martes, 25 de diciembre de 2018

CHUVAS DE VERÃO


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No Covil II eu morava sozinho, ainda que o apartamento estivesse sempre cheio de mulheres, iam para lá de ninhada, andavam em trajes menores ou nuas pelo ambiente, aquilo eu gostava de ver, não tem nada melhor que ver mulheres despreocupadas, sentindo-se bem, falando em escolher música, fofocando as novidades entre elas, vez em quando de frescuras ou contando histórias picantes. Um dia uma delas, remexendo nos meus discos, botou o Caetano. Eu estava na cozinha abrindo uma cerveja quando a voz dele inundou a moradia:

Podemos ser amigos simplesmente / Coisas do amor nunca mais / Amores do passado, no presente / Repetem velhos temas tão banais / Ressentimentos passam com o vento / São coisas de momento / São chuvas de verão...

Conhecia a letra de cor, assoviava a canção andando pelas ruas nas noites de Porto Alegre, mas só nesse dia descobri, dei-me conta, de que eu era vingativo, pois discordei do autor, o seu Fernando Lobo, pai do Edu Lobo, quando disse que ressentimentos passam com o vento, quis dizer o tempo, em mim não passava. Jamais passaria. Ninguém me faz aquilo e sai impune.

Jurei matar aquela mulher, sabendo que não o faria. Nunca me convidou para ir na sua casa. Talvez por pressão da sua mãe, que queria um bom partido para a filhinha, não um pobre coitado que tinha morado na rua e em cabaré, mas acho que não era a mãe, era ela a leviana, ela que queria aqueles bobalhões brutos e mimados que mal conheciam mulher. Caetano prosseguiu:

Trazer uma aflição dentro do peito / É dar vida a um defeito / Que se extingue com a razão / Estranha no meu peito / Estranha na minha alma ; Agora eu tenho calma / Não te desejo mais...

Mentira, eu a desejava ainda, por amor e de teimoso. Vingativo e teimoso. Queria que morresse e ao mesmo tempo que me amasse.

Podemos ser amigos simplesmente / Amigos, simplesmente / E nada mais.

Jamais seríamos amigos apenas, eu queria tudo dela, a vida dela. A moça não sabia o perigo que corria, lá bem feliz dando para os outros. 

Coloquei de volta a tampinha na cerveja, guardei na geladeira e me servi de um copão de uísque, fui pra sala e disse para as mulheres: quem ainda está de roupa, tire, vamos recomeçar a festa.

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lunes, 24 de diciembre de 2018

Feliz Natal com as mulheres


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Imagem relacionada- Me dá a chave do carro aqui, Helena de Santiago. - Sempre digo o nome e a cidade de onde elas vieram, para não esquecerem onde se deram mal, foram abusadas por riquinhos, e eu as salvei, acolhi com amor, hoje tem casa pra morar e dinheiro no banco.

- Está aqui, é tua, vai sair, Bruno?

- Não, a chave é para comer, o que tu acha?

- Peraí, Bruno, tu está desde manhã rançando com todo mundo, quase jogou a Aline de Ibirité pela sacada, o que está havendo, tu precisa contar pra gente, somos tuas mulheres. - Disse Mariana de Rosário do Sul, minha índia da Serra do Caverá, que amo de amor.

- Eu não tenho que contar nada pra vocês, não devo satisfação pra ninguém, vocês são putas e eu que mando aqui, está pensando o quê, Caverenta?

- Pelo amor de Deus, não brigue, a gente só está preocupada contigo. - Disse Luciana de Viamão caindo de joelhos.

- Tá bom, desculpe, Mariana de Rosário, todas me desculpem, só me irritei com uns troços que não é da conta de vocês, está tudo bem.

A Mariana de Rosário é incorrigível, me faz de gato e sapato, voltou à carga:

- Mas onde tu vai, e pra que sair armado?

- Sempre saio armado, esqueceu, querida? Quando foi para livrar a tua cara tu achou bom. Só vou ali levar uns caras e já volto, não demoro.

E saí, na escada já pisando feito gato...

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Demorei cinco horas, mas levei os quatro para o inferno, dois tiros em cada um, para pegar o último tive que recarregar. Esses fascistas não incomodam mais. Cheguei em casa sorridente, elas respiraram aliviadas. Sem saber elas perderam três clientes violentos que as ameaçaram, machucaram, no cabaré onde trabalham.

- Vão tirando os trapos, mulheres, abram cervejas, vamos comemorar, correu tudo bem, amo vocês, queridas, teremos um Natal Feliz!

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domingo, 23 de diciembre de 2018

