova com carinhos leves na cara e cabelos da louca, espancamento até respeito mas não é comigo, bem, tanto implorou que dei-lhe uns tapas -, ahn, quase me perco, bem, o moleque enjambrou uns negócios para reviver a arma da globo. 


Duas horas depois desci extenuado, branco como cera, e paguei-lhe com dois baseados que um consumidor chapado deixou cair na escadaria do prédio, o gremistinha saiu dando pulinhos e me chamando de papai. Lembrou de algo e voltou-se dizendo: "Ah, fiz um gato pra ti, agora pode pegar tevê a cabo pela geringonça, se gostar me paga quando puder". Espero que não tenha torturado o Gatolino. A Pati, sua mãe, exclamou lá de cima para o mundo inteiro ouvir, querendo me comprometer: "Volta de noite, amor da minha vida, vou fazer massa!". Vou é fugir para a Patagônia.

Um tanto entrevada a minha tevê, nos últimos tempos liguei somente em decisão nacional de futebol, isto se o Inter ou o Grêmio estivessem jogando contra a indiada lá de cima, o que, infelizmente, tem acontecido muito pouco, a última vez foi há uns 8 anos, quando o Inter em seguida ganhou o mundo, depois do histórico drible de corpo do Iarlei que deixou o capitão espanhol catando borboletas à unha no deserto, logo o passe magistral que colocou Gabiru num maravilhoso oásis, vai e faz, companheiro, adeus Barcelona, adeus Dolores Sierra. Quase morri do coração. Aquele Iarlei merece ser imortalizado em vida, com um monumento na Avenida Padre Cacique.

Valeu a pena porque ouvi alguma propaganda até compreender que o 100 Anos de Música tinha terminado, e depois de desligar me toquei que um dos anúncios dava conta de que existe no Brasil um negócio chamado Mesário Voluntário.

Pera aí. A palavra Voluntário me remete para trabalho gracioso. Bem, o retrospecto não ajuda, vez que os famosos Voluntários da Pátria eram os miseráveis e prisioneiros forçados a marchar contra os irmãos ali adiante, ou vai para a guerra ou morre, enquanto os ladrões ricos, como? Ladrões ricos? Eta redundância, bastaria dizer ricos, levavam as honras e as medalhas da Copa, digo, da guerra, mas a origem do vocábulo, "voluntarius", de fato tem o sentido de ir por vontade própria, atualmente com claríssima conotação de ajudar no mole, isto é, sem remuneração pelo esforço pessoal, no máximo sendo ressarcido dos custos materiais. 


Mais ou menos como na guerra, o general diz para o não sei quem, que diz para o capitão, que diz para o tenente, que diz para o sargento, economizei na milicada, para não ficar o dia inteiro escrevendo sobre suas hierarquias, e o abacaxi estoura onde? No soldado raso, aquele que foi à força, ou vai ou morre, seu filho da puta, apanha, vai para a guerra aprender a defender a nossa grana e dos nossos sócios, os mercadores e fabricantes de armas, quem manda não ser um Muhammad Ali, exclama o sargento, já me olhando: "Quem é o maluco que topa encarar sozinho aquela metralhadora inimiga?". O negão olha o campo aberto, sabe que vai morrer, pensa: "Pro Brasil escravo eu não volto, prefiro morrer", e sai no peito e na raça brandindo o punhal. No caso de um milagre ganharia uma medalha de latão, as de ouro, como sabemos, já estavam destinadas para o Duque e seus comparsas..

Outro dia ouvi alguém falar em Voluntários da Copa. O chargista Caba da Peste, quem vem a ser o amigo Newton Silva, lá de Fortaleza, volta e meia pega no pé dos caras, voluntários-otários. Mas estes em último caso até passa, nunca se sabe, de repente o pessoal quer assistir aos jogos de graça, entra no estádio a pretexto de voluntariar algo, troca de camisa e fica numa boa tomando cervejinha e assistindo o jogo, vez que o preço do ingresso só permite ricaço e estranja, pé-de-chinelo não entra nem em sonhos.


