Às sete da manhã aterrissei no
laboratório de análises clínicas com um copinho de plástico ainda quente nas
mãos. Logo uma morena de parar o trânsito me tirou umas dez cápsulas de sangue
da veia esquerda, a melhor. Coisa boa ter 60 anos (em outubro fechei 62, mas
minto 60, gosto de número redondo), o sujeito fica mais solto. A moça disse:
- O senhor quer um copo d’água?
- Não, obrigado, moça, estou muito
bem, a tontura é por tua causa, vá ser gostosa assim lá em casa.
Ela riu com gosto. Viram? Coroa pode.
Bem que na saída me levou até a porta, com um sorrisinho de tomara que ele me
morda e, deixa pra lá. Amanhã pego os resultados e jogo em cima da mesa do
maldito médico:
- Toma, pega pra ti e vê se não me
incomoda mais. (na cuca é “e vê se não me incomoda mais, seu viado”, mas
verbalizarei apenas até o “mais”)
Tenho pavor de médico, aquele arzinho
de sabe-tudo que aplica pra cima dos coiós. Houve época em que de vingança me
profissionalizei em mulher de médico, antes de começar com as mulheres dos
políticos. Não gastei o, bem, o verbo por pouco.
Essa frescura de exames e médico é
coisa das minhas irmãs, sempre preocupadas com a saúde do único irmão espada,
só porque não vou a médico há oito anos. Pombas, três dias de abstinência de
tudo, tudinho mesmo. Bem, passou, agora onze da manhã, há meia hora estou
namorando aquela garrafa vermelha, umas dez doses antes do almoço cairão bem.
A primeira irá inteirinha para o
santo, para que não dê zebra nos exames. Se der, a culpa é deles, então dou uns
cascudos no senhor medicinal pós-graduado, volto lá e incendeio o laboratório,
a morena tiro antes.
Bem, vamos às amenidades. Pelo jeito
que as coisas estão se encaminhando, com o criminoso boicote econômico prestes
a acabar, em contrapartida ao afrouxamento do regime, desde que a ilha não
volte a ser o bordel dos mafiosos americanos, acho que vou para Cuba, afinal
uns e outros vivem me mandando fazer isso. Ou para a Criméia (Ucrânia?). Ao
menos até que passe o fedor de idéias redentoras que ando sentindo.
1 Bueno, no lançamento do meu último livrinho, nem tão livrinho assim, pois tem
176 páginas, capa e ilustrações do cartunista e outros bichos mineiro Nani, da cidade de Esmeraldas, há décadas carioca por adoção, e quarta capa, que eu chamava de contracapa, da artista plástica nascida em São Gabriel (RS), Carmen Medeiros, também como Nani adotada pela capital, ela Porto Alegre, bem, no lançamento, desta vez na minha terra, Palmeira das Missões (RS), os amigos e
amigas de infância compareceram em peso.
Uma beleza, todo mundo feliz no espaço multicultural “Bolicho da Praça”, no meio da Praça da Matriz,
no coração da cidade. Ainda que eu tenha me sumido mundo afora há 42 anos, a
turma não me esqueceu, pois amigo é o irmão que a gente escolhe.
São incontáveis os amigos que tive, mas dou dois exemplos: carreguei por
décadas num vão na carteira uma foto do Paulinho Sampaio, pois amigos trocavam
fotos. Uma 3 x 4, no verso escrito: "Ao Sala, un recuerdo de mi
persona". Com o Pato, depois das caipirinhas e do carreteiro - D. Iracema
fazia como ninguém um carreteiro de charque, com banha, nada de óleos
transgênicos muquiranas - e salada de cebola com vinagre e sal, aí, aos
sábados à noite, quando eventualmente sairíamos para lados diferentes, era
assim: quanto tu tem? Vinte pilas, e tu? Cinquenta. Somando dá setenta, então é
trinta e cinco para cada um. Do Branco nem falo. E o 21 então? Tantos...
