jueves, 29 de octubre de 2015

Eu, Bruno João, no exílio em Porto Alegre

.
Estou ficando velho, mas valeu a pena ter sido amigo de casa da D. Lourdes Rodrigues, a Dama da Canção, bah, e conhecer outros personagens da noite de canções, hinos da boemia, alguns meio de longe porque muito mais velhos, mas me conheciam: Lupicínio, Cléa Ramos, Darcy Alves, Jessé Silva, Peri Cunha, Rubens Santos, Zilá Machado, Mário Barros, Clio Paulo, Azeitona, bah, tantos... Alcides Gonçalves não conheci pessoalmente, mas alguém me disse que ele soube do menino que rondava a noite.

Lá com vinte anos e meio vendo os "coroas" no palco sem perder de vista a Terezinha garçonete de amor, linda, bailando por entre a penumbra das mesas. Jamais me daria bola, sem um vintém no bolso. Mas ela olhava sim para o mocinho duro de grana e desempregado, surgido do nada vestindo uma camisa de mulher, instalado na mesinha de favor.

Sem que eu visse ela via sim, ela que tinha mandado um chope para a noite inteira. Relaxe os músculos do rosto, moço, tu é bonito mas assim fica feio, dizia se abaixando ao passar lá no cantinho escuro.

Ela tinha 25.

Um dia nos acertamos conversando - nada de frescura - num amanhecer sob o arvoredo da Praça Garibaldi ali perto, onde eu morava no banco da praça que dava para o coleginho, ficamos amigos. Era Teresa, mas eu a chamava de Zaíra, devido a uma música que eu gostava tanto, tanto quanto dela. Onde andará aquela guria?

O Chão de Estrelas era na José do Patrô. Inesquecível.

E anos depois o bar "Gente da Noite", com Túlio Piva e Eneida Martins. Meu Deus, eu queria namorar a D. Eneida, vá cantar bem assim lá no catre onde durmo, tinha melhorado, já não morava em banco de praça. Juro que gostaria mesmo, mas não ousaria, até porque aquele foi o puteiro mais sujo em que morei, e ela era uma senhora fina que jamais me olhou.

O tempo passou. Muitos morreram. Deus, essa mentira, não quis que eu morresse, me fez passar horrores, frio e fome, decepções, desencantos, obrigou-me a assistir humanos doentes de cobiça pelo vil metal, me matou amigos e mulheres, mas eu morrer não. 

Se existisse esse Deus o otário pensaria que sou agradecido, ah ah ah... Eu doido para morrer! Sim, mas não pelas mãos de sujeitinhos vulgares, ou ladrões donos de tudo, aí entra o amor próprio.

Com a idade de Cristo, há exatos 30 anos, jurei nunca mais tocar em arma de fogo. Cumpri. Nestes últimos anos fui tentado pelo imaginário Capeta, foi por pouco, mas aguentei, se tiver que matar mais um será novamente de punhal, punhal não jurei. De repente abro da barriga até o pescoço uma meia-dúzia de filhos da puta. 

Este 2015 está conseguindo ser pior do que os 30 anos que passaram. Ando louco para fazer todas as bobagens que deveria ter feito, hoje já teria mandado para o suposto inferno metade dos patifes de Porto Alegre. 

Hei de suportar. Acho que já vivi um pouco. Tem uma síria-espanhola doente mental de ciumenta que diz que me ama, de repente resisto mais um pouco, me seguro na vontade de ir para baixo da terra.

Confesso que andei chorando muito por aí, me arrastando por esta cidade que nunca foi minha.

*


.
;

NA1: Resumo apertado do rascunho de um longo conto, sem final previsto.

NA2: A gravação de Zaíra, entre outras, no youtube foi gentileza de Antônio Augusto dos Santos "Bocaiúva", o mineiro que protege a música popular de todo o Brasil e de além, antes que se percam, e que, já que os porto-alegrenses não o fizeram, eternizou a voz da D. Lourdes na rede mundial com lindas imagens.

NA3: Na imagem da internet é euzinho, sim, para modelo de costas já servi, de frente diziam que era muito feio, em montagem de vá saber quem.

.

viernes, 23 de octubre de 2015

Vou, hoje eu digo que vou

.

Embora resumido o melhor site de MPB que encontrei foi o Dicionário Cravo Albin disponível na rede mundial. Mas o que tem de omissões, erros, é assustador. Achei que era sustentado por verbas públicas, ao menos deveria ser, tal a importância do tema que trata.