Pipoqueiro talvez entre, se assinar um contrato comprometendo-se a entregar 98% do faturamento para a FIFA, este é outro que entra lá, tira debaixo da cesta a sua garrafa de mé, atira a cesta num canto, quem quiser que se sirva, e vai assistir o jogão entre França e Honduras, abertura da Copa no Beira Rio, torcendo para Honduras, é ambulante mas não é sonâmbulo. O vendedor de pé-de-moleque os moleques proibiram, vá entender. Milicos também, pagos por todos nós, mas precisam ficar de costas para a peleja, mirando o comportamento de quem o paga. De fato a sua presença seria necessária, caso olhassem para o lado certo, na Copa haverá muito bandido com o fiofó enfiado nas cadeiras de honra, a começar pelo larápio presidente da própria FIFA, com o ladrãozinho do Jerome a lhe lamber o saco no intervalo, o que não fazem por dinheiro. Mania de mudar de assunto.

Mas, convenhamos, Mesário Voluntário? Essa foi forte. Lembrei-me de Bruno Contralouco. O Oficial de Justiça ou coisa que o valha levou a intimação para que ele fosse mesário numas eleições, isso no século passado, numa briguinha entre predadores e predados, quando Fernando Collor chorava na tevê reclamando que o Lula tinha um equipamento de som 3 em 1 e ele não, seu honesto papai só havia lhe deixado redes de rádio e televisão, depois acusou o Lula de provocar aborto na esposa, que foi quando descobrimos a doçura do fair play da admirável elite brasileira diante do perigo de ver seu mandalete entregar o osso. Claro, o lindinho venceu a disputa, e o Lula, que no futuro viria a ser seu sócio e grande amigo, ficou chorando enquanto ouvia o jogo do Córintiã pelo radinho de pilha. 


Bom, o Bruno abriu a porta, o sujeito perguntou pelo Bruno e ele, que não é bobo, respondeu Quem? O sujeito novamente leu o seu nome. Ah, você está falando do Bruno Contralouco, o cara mudou-se há muito tempo, até o mês passado estava em Belém do Pará. Qual o assunto, sou o Jucão, primo-torto do gaudério, caso ele telefone eu posso avisar, é urgente?

O funcionário da justiça eleitoral disse a que veio. Aí o Contra emputeceu: mas façam-me o favor, vocês não andam regulando bem: o pobre do Bruno separou-se da mulher, uma alemoa perigote que ele tinha, dava para todo mundo enquanto o coitado trabalhava por uma vida melhor, e agora está lá na Amazônia há dois anos lutando pela sobrevivência, e vocês, com tanto bancário e funcionário público que trabalham seis horas por dia, trabalham é força de expressão para dizer coçam o saco, ali dando sopa, vêm logo atrás dele?

O homem esboçou abrir a boca para dizer algo e o Contra seguiu a mil, vermelho de pura indignação. 

Por isso que este País não vai para a frente! Se ele telefonar não vou dizer nada, ora bolas! Se o coitado puder vir será para ver a família, tem uma filha lá na Vila Cefer, e cumprir sua obrigação de cidadão, votando, e vossas excelências querem que no único dia de rever familiares o cara fique trancado? Francamente, nem morto!

O sujeito voltou para o Tribunal Eleitoral e devolveu o papel ao juiz: este aqui está há dois anos na Amazônia e talvez nunca mais volte, apaguem o pobre homem. Riscaram o seu nome do rol de vítimas, nunca mais convocaram.

E agora existe Mesário Voluntário? Essa história está mal contada, tem gato na tuba.


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sábado, 17 de mayo de 2014

Camila Costa, a Valsa rosa, a Juriti, a loba da Tasmânia, a pantera e eu

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Pediu ao vento, que violento 
Arrancou-a do jardim
E então o colibri
Pegou a rosa enfim valsando pelo ar
Deixou-a sobre a cama dele e
Nunca mais foi lá 




Amo a Valsa rosa.

É da Camila (parceria com Ruy Quaresma), que é minha amiga no facebook, onde ela raramente entra. Camarada, melhor dizendo, amiga de tu lá e eu cá, este mundo, como em geral, é fogo. Mas há confiança, neste sem fim de distância, com inadvertida semi-rima.