COLEGAS SE ENTENDEM

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- Alô, quero falar com o dono.
- Não é possível agora, senhor.
- Como não é possível? Ele morreu?
- Não, é que nesta madrugada a nossa empresa foi assaltada e tá uma confusão.
- Nossa empresa? Tu também é dona?
- Não, sou telefonista, só trabalho aqui.
- Entendi, escrava. Aqui é o chefe dos assaltantes, me passe a porra do dono.
- Sim senhor.
- Alô, é o dono dessa fábrica de merda? Aqui é o Castilhos, chefe dos caras que te assaltaram o cofre.
- Pois não, seu Castilhos...
- Seguinte, malandro: peguei trezentos mil reais gelol, mais uns cinquenta mil dólares, mas vieram umas coisinhas do cofre que não me interessam.
- Sim, notei a falta...
- Te devolvo os documas e gravações se tu tirar os ratos da minha cola, ou tu vai pra cadeia, li tudo aquilo, ouvi, assisti... Eu pego cinco anos, tu trinta. E em dois dias tu morre na penitenciária, sabe como é, os caras lá são meus.
- Concordo com o senhor, Sr. Castilhos, um gesto muito elegante de sua parte me telefonar.
- Feito, vou fazer cópia de tudo e te devolvo os originais, em troca de uma modesta quantia mensal, não demora outro cara vai fazer contato.
- Muito obrigado, Sr. Castilhos.
- Para de me chamar de senhor, bundão. Ah, tem outra coisa, gostei de um fogão industrial aí na tua fábrica, mas não tinha como roubar, muito grande, pesado, só fui pegar o cofre, tu me entende, né?
- Claro que compreendo.
- Tu me dá um de presente?
- Com muito prazer lhe darei, Sr., ahn, amigo Castilhos.
- Tá, alguém vai passar aí pegar na semana que vem, deixe pronto, ou mando dizer o local de entrega, tu manda entregar. Ah, e diga aos ratos que o assalto foi coisa do mbl. Abraço.
- Abração.
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miércoles, 5 de diciembre de 2018

ABOLERADO NO INPS DE KOYZOS

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Tenho 66 anos. Há um ano poderia ter requerido aposentadoria por idade, mas, como sempre odiei o sistema estatal, passei em concursos e não assumi, só fiz pra testar, montes de ladrões e covardes nas situações que vi, essa raça conheço dos puteiros, não fui pedir.

Aí fiquei duro, vivendo, comprando cigarro e comendo pelo desprendimento de duas almas boas que me emprestaram algum, homem não seria, esses amigos cagados, deixa pra lá. Eu precisava de tempo, ainda preciso, para terminar alguns livros.

As mulheres, queridas e mais práticas do que eu, me encheram a cabeça: vai lá e peça a maldita aposentadoria por idade. Por idade porque trabalhei muito tempo sem carteira assinada, tenho só uns 25 anos de contribuições. Disseram que eles levam em conta o quanto o cara ganhava, e no meu último emprego por dentro era mais de 50 mil por mês. A Dora ganhava uns 80 no Estadão, mas tinha que apanhar do ministro, porrada e mijo na cara; eu, não, negos, comigo eles saiam num cortado para não morrerem, filhos da puta. 

Esta mania de ir mudando de assunto ainda vai dar morte. Continuando: de repente vão te pagar mais do que um salário mínimo, disseram elas.

Hoje obedeci as mulheres, elas diziam que eu iria buscar o meu, não é favor nenhum, vai lá. Fui no INPS, sei que aquela merda é INSS mas gosto de dizer INPS devido a letra de um bolero do poeta Aldir Blanc.

Avenida Bento Gonçalves, 867.  O expediente é só até às 13 horas. Na portaria dois guardas, A porta central fechada. Uma volta imensa com subida para entrar por trás, para mim fácil, para os aleijados uma penúria. Fui lá. Tirar a chave do bolso para passar na porta eletrônica, cinco guardas espalhados por ali.

Perguntei ao guarda da entrada onde é o setor de Informações. Ele indicou com o nariz  aquela imensa fila, que ia daqui até o Japão. Insisti, só o de Informações. Tudo é ali, ele respondeu de má vontade, como se me fizesse um favor.

Andei, andei, e entrei no fim da fila. Fiquei meia hora na fila, que não andava, e emputeci pelo que vi, estarrecido custei a crer. Gritei: Está faltando homem nesta merda aqui! Essa senhora ali requer atendimento especial, não numa fila fodida como esta. Muitas vozes se elevaram em apoio. Palavrões e palavrões, uma nega que se disse avó disse cada um... filhos da puta era elogio.

Eu estava vendo: velhas, velhos, amparados em muletas, umas de pau mesmo, outras dessas modernas, metálicas de encaixar nos braços. Mal se equilibrando uma senhora gritou: estou aqui há uma hora e meia, moço! Para me chamar de moço imaginem a idade dela. Outros saltaram: eu vim buscar o resultado da perícia, outra dizendo que desde março não liberam a sua aposentaria. O cara da minha frente mostrou os braços, roxos por dentro, derrame de veias horrível, também indo perguntar sobre a perícia, este me contou, e a todos, umas coisinhas sobre a Polícia Federal, a ala podre, o velho DOPS, se o coitado reclama, eles chamam os torturadores.

Oito guardas fardados, e somente dois funcionários para atender todo mundo. Falta diretor naquele cabaré, falta homem, falta-lhes vergonha na cara. Pensei nas malas do Geddel, do Aécio, enquanto covardes, levianos, falam mal do Lula, preso político.

Qualquer moleque sem estudo saberia que tem que botar um funcionário humilde, vai ganhar pouco, numa mesinha para Informações. Outro no setor de Perícias, outro no setor de Acompanhamento de velhuras, outros no de buceta, outros na puta que os pariu, mas aquilo que estão fazendo com todos, inclusive e principalmente com pessoas com deficiência, não parece apenas incompetência: parece maldade.

Dei um discurso para eles e caí fora. Os dois pobres funcionários, eu vi que faziam o que podiam, devem chegar em casa aos pedaços ao final do expediente. Eu perguntei quem era o diretor do cabaré. O guarda me olhou feio, devolvi um olhar mais feio ainda, o otário que tente pra ver o futuro de sete palmos.

Amanhã voltarei lá, armado e com vinte negos me cuidando as costas. Filhos da puta. O ministro dessa nojeira mal administrada tem nome, mora onde, é de que partido? Logo saberei.

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