Da D. Iracema, mãe do Pato, é impossível, ao citá-la, não lembrar que ao nos ver
lá embaixo das árvores ao anoitecer, chegados dos treinos no Ouro Verde - Pato e
eu chegamos a jogar juntos no Ouro Verde, eu zagueiro e ele centroavante, como em futebol de salão no SAPAL, que só me convidava nas ruins, e na seleção da cidade, aliás, vai outro aliás: aliás, nunca perdi pelo SAPAL ou pela seleção da cidade. O primeiro era de per si uma seleção, com Sapinho, Xexéu, Pato, o pior jogo foi contra uma CEEE com Pito e um monte de cara bom, homens feitos, e com o Caco de enxerto na goleira deles, saiu um 3 a 3 sofrido pra ambos os lados. Fiz o meu lá de longe, de bico embaixo do pau, empatando o jogo em 3, eia!, só falo das boas, bem... Onde andava? Esta mania de ir misturando os assuntos... Ah: na
semi-obscuridade tomando caipirinha e falando mal dos terroristas de verde
(estávamos em plena ditadura, os porões do DOPS e outros bichos banhados de
sangue de gente indefesa que berrava alucinada no horror da tortura), a D. Iracema metia
a cara na janela e dizia: "A 'fruita' não cai longe do pé",
referindo-se ao trago, vez que nossos pais eram meio chegados no mé, o dele já falecido e o meu ainda dando algum trabalho. Pobres dos velhos, nada faziam de mal, só trabalhavam, mereciam umas cervejinhas de vez em quando, o diabo é explicar isso pra mulher que, deixa pra lá.
Começamos a função de lançamento de livro às sete da noite, e seguimos na maior calma, com direito a
tempo para recordações do que aprontamos na meninice, fotografias,
risos...
Claro, a cada dedicatória o humilde autor tomava um copito de cerveja, por
vezes dava um tirambaço num cantil que tinha no bolso interno direito do
paletó, de um líquido vermelho que passarinho, decididamente, não bebe. No lado
esquerdo, sobre o coração, onde normalmente iria um 38, estava a surrada
carteira com uns caraminguás para os chopes que inevitavelmente viriam em outro
lugar depois de concluídos os trabalhos culturais.
Pelas onze ou meia-noite – não estou bem certo devido aos tragos que me
forçaram a beber - estourou a função e, como o prometido, fui encontrar os
camaradas mais antigos numa choperia ali perto.
Na choperia estavam, entre outros, Itiberê dos Santos (o Branco), Cesar Tassi, Edu “Polaco”
Tassi, o radialista Odercio
Hubner, Sérgio
Padilha, Luiz Cavalheiro e o nosso sensacional instrumentista (harmônica,
gaita de boca ou de beiços) Telmo Mendes. Choperia lotada, deu música nas mesas
que juntamos, claro, até eu cantei, se é que aquilo é cantar, duas ou três,
destaque para “Mano a mano”. Passada a metade do tango, quando disse:
“Nada debo agradecerte, mano a mano hemos quedado;
no me importa lo que has hecho, lo que hacés ni lo que harás...
Los favores recibidos creo habértelos pagado
y, si alguna deuda chica sin querer se me ha olvidado,
en la cuenta del otario que tenés se la cargás.
Aí eu já estava com os olhos molhados, pois me lembrei de umas tiangas de outras paragens que só judiaram do meu pobre coração.
Telmo me disse que agora só toca a sua famosa gaita de boca lá de vez em
quando, quando bebe. Manifestei minha saudade dos tempos em que ele tocava todos os dias e cantávamos
madrugada adentro.
Com Itiberê e Telmo recordei de uma passagem em que estávamos juntos numa
galinhada, que na verdade era peruada. Todos gostam de galinha ou peru, mas os
boêmios amam é de madrugada, com a penosa ou o penoso roubado, se não for
roubado não tem graça. Daquela vez, pisando em ovos, não foi galinheiro que um
de nós invadiu às duas da matina, e sim um peruzeiro. O camarada saiu de lá pé por pé abraçado ao enorme bicho, vai passando abaixo da janela do dono da casa e o penoso dispara: Glu-glu-glu! Ali começou a ser estrangulado. Contarei outro dia aquela
triste passagem, quando nos expusemos à ira dos Defensores dos Direitos
Humanos..., ã, digo, Peruanos.