Detesto artistas famosos, quase tudo fabricação, todos cheios de si, numa burrice danada, felizes por encantar a plebe de visão curta e orelhas longas, como dizia "Nitie". Detesto e livrei-me deles.

A Camila não, ela é diferente, pois de três em três anos, ou um às vezes, em madrugadas, ela chegando de shows trocamos algumas palavras por telefone, ou sei lá, mensagem, sempre nos dizendo que a vida está boa. E esse frio aí na Suécia, guria? Um gelo!, no carnaval estarei no Rio.

E aí no Sul, Porto Alegre? Aqui? Gelo, em outubro estarei em Niterói.

Outro dia sonhei que a cantante tinha 33 anos. Comemorava no mesmo dia que eu, que fechava 61. Linda, festejando na Dinamarca. Abri um champanhe de madrugada, bebi e saí. Do fundo do bar telefonei para as minhas filhas, conversei sobre seus doutorados, saber como estavam, tudo rápido, pois lembrei que havia esquecido de ligar no mês passado, logo em abril, todas nascidas em abril, rosas de abril...

Por último a mais novinha, que se faz... ora se faz, é, de sensível, saiu igual por dentro, falou sonolenta. Depois do Oui?, reconheceu a minha voz e exclamou: Sala, que milagre... 

Como vai, gorda, tudo certinho aí? Tudo, pai, e tu? Amenidades e tal, até que com a boca ainda meio pastosa me disse: Olha, não é pela hora, não me leve a mal, pai, mas o que está se passando? Está pelos bares? É cinco e meia. O senhor não estava casado com a loba da Tasmânia? Tu me disse que daria a vida por ela, e...

Do senhor passou para o tu, no fundo não gostei, temi ter acordado a guria. Porém segui de bom-humor, amei o Oui, sinal de que segue no lado francês, e não daqueles lambe-ovos dos norte-americanos.

Nada, Juriti, psit... não fala alto. Deixa eu te contar: finalmente conheci a pantera chamada Rosa, que eu sempre quis. Negra, 43, um doce de alma, aquele sorriso... Tu sabe que sou conservador, pai não deve dar detalhes sobre certas coisas, se não te diria que tem um corpão, já viu aquelas bailarinas que dançam
levando as escolas de samba com o rebolado, a bunda, cada peitão, pois é, e um olhar de fogueira que diz esse castanho é meu, o castanho sou eu, ai meu Deus... 

Ela quietinha, algo a interessou, conheço meu povo.

Arham, epa, pula isso, andei bebendo. Ju, ela me olha com carinho, é singela, eu é que não presto e vou... deixa pra lá. Na próxima vez, quando chegarmos em casa, antes de mais nada vou botar o disco da Camila, a Valsa rosa. Vou dar um baile nessa nega, vai conhecer gaúcho redomão.

E por que não está agora junto dela agora? Não aguenta sem sair para a rua, né? A mulher deve ter ficado esperando tua ligação. Se vai transar com a "tadinha" da madame, pai, pra andar contigo deve ser muito inocentinha mesmo, e tu todo nervoso por ser a noite... manhã, de estréia, aviso que ela, por mais vivida que seja, se gostou mesmo de ti também estará nervosa, como tu dando a vida para não demonstrar, estou escrevendo sobre isso no pós-doutorado, vai por mim, em trepação vai rindo, porém amor, amizade, companheirismo, é outro papo, e isso de nervosismo passa depois de dez minutos de pelados na tua cama, e sugiro botar outra música, aquele bolero de Tanto tiempo disfrutamos de este amor, nuestras almas se acercaron tanto así, ou nenhuma. Esquece a Valsa rosa, também gosto, amo, é epílogo, pai, por favor não vá me gastar assim, guarde para a festa de casamento.


Hummm, refleti: está ficando sabida. 

É que ela mora no Rio de Janeiro, Ju, e eu agora estou em Porto alegre.

