miércoles, 31 de diciembre de 2014

O maior elogio

;
Hoje fiz amizade com um monte de gente boa no facebook. Agora, pelas tantas, me referindo à Maria Lúcia, me escapou a expressão: "É das nossas!". Como as demais amigas e amigos.

Isso me fez lembrar de algo, uma história que gosto de contar, quando me sinto bem na foto, já contei muitas vezes, pois tem a ver com o maior elogio que recebi em toda a minha vida.

A Dora e mais um caminhão de jornalistas, todas mulheres de diversos órgãos de difusão (JB, Globo News, Band, etc.) e eu estávamos no bar Carpe Diem, em Brasília. Eu tinha vôo para Porto Alegre na noite do dia seguinte. 

Desde o meio-dia daquele sábado, eu de chapéu bogart a meio-nariz e brabo por alguma razão que não vem ao caso, tanto que os machos que entravam no bar eu mandava sentar no outro lado, de costas pra mim: não quero ver as suas caras. Eu armado era um perigo, o 38 longo me pesava no casaco, ainda bem que eles sentiram o drama.

Bom, fomos indo, declamamos Mário Quintana, teimei com as trinta onças em mesas emendadas que o Nei Lisboa dava de dez a zero naquele viado (o viado era o Caetano Veloso), caiu a tarde, anoiteceu, se não eram do seu Quintana ficaram sendo os límpidos versos: "Ó senhora minha, eu vos peço, permitais, que eu bote aquele com que mijo, naquela com que vós mijais", e dê-lhe chope e salgadinhos, eu não comi nada, tava de cantoria e de olho nas pernas da Carmen, que pernas!, e nos peitos e bocas de todas, lindas, amorosas, pensando é hoje que durmo com trinta, e à meia-noite o bar se entregou, quebramos o estoque.

Tava todo mundo bêbedo mesmo, vamos embora. Aí elas se reuniram e ficaram de fofoquinha no outro lado das mesas, eu aqui sem saber do que falavam, dava uma conferida na conta quilométrica com um olho (não me deixaram pagar nem um pila), o outro preso num abobado que lá de longe inventou de ficar de frente, a ordem era pra ficar de costas ou não olhar pra cá, pra mim e as trinta mulheres.

Terminaram a confabulação e a Carmen K., aquela escultura de linda, pediu a palavra para falar em nome de todas, putz, discurso a esta hora, pensei. Que nada, foi breve:

- Gaúcho, depois de horas de papo, poesia, contos, músicas, decidimos que tu tem casa e comida quando voltares a Brasília, nada de ir para hotel, pois...

TU É DAS NOSSAS! E explodiram em gritos e aplausos, ui, gritinhos femininos de prazer.

Não morri de emoção porque Deus é grande.

Jamais receberei elogio assim espontâneo, carinhoso: "Tu é das nossas!". Fiquei pensando que precisaria de uns noventa dias, três na casa de cada uma, voltaria para Porto Alegre tísico. Que voltaria nada, ficaria por lá mesmo, arranjaria uma casa grande onde todos poderíamos morar juntos.


Fiquei sonhando acordado, foi o que salvou a vida do abobado, que aplaudiu sério lá de longe, evitando olhar direto pra mim.

*

martes, 30 de diciembre de 2014

Vou para Cuba

.
Antes pedi com muita educação no facebook, no DÁ UM TEMPO, CAMARADA, para o pessoal esquecer eleições perdidas, hoje é Natal, aniversário de Jesus Cristo, como convencionamos. Mas não adianta, tem gente que só dando de punhal. Antes de excluir, sigo educado e conto meus planinhos imediatos, coisas simples, com grana mais ou menos segurada, pois ainda não peguei na Mega (pegarei em 31 de dezembro, ou não, os planos não mudarão).

Pretendo em janeiro subir até o Rio de Janeiro, morro de saudades do mar do Leme, como do boteco do Antônio ali no calçadão, vou para a água furar onda e na volta tem sorrisos e caipirinha pronta. Numa quarta-feira entrarei, roupa leve e chapéu, no bar Carioquês, ouvir e aplaudir saxofone, violino e violão, com Renato AroeiraCláudia Barcellos e Kiko Chavez

A baiana Rosália não mora mais na Tonelero, mas passarei em frente de onde morava e atirarei um beijo in memorian, ela faleceu em 2003 num acidente. Meu Deus, a Rosália quase me matou de tão bom, um vulcão que não sossegava no apagar da vela, e assinava suas cartas e bilhetes de amor com "lia", antes um desenho de mão própria ou uma foto de uma rosa, rosa mesmo, rosada.

Dar um abraço no Nani, a quem devo capa e ilustrações do meu último livro. Um abraço também em Marlene Robin, amiga da minha terra, um show de pessoa, doce, finíssima de cultura em qualquer área do conhecimento humano.

Passarei no hotel Bandeirantes (tomara ainda exista, acho que sim), da Barata Ribeiro quase com Santa Clara, e abraçarei a turma, companheiros de cervejadas e risos. Morei lá meio ano por ano por muitos anos. 