Tem uma com o Polaco, a gente em Porto Alegre, que aproveitei e lhe pedi
autorização pra contar. "Por mim que abiche, Sala, pode contar e botar o
meu nome". Quanto ao Cesar, esqueci de lhe pedir se me permite contar que
ele morou com uma viração linda de corpo e tudo, rica pessoa, que era alucinada
de amor por ele. Outro dia peço e então conto.
As fotos virão com o passar dos dias. Da máquina fotográfica que levamos, minha
agente (A Gente) literária Jane Capelão da Silva e eu, que trouxe comigo para Santa Maria, à máquina, não a Jane (tenho irmã
hospitalizada, vim para Santa Maria por isso), não consegui arrancar as fotos da miserável, não
dei-lhe um tiro para não acordar a mãe, mas grudei o objeto na parede. Amanhã
peço pra minha sobrinha, filha da hospitalizada, me ajudar. Porém muitos amigos tiraram fotos e m’as
enviarão logo que der, como a amiga Lígia, irmã da Jane, e o nosso anfitrião Aurelio
Moraes.
Passei uma manhã percorrendo a cidade. O Antenor Vargas (Tena)
nos tirou da cama às sete da manhã e bancou o cicerone, atenciosíssimo. Uma
beleza, muita coisa mudada para muito melhor. Só estranhei que sumiram os
campinhos onde a piazada jogava bola. Aquele da frente da casa do Sérgio
Padilha deu lugar a um mundaréu de casas, idem o da Bariri, meu Deus, onde a
gurizada joga bola atualmente? Lembro que quando íamos, nós da Vila Nova, jogar na Bariri
contra a turma da Vila 6 de Maio, era uma guerra, não raro fechava o tempo. No
campinho da Gal. Firmino, da frente dos Padilhas, a gente enchia o leque e
tinha que ir buscar a bola lá dentro da casa dos Bones. Isso me faz lembrar de
outras guerras, quando jogávamos contra os bambas da Vila Velha, nunca perdi
para eles, eheheh, eles perdiam e saíam reclamando que a gente batia muito, entrando de sola nas divididas, mas esqueciam de contar das meia-luas e balãozinhos que levavam. De se reconhecer que tinham um timaço e eram atletas muito leais.
Obviamente que percebi outras significativas mudanças. Por exemplo, a coxilha
da subida para a zona do meretrício, caminho para a Água Morna, está coalhada de habitações.
Aliás, não existe mais zona, os arriados dizem que faliu devido à forte
concorrência da cidade. A zona, para os amigos da Indonésia que me lêem, era um
bairro separado da cidade por alguns quilômetros, para não ofender os bons costumes, onde se exercia a profissão mais
antiga do mundo. Foi inaugurado como Vila Jardim, se não me engano, porém pouco
antes a capital brasileira havia sido fundada, então imediatamente o povo o
renomeou para Vila Brasília, nome logo reduzido para somente Brasília, que, como sabemos, ainda hoje é um infernal prostíbulo,
muito pior que a nossa pobre Vila Jardim com seus duzentos cabarés, pois na
verdadeira capital pululam criminosos de toda ordem. O Estádio dos Eucaliptus,
do Palmeirense, não tem mais eucaliptus, logo os bandos de andorinhas, depois do seu maravilhoso bailado pelos céus, já não têm onde pousar nos anoiteceres de verão.
A história que pretendia contar nada tem a ver com isto, é outra coisa, as
palavrinhas acima vão como introito. O que interessa mesmo, que me deixa
trêmulo, começa nos próximos parágrafos.
Ah, em tempo: a única foto que de momento disponho para registrar o evento é com Cleri Covcevich, a
deslumbrante amiga da minha mana mais velha, esta mana que agora é carioca. Lembrava vagamente da Cleri, mas conheci seu irmão. Aliás, a dama entrou no recinto e quase desmaiei de
emoção, não a via desde menino.