Ué, não tinha comido todas as mulheres do Rio de Janeiro, faltou essa?

Tudo intriga, pequena, só tive umas quinhentas cariocas, e a população feminina por lá passa de cinco milhões, acho que não darei conta.

Notou que tu está ficando velho, pai?

Eu mereço, mas me vinguei. Esquece isso. Tu tem namorado aí, gorda? É francês? Tenho pavor de francês, tudo viadinho.

(boceja com enfado e murmura algo, pareceu "Eu mereço")

Tu tem pavor de qualquer um que se aproxime de mim, não se flagra. Te conto amanhã, ligue mais cedo. E tiau, vê se cria juízo desta vez, seu tasmânico. Bjin.

Liguei exatamente pra isso, pra dizer que agora achei o caminho certo, mas tu não entende que cansei de carnes, quero é amor! Tiau, tolinha
. Beso.

Ahahah, entendo sim, te conheço. Clic.

Minha filha deve ser louca, Deus meu, o que foi que eu botei no mundo? Vá lá, atenciosa, de paz, apaixonada, sensível, linda, inteligente, carinhosa, boba... puxou por quem? Bem, acho que por mim, mas o resto, isso de perguntona e respondona, puxou por aquela que mal me lembro. 


Ora, casamento. Eu falava de amor. Vou ligar para a Conceição. Eu me lembro muito bem.


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lunes, 12 de mayo de 2014

Discutindo com Gatolino

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Gudi naiti, ouvi ao entrar em casa, num gatês enrolado, parecia gente falando. Em gatês é miado, sabem, né.
          
Virei-me de pronto para o Gatolino, antes de acender a luz da sala, ele que me olhava zombeteiro de cima da mesa, em posição de ataque. Ainda que iluminado pela lâmpada fraca do hall do apartamento, percebi o faiscar dos seus olhos, queria encrenca. Ué, agora tu fala, projeto de leão?

Engoliu em seco, por essa ele não esperava, o "projeto" arrebentou com seus brios. Sorri. Mas recuperou-se, com uma névoa escura diante dos olhinhos respondeu com dificuldade, mantendo a categoria, não iria entregar a rapadura já na saída: não falo, sou gato, apenas mio, tu que andou bebendo, depois das duas meias de uísque ainda sai para a rua, e me volta sozinho, mimimi, não pegou ninguém, e rola na mesa, se finando (falsamente) de rir.

Baixou o jogo. Fiz de conta que nem ouvi.

Sai fora - respondi - voltei porque não quis pegar as gatas, muito usadas, todos os dias dando sopa ali naquele bar finório da Olaria, e todo dia alguém diferente leva, eu hein (percebi que ele não sabe que meia mais meia dá uma, mas guardei para pegá-lo numa melhor).

Mimimimi... o bobão é preconceituoso, quer para casar, mimimi, o que tem de mal beijo com gostinho do pau dos outros? Enjoou? Miiiiiiiiiiiiiimimmi. Agora dá cambalhotas e se fina em gargalhadas gaiteadas, achei que ia morrer. Equilibra-se, novamente em pé, com uma patinha na boca, sufocando o riso, e acrescenta: conta outra, no estado em que tu anda pegaria até a minha avó Gatilde, mimimimi...

Esse gato pirou, só pode. Quase respondi que descasei mil vezes, nada mais distante da realidade a besteira que ele disse, amo três mulheres, de longe, e que fiquem assim, e que voltei para cometer um gatocídio que há meses venho planejando. Mas sou calculista, virei o assunto e saí por coisas que ele não entende, estava mesmo precisando trocar uma idéia com alguém inteligente, o feicebuc está insuportável, a turma de boa cuca hoje não apareceu por lá.

Pára de besteira, Gatolino. É que impliquei com a tal de TV Revolta. A todo momento recebo imagens da referida, então, se me permite o amigo, sei do que falo, tu nem tem feicebuc, ahahah.

