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No Covil II eu morava
sozinho, ainda que o apartamento estivesse sempre cheio de mulheres, iam para
lá de ninhada, andavam em trajes menores ou nuas pelo ambiente, aquilo eu
gostava de ver, não tem nada melhor que ver mulheres despreocupadas, sentindo-se
bem, falando em escolher música, fofocando as novidades entre elas, vez em
quando de frescuras ou contando histórias picantes. Um dia uma delas, remexendo
nos meus discos, botou o Caetano. Eu estava na cozinha abrindo uma cerveja
quando a voz dele inundou a moradia:
Podemos ser amigos simplesmente /
Coisas do amor nunca mais / Amores do passado, no presente / Repetem velhos
temas tão banais / Ressentimentos passam com o vento / São coisas de momento /
São chuvas de verão...
Conhecia a letra de cor, assoviava
a canção andando pelas ruas nas noites de Porto Alegre, mas só nesse dia
descobri, dei-me conta, de que eu era vingativo, pois discordei do autor, o seu
Fernando Lobo, pai do Edu Lobo, quando disse que ressentimentos passam com o
vento, quis dizer o tempo, em mim não passava. Jamais passaria. Ninguém me faz
aquilo e sai impune.
Jurei matar aquela mulher,
sabendo que não o faria. Nunca me convidou para ir na sua casa. Talvez por
pressão da sua mãe, que queria um bom partido para a filhinha, não um pobre coitado
que tinha morado na rua e em cabaré, mas acho que não era a mãe, era ela a
leviana, ela que queria aqueles bobalhões brutos e mimados que mal conheciam
mulher. Caetano prosseguiu:
Trazer uma aflição dentro do
peito / É dar vida a um defeito / Que se extingue com a razão / Estranha no meu
peito / Estranha na minha alma ; Agora eu tenho calma / Não te desejo mais...
Mentira, eu a desejava ainda, por
amor e de teimoso. Vingativo e teimoso. Queria que morresse e ao mesmo tempo
que me amasse.
Podemos ser amigos simplesmente /
Amigos, simplesmente / E nada mais.
Jamais seríamos amigos apenas, eu
queria tudo dela, a vida dela. A moça não sabia o perigo que corria, lá bem
feliz dando para os outros.
Coloquei de volta a tampinha na cerveja, guardei na
geladeira e me servi de um copão de uísque, fui pra sala e disse para as
mulheres: quem ainda está de roupa, tire, vamos recomeçar a festa.
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