Muito obrigado, Cleri, a mana
Lourdinha, que pediu para representá-la no evento por impossibilitada de ir, ficou muito contente, diz que se sentiu
verdadeiramente representada com a tua ida. Inspirado em Cleri, senhora de rara beleza e amiga que torcerá por mim, daquele instante em diante um
pensamentinho ficou latejando. Vamos aos tais "próximos parágrafos", onde as boas intenções serão reveladas. 2
Dei
um abraço no mui digno amigo Aurelio
Moraes, agradeci toda a sua atenção pessoal e a dedicada pelo município que
ele bem representa, e me fui para a tal choperia, ruminando aquele pensamento
lindo, de certo modo atroz, que culminava com um: "Como fui burro".
Pombas,
parei de contar os namoros que tive lá pelo número 250, há muitos anos. Digo
que fui namorado de muitas mulheres, mas este é um modo novo de expressar a
relação, antes o pessoal diria que fui amigado ou amasiado. Até casado, quando
era mais bobinho do que sou agora. Percebo que mudei, estou morando no Covil 7,
agora rareiam as namoradas, no máximo doze por ano, em média uma por mês. No
Covil 1 foram umas 80, no 2 me amiguei e fiquei dois anos com duas, no total
não passaram de 15, piorou no 3, quando voltei ao 1... Sim, amigos, fiquei tísico, mas me recuperei graças a um médico que me receitou uma mistura de abacate com outros frutos, e massa, e ovo frito, comia feito um condenado para poder dar conta. Agora acho que estou ficando
velho. Snif.
Depois
que a legislação mudou, presumindo casado se com dois anos de convívio,
acidentalmente nenhum amor de morar junto durou mais que um ano e onze meses.
Vi-me
num grande espelho ao caminhar para encontrar os amigos, mirando o céu ou a
calçada da velha Praça onde pisava, pois, mesmo após tanto tempo, conheço uma por uma, estrelas do céu vistas daquele ângulo e pedras daquele caminho. Tive
somente uma namorada em Palmeira das Missões, antes de me sumir: eu era
perdidamente apaixonado por ela, e ela não era da vereda dos guaranis
missioneiros: era germânica nascida em Santa Catarina. Demorei demais para me arranjar na vida em Porto Alegre, e ela rapidamente casou com outro, o que compreendi e lhe dei razão. O mesmo ocorreu com uma moça de São Sepé, 120 porto-alegrenses, algumas capixabas, muitas mineiras, em Belém do Pará quase deu certo, em São Paulo elas diziam vamos tomar chopiss, Salito. Nenhuma delas daria certo mesmo, pelo fogaréu que espalhei por aí, não sossegava, queria todas ao mesmo tempo, possível reflexo do trauma com a catarinense.
Na
saída da choperia, às duas da matina, hora de roubar uma galinha ou uma perua
para amanhecer de festa, meu primo Branco, que me levaria ao hotel no outro
lado da cidade, disse:
-
Toninho (sou Salazar, Sala, Salito, mas pra ele sempre serei Toninho), vou ali
adiante levar um lero, demoro meia-hora, toma aqui esta cerveja, sente ali num
banco no meio da Praça, olhe pro céu, recorde de quantas escolas tu foi
expulso, só daqui dá pra ver duas, a Normal e o Cacique Nenguirú, que eu já
volto, não demoro.
-
Pára, Branco, eu que me demiti das escolas, expulso só de uma ou duas, eu era e
ainda sou muito tímido, mas brigava, ou mandava algum professor da ditadura à
puta que o pariu, nada mais, nunca comecei encrenca.
-
Tou brincando, Toninho, vai, senta lá.
Fui.
Tomei a cerveja olhando o céu estrelado. E o pensamento acelerando: nunca
namorei nenhuma conterrânea. E só quebrei a cara nesta porca vida.
Então
me levantei, caminhei até o meio da Praça, e comecei em voz alta:
"Buenas
por aqui me acho".
Pra
não ferir suscetibilidades fiquei por aí, pois a frase completa todos os
gaúchos conhecem, aqui encurto: "Buenas por aqui me acho, cortando crina -
ou trança - de china e aparando guampa de macho". Se dissesse, eu diria
trança, não sou tão grosso.