Mimimimi... para ver TV melhor não ter face, não sou imbecil, prefiro filme antigo do Garfield, mimimimi... (vou matar o miserável, mas não dou o braço a torcer)

É três boas imagens dessa Revolta, sabe, né, imagens apartidárias, como disfarce, e crã, uma fincada para esculhambar com a Dilma. O dono deve rir muito enquanto conta o dinheiro que lhe pagam, com gente trabalhando de graça para difundir, novamente se me permites.

Mimimimi... que sei eu de Dilma, meu chapa, vou é chamar a vó Gatilde, tu não mata nenhuma, salvo se cair morta, e a vó morreu (olha para o céu, que é o teto do apartamento): Senhor Gadeus, mande minha vó Gatilde pra esse otário, ahn, e meio quilo de fígado pra mim.

Sórdida insinuação. Filho da puta, isso já é abuso: reclamando de falta de comida. De castigo ficará uma semana comendo ração de múltis, aquelas nojeiras de comprimidos marrons, vai acabar pegando um câncer! Faço-me de desentendido e continuo.

Nunca entrei nesse site, então não sei de nada, meu caro Gatolino, só recebo as imagens pelo feice. Tu sabe quem é o dono? Quem repassa, além de concordar com o que viu, deve saber, suponho.

Mimimimi... otário, anda mal de grana e tá com inveja do ladrão, mimimimi...

Agora foi falso e mentiroso. Bem, quanto à grana até que não está errado. Mas sigo: Não senhor, veja só:

Na última imagem que me mandaram aparece uma mistureba de Joaquim Barbosa com uma não sei quem, antes de sair chamei a Jurema. Jurema é a morena que me ajuda com a limpeza, pois faço comida, lavo pratos, roupas no balde - na máquina de lavar é com ela, não entendo do negócio -, mas isso de varrer e lavar o chão não é comigo, ela olhou a foto e me disse que a mulher é uma nazista do Sílvio Santos, mas não tem certeza. Compliquei com ela: peraí, Ju, nazista, que conversa é essa? Não sei, Sala, ouvi por aí, e não gosto dela, toda se achando, metida a dona da verdade, mas aposto que se encostar desmancha, cai a casca dos outros em quem a molenga se fia, e nem pense em comer o bicho, periga pegar uma peste. Jurema, Jurema... isso são modos? Ele solta um mimimi curto e segue atento, esperando um deslize, de queixo caído, debochado, sabia que estava perdendo mas não admitia.

Prossegui: eu nem sabia que o Senor Abravanel ainda estava vivo, tem nego que demora a morrer, teima, resiste em largar o osso do povinho, como fez o Roberto Marinho, durou cem anos! Não é de duvidar que este empurre, antes de largar o ossão, uma Sílvia e um Sílvio Jr., como fez o outro, para seguir fodendo o povo de lá do inferno, que osso, digo, que vida. Pois, na imagem dizem que 99% por cento da população quer o Joaquinzão para presidente e essa percanta como vice, já viu uma coisa dessas, água e azeite?

Mimimi, o que faz a inveja, só porque no século passado vendeu um continho pra Globo, entregando direitos de filmagem e tudo, e eles pagaram a miséria de dois salários mínimos, mimimiiiiiiiiimi...., agora morre de rir mesmo, não gostei da conversa, como será que ele descobriu isso? De repente solta um ronquinho, dá uma estrebuchada, se desequlibra e cai de cima da mesa, fica estatelado de barriga para cima perto da parede, preciso fazer respiração boca a boca no infeliz, dou soquinhos no coração, apavorado volto ao boca-boca, boca com gosto de fígado de boi, que deixei antes de sair, e de uísque! Foi ele quem bebeu aquela outra meia garrafa!

Volta a si, respira fundo, tenta se localizar, por fim arreganha os dentinhos e emenda:

Mimimimi... se fosse 69 eu até entenderia, uuui, é o que tu anda precisando, só não sei se a vó Gatilde vai topar, é muito antiquada, mas 99? Miiimiiimiiiiii...

E dispara em direção à sacada, eu corro atrás dizendo volta aqui seu castrado de merda. Pensa que quero matá-lo, mas que nada, vou é convidá-lo para mais um uísque, pelo menos numa coisa concordamos: 99 ninguém merece.



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