Este samba maravilhoso soube por outras fontes que é de Evaldo Gouveia e Jair Amorim, lá no Cravo não tem um pio. E se fosse arrolar aqui as tais omissões e erros, levaria anos. Não culpo o seu Albin, mas alguém anda vacilando, o governo? Verbas? Faltam profissionais que entendam e amem MPB? Estou procurando emprego.

Essa música vai a propósito de uma mulher que me disse que estava produzida para sair para qualquer bar e dar para qualquer um, e que no dia seguinte veio me dizer que tinha bebido, que era mentira. Então tá. Normalmente o Joca aqui tolera três mancadas antes de mandar longe. Nesse tipo de manifestação caio fora na primeira. Pois não foi a primeira vez, de bobo tolerei uma anterior.

Sabia que eu estava compromissado com problemas familiares e sem dinheiro. Se tem algo que conheço desde menino é esse tipo de gente: mulher fácil e raivosa. Como dizia o samba "Me enganei redondamente, com você, ó flor", mas não levou muito tempo não, nem um ano.

Vou matar o marido dela, dar-lhe um defunto fedido e mal-intencionado de presente de Natal, o marido que ela escolheu por identificação moral, agora se matam por causa de alguma grana na repartição dos poucos bens, enquanto penso se o dano que me causou é motivo para mandá-la também para o inferno.

Se tem algo pior que homem bêbedo, caindo pelas tabelas, caindo na rua, resvalando no meio-fio, o último estágio da decadência, da destruição pessoal, é mulher assim ébria, de quebra dando para qualquer vagabundo em qualquer bar. Pela visão masculina, obviamente.

Choro em silêncio, de raiva e de dor.


sábado, 17 de octubre de 2015

Sábado em Copacabana, o ódio e o Correio do Povo

.
Reconsidero o título da postagem. Talvez fosse ganância desmedida em vez de ódio, reflito alguns minutos e concluo que nesse caso essas palavras se confundem, então deixo como está e vou em frente na pequena história.

Sábado pela manhã, o véio Armando e eu no La Maison na esquina da Santa Clara, pés estendidos em cadeiras mirando a Av, Atlântica, lá fora, só de calção, tomando caipirinha e comendo salgadinhos, bem belos, quando assistimos a um atropelamento terrível, uma vovó levando o netinho nenê para encontrar os pais na areia, e pá, um furgão matou os dois, a velhinha atravessou errado. Meu, nunca esqueci aquilo, até hoje me dói ao pensar no casal lá da orla depois. Paralisei de impotência, raiva, foi na nossa frente e nada pudemos fazer. O Véio me puxou: termine a caipirinha e vamos para a água, guri.

Eu já era chefete, mas de fato guri. Não conheço quem não ame o véio Armando Krause, sensacional, como homem e amigo, além de grande profissional.

A tarde seguiu morna, sem vontade. Enchemos a cara depois do mar, na tentativa inútil de esquecer o que tinha se passado às onze da manhã. Fiquei com uma coisa na cabeça, a voz do Graúdo Oristín: "Quem tem muitas não tem nenhuma, Saladinha". Por mim que se explodam.

A gente tinha combinado de à noite ir para o Café Nice dançar, mas a idéia morreu com as mortes.

Bêbedos entramos no Hotel Bandeirantes da Rua Barata Ribeiro ali pela meia-noite, ele foi para o seu quarto e eu para o meu. Abraços, te cuida, meu, te cuida tu também, amanhã é domingo, não fique triste. Sim, vamos pra praia cedo, jogar bola com a negada. O Véio e eu já éramos camaradas do pessoal que joga futebol na areia, a gente entrava um para cada lado, eu prometendo que iria lhe dar um balãozinho.

Do meu apartamento de fundos vislumbrava onde morava a baiana Rosália, num predião da Tonelero, que me amava de amor e luxúria, ui, e, deixa pra lá.

Mal entrei no chuveiro para tirar o sal e tocou o telefone.

- Sim.
- Cabelinho, pegue o primeiro avião amanhã para Porto Alegre, a "***** vai te ligar, já mandei olhar os horários de vôos, está tentando pelo das 19 da Varig.

A gente gostava desse das 19, um luxo, o 737 levava 1:30h no máximo direto Rio-POA, normalmente 1:20h. Ele me chamava de Cabelinho por uma nesga que me caía na testa, cabelo fininho.

- Não quero ir, doutor, não terminei na controiada da Brahma, ainda estou na Cidade, na sede da Skol, e prometi aos diretores da Brahma que volto lá na quarta-feira.

- Mando outro pra Skol, com o pessoal da Brahma já conversei, tu vem para Porto Alegre, terça-feira começaremos auditoria num novo jornal, e quero você chefiando a equipe, pelo menos nesta primeira visita.