Silêncio
em Palmeira das Missões, até os grilos se calaram ao ouvir o Buenas por aqui me acho, pensando lá vem bomba. A Estrela da Manhã teve um inusitado brilho.
Então
enchi os pulmões e exclamei decidido, para todo o mundo ouvir:
ALÔ,
PALMEIRA DAS MISSÕES: VOU ME CASAR COM UMA PALMEIRENSE!
Um
ventinho bom invadiu as casas, despertou quem dormia, as insones sorriram, e
vieram os gritinhos de vozes femininas de todos os lados: Iurrú; isso, amado,
vem pra mim; beijinhos Sala; tou aqui meu amor; tarado te espero; ai meu gatão;
querido tou te esperando; vem gostosinho; iuú, quero 69; tou aqui, sou carinhosinha; ai, topo tudo mas só depois de
casar de papel passado... (esta última isolei mentalmente, eu, hein?), centenas, milhares
de vozes.
Uma
felicidade imensa me invadia quando ribombou umas quinze mil estrondosas vozes masculinas, graves, numa vaia universal, o chão estremeceu, caíram quadros das paredes das casas,
pratos e espelhos quebraram: Buuuuú...; viado; fiadaputa; vai dar pra quem te come;
bichona; quer morrer miserave?; pode te sumir pra Porto Alegre, bobalhão; por
aí...
Só
pode ser gozação dos caras. Ué, sou da terra, e quem sai aos seus não degenera,
nunca traí a raça, espada honesto e sincero.
Pombas,
só quero uma das gurias, e para casar. Guria é força de expressão, gosto mesmo é de mulher feita. Casar? Bem, talvez amigar ou amasiar. Antes havia convidado, à guisa de brincadeira, uma linda de origem alemã, ou seria polaca?, na verdade a loura descende de ucranianos, algo como Muzychuk (nome falso, companheiros, talvez assemelhado, aqui ó que vou entregar pra vocês, ainda não desisti dela), aquela que me deixou trêmulo, febril, natural da Vilinha da
Palmeira, que encontrei lá perto do Clube quando me encaminhava para o Bolicho da Praça. Que coisa, em Palmeira tem todas as nacionalidades, eu mesmo venho de portugueses e espanhóis, mas Ucrânia... meio longinho, tomara que seja descendente de algum libertário da Criméia. Dessa não digo o nome completo para não alertar os gansos, pois farei nova investida, vai que eu pegue na loteria e apareça em Palmeira pintado de ouro, as coisas podem mudar... Insinuei meu interesse
vagamente, dizendo a ela enquanto caía de joelhos, braços abertos: "Case comigo, ó estrela brilhante, pelo amor de Deus!". E arrematei com elogios que não convém aqui reprisar, vez que palavras um tantinho calientes, tipo: "Ai, querida, quero morrer pelado, aos beijos, na mesma cama que você". Ela
abriu aquele sorriso lindo e respondeu: "Nem morta, Sala, já ouvi falar de ti, conheço a tua faminha,
e já me incomodei demais com homem nesta vida". É sempre assim, os outros que aprontam e eu que pago o pato.
Tudo
bem, um a zero para os detratores que me vaiaram, mas hei de virar esse jogo, pois vou acampar
um ano lá no Branco. Meu primo tem cama de casal, geladeira e tudo pra mim num anexo,
mais churrasqueira, fogão à lenha, mesona e tudo no galpão ao lado. Como me disse o Estiga ao me encontrar outro dia: "Tu não perde a cisma, hein, meu? Cachorro ovelheiro se avança até em pelego". Pois é, né. E Branco possui uma artilharia de primeira, só não tem tanque de guerra, mas pelo sim, pelo não, levarei mais uns ferros. Ah, não posso esquecer de contar aquela vez em que o Estiga levou uma cerca de arame nos peitos, na zona.