- Não vou, Dr. Ah, não, aí não quero ir, se é aquele jornal que estou pensando...

- Estou mandando, vem sim.

Fui no vôo das 19 de domingo. Segunda-feira conversei com os colegas que iriam comigo, a preparação técnica, orientei quem vai fazer isso ou aquilo, depois aquele papo de sempre, evitar opinião pessoal, ser gentil com os funcionários da empresa, se der bronca eu assumo, etc.

Na terça-feira nos encontramos todos na frente da sede do tal outro jornal, às 8 da manhã. Todos sabendo da recomendação, ordem, do doutor querido, ao final da tarde de segunda-feira, quando disse que era proibido citar "Correio do Povo". Eu ri, com saudades do Rio de Janeiro.

Ao entrarmos falei: - Não esqueçam o que o nosso dono falou, é proibido falar em Correio do Povo, tem uns judeus aqui que o odeia, quer quebrá-lo, tem política no meio, vocês sabem onde estamos nos metendo.

Os colegas auditores assentiram, todos sérios.

Entrei na sala de reuniões deles, junto com meus dez auditores, todos homens feitos, com menos de 30 ou beirando os 31 naquela ocasião, eu tinha uns 33, era “guri”. A sala cheia de diretores e gerentalhas, estavam nos esperando, antes de estender a mão ao chefão deles, parei e exclamei para um dos meus:

- Esquecemos de comprar o CORREIO DO POVO! Vai lá na banca e compre, meu colega, por favor.

No outro dia eu estava empernado com a Rosália em Copacabana.

O meu dono fulo comigo em Porto Alegre.

Eles não sossegaram até liquidar com o seu Caldas Júnior.
.
.

Sozinhos em Acapulco

.
Eu mentia a ela que o meu trabalho era cuidar de uma garagem das cinco da tarde até às oito da manhã. De repente virava o turno, eles me telefonavam. Nunca tive hora.

A gente precisava comprar um apartamento, eu queria lhe dar uma vida melhor, melhor que aquela casinha florida que tínhamos no Morro Santana.

Meu negócio era outro, muito diferente, assalto a banco de capuz preto e armas pesadas, não para atirar em alguém, para proteger o cara do maçarico, malditos caixas eletrônicos, rendem pouco, para dividir por vinte, nós e os informantes. Uma merreca.

Tinha dias em que eu inventava viagens, o patrão insistiu, gosta de mim, vou ganhar mais alguma grana, nega. Ficava fora duas semanas.

Sem ela saber, por precaução, de tanto que eu a amava, desde que resolvi ir para o inferno, para junto dos banqueiros, deixava um amigo cuidando de longe pela sua saúde. Ela ia pro coleginho da vila lecionar.

Um dia um dos meus negros a viu muito alegre, na minha ausência, toda fresca para um branco de carrão.

Nesse dia a gente iria entrar com tudo numa agência bancária ali de quem vai para o estádio Olímpico. Ficamos meses cavando o buraco desde o outro lado da rua, emperramos num duto do departamento de águas, aí achamos melhor entrar à luz do dia, mascarados, mais fácil. Entramos.

Eu pensando em três anos antes, quando ela vivia sozinha, uma coitada a quem alimentei, curei as feridas, vesti. Amei.

Matei o gerente quando se meteu a esperto, apertou o botãozinho embaixo, cinco disparos da AK7. Filho da puta, lambe ovo de banqueiro, perdendo a vida pelos assassinos. Eu sabia que o gesto do cara seria inútil, mas atirei igual. Tínhamos tempo e camaradas na polícia que desligaram tudo por acidente naquele momento. Dez minutos.

Deixei a mulher para lá, o trabalho era mais importante. Na hora me prometi: vou ficar quieto por um mês ou dois anos. Quando apaguei o gerentalha eu pensava em enchê-la de roupas lindas, viver um pouco naquela praia maravilhosa, gozando do bom e do melhor, para só depois enforcá-la de madrugada, no bangalô à beira-mar em Acapulco, sabendo o que perdeu. 

Os camaradas me estranharam quando queimei o otário, sabiam que não gosto de morte, mas ninguém ousou me criticar.

Neste golpe, onde recuperei um pouco do que os banqueiros roubam, minha parte foi dois milhões. Com a grana na mão, que um finório depositaria em meu nome lá longe, pensava nela: Ah, querida, vamos para uma praia mexicana.

Cheguei na soleira da casinha lá no cimo do morro e ela correu me abraçando apertado: Ai, Bruno, meu amor, que saudade!


Voltei, negra, tu nem sonha com o que te espera, meu amor, vamos sair do país. Para Acapulco, arrume as trouxas que o avião sai nesta noite.
.