Aguardem-me. Há décadas a felicidade estava na minha cara e não a vi, porém voltarei para as minhas
origens, abatido, é certo, mas hei de arrumar a minha vida. Só que vou querer ver a certidão de
nascimento da moça, vale as nascidas em cidades vizinhas emancipadas ou não de Palmeira, de Panambi até Frederico.
Eu
ali, paradão na frente do computador, música rolando com Lúcio Cardim, "Matriz ou Filial", e me deu uma coisa. Pensei na Cigana, uma mulher que certa vez me aprontou feio. Remexi num velho baú e achei a corneta roubada do quartel ao dar baixa do
exército em Santo Ângelo, onde lavei muito lombo e pau de cavalo. Na verdade a
ganhei do corneteiro, que era meu amigo, mas foi roubada igual.
Atravessei a sala grande e abri a
porta do quartão. Toquei a corneta a mil às sete da manhã, com "Sentido". As minhas 24 mulheres deram um pulo sentando na camona de miles de metros quadrados, nervosas. O que foi, louco, o que
foi? Mariana de Rosário, a índia da Serra do Caverá, pegou o punhal e se veio pelada de lá: quem foi que
brigou contigo, meu amor?!
Volta pra cama, Mariana, não foi nada, só vou fazer um comunicado. Atenção a
todas: reunião para discutir assuntos graves da nossa família às dez da manhã,
então espero que às cinco para as dez as senhoritas estejam todas na sala
grande, vestidas adequadamente. Pensei em tocar "Calar baioneta" para que elas entendessem a seriedade do caso, mas resolvi deixar para mais tarde. Emiti o toque de "Descansar", dei as costas e fechei a porta.
Ouvi uns sussurros de insubordinação da Frida lá dentro, eu e meus ouvidos de gato: "Pombas, ele podia tocar essa porra de corneta às nove e meia então". Fingi que não ouvi, mas a marquei na paleta.
Voltei pra salinha do computador, enchi o copo de vinho e tornei a rodar Lúcio Cardim: "Quem sou eu, pra ter direitos exclusivos sobre ela...".
Mirem que luxo. Neste
domingo o TRIO das
QUARTAS em vídeo numa rua do Leblon, despreendidos, arrogância e "se achar" não existe em almas boas, superiores. Artistas de rara sensibilidade. Aliás, todos os meus amigos são assim, despreendidos: tocam, cantam, desenham, esculpem, declamam, compõem, atuam, pintam ou escrevem em qualquer lugar. Loucos.
O Trio por regra se apresenta em Copacabana (na rua Tonelero, 153, d), no afamado Carioquês, todas as quartas-feiras à noite.
Os queridos: Cláudia Barcellos, ao
violino, Renato Aroeira no
sax e Kiko Chavez ao
violão, Kiko já meio dentro do bar, ai que sede de um chopinho, tirando notas de desmaiar o passante desavisado. Aroeira, sax doirado (o sax, invenção do belga Adolphe Sax em 1846, emite o som que, em intensidade, mais se assemelha à voz humana), como todos sabemos, também é um dos maiores cartunistas/chargistas e outros bichos do Brasil. A Cláudia, então... bem, o vídeo diz melhor que palavras, essa moça nem precisava ser a virtuose que é, só o seu jeito de ser, o sorriso amigável, vale muitas vidas. Sortudo o Aroeira, seu amor. Pensando bem, sortudos ambos.
No vídeo... "com o auxílio
luxuoso de Cosme Lage, na cuíca... E de um super médico/pandeirista que passou
por lá..."
Fazem isso pra me provocar,
snif, sabem que morro de saudades do Rio. Quem mandou arranjar tanto bolo, tanta filha, tanta namorada, em
Porto Alegre. Bem, saíram à rua, festejar o aniversário do Rio. PS: Vi hoje, 11 de março de 2015, recado do Aroeira lá embaixo, com honra ao mérito: "O médico do Pandeiro é o Doutor Alexandre! Vou encontrá-lo, já descobri amigos comuns." Ou eu que não bato bem, ou é de cinema: Violino, Saxofone, violão, cuíca e pandeiro. Com gente de alta qualidade. Isso dá LP, CD. Foi o que me disse Aroeira ontem, vai sair disco. Oba!