Sairei nas bandas de fim de tarde, latinha de cerveja na mão, no samba. Vou me grudar com alguma carioca, mineira ou capixaba, ou marciana, agora estou mais velho, quero para casar, não é apenas o corpo mas também diálogo e companhia.

Na maior parte do tempo não desgrudarei da mana Lourdinha, que mora no Leme (aí Maria Landi). Assistirei e aplaudirei Gabriel da Muda e Moacyr Luz E Samba Do Trabalhador, se der no jeito enxugarei algumas cervejas com eles.

Levarei um lero com a maluca da Sindia Santos, temos o que conversar, ela é amigona de primeira qualidade.

Tirarei fotinho com Camila Costa depois do seu show, um recuerdo. O mesmo outro dia com o pessoal do Sururu na Roda, com Nilze e Silvio. Assistirei ao Michael Arce e sua gaita de boca. O Michael Arce é jovem, mas é o amigo artista mais antigo que tenho, vem do extinto Orkut, por onde tivemos boas conversas, ele é sensacional.

Tanto por fazer no Rio, até lá lembrarei de pessoas que agora me fogem.

Também vou aproveitar para resolver uns quinze probleminhas de paternidade que tenho em Botafogo, Flamengo e na cidade de Itaguaí, ali depois de Santa Cruz, onde tenho só um. Assumo.

Depois de umas três semanas assim, vou para Cuba. Eu livre, libre! Se tiver me acertado com a marciana, carioca ou sei lá, ela irá junto.

Vou sim, tomar trago no Centro histórico, ouvir aquelas músicas maravilhosas e, se der no jeito, me empernar com uma cubana que dá duas de mim, vem, negra louca, assim.

No Galeão sei que encontrarei filas imensas de pessoas que vão curtir o Pateta, ou o Miquei (nem sei escrever isto) em Miami.

Passarei por eles sem olhar, respeitando as suas escolhas, com o pensamento firme na minha felicidade. 

Ah, Havana, enfim.



lunes, 29 de diciembre de 2014

Dormindo com a Teca e com a Guacyra

.
Ontem, antes de sair pra rua, pedi pras "de maior" de idade não casarem na festa até eu chegar. Quem me dera uminha tivesse me ouvido.

Nequinhas, quando cheguei no xópin Olaria só tinha o garçom afeminado me olhando com zoinho número oito. Mandei-o tomar, bem, mandei-o comprar pitanga na venda da sua avó e aguentei firme, o papo em comemoração ao niver da Mareu estava bom, com Juliana MesomoAlex Moraes, Veruschka (mãe da aniversariante) e a própria Maria Eugênia De Abreu Ferreira

Mesa de cinco, champanhe rolando, aquele monte de mulher nas mesas em torno, todas nas mãos dos outros, de repente as esqueci, assunto não falta pra gente em ambiente assim tão bom entre amigos de longa data, Ju, Alex e Mareu ali por 25/26 anos, Verinha e eu com um pouco mais, digamos uns 33.

A meu pedido Alex falou sobre o que pretende em seu trabalho de conclusão de doutorado em Buenos Ayres, será um tema fixado no Uruguay, mas que abala todo o hemisfério. Ele falou dez ou quinze minutos - o gauchinho é bem falante, e poeta (um dos mais acessados deste blog) -, por mim ficaria o ouvindo até o amanhecer, dali saem riquezas mesmo que seja muito moço, que, vivo deste e mundos mis, sabe que anda se procurando, homem de valor se conhece desde criança. As gurias riam muito, o que faz o champanhe... pero também riquíssimas de tudo, alma primeiro. 

Ali pelas duas da matina trocamos de bar, acabamos num que só tinha negão armário, e umas armárias. Deixa assim. Noite feliz pelos meus, tanta conversa boa, confidências.

Às quatro voltei pra casa abatido, dormir sozinho é fogo, e dormi com a voz da Terezinha João, a Teca, ai me abrace, me aperte, rubia. Em sonhos agitados a ouvindo cantar. Sonhos que voltavam a meados de 1970.

Eu era apaixonado pela Teca, desde aqui do frio deste fim de mundo, saindo cedo de sapato furado sob chuva fina pela rua José do Patrocínio, congelado e com fome, meu Deus, que frio, e aquele vento cortante, vestindo uma blusa de mulher, da única alma que se dispôs a me emprestar um pano sem que eu pedisse, lãzinha que não segurava nada. Caminhando apressado para chegar cedo na fila de arranjar emprego imaginava a "russa", em vez de pensar holandesa pensava russa, culpa de livros, só rindo, né, ela bem bela lá na praia no calor de Recife, biquini, sorriso aberto, felicidade, lá na Boa Viagem sem tubarão que conheci muito, muito tempo depois.

E dormi com um clássico do cancioneiro popular revoando na cabeça. GUACIRA, de 1933, autoria dos espetaculares Joracy Camargo e Hekel Tavares. Desde os escritos originais é Guacira, embora muitos denominem Guacyra, não importa.

Joracy, letrista, cronista e dramaturgo (autor da peça teatral de domínio planetário "Deus Lhe Pague", entre tantas). Hekel, pianista, compositor, arranjador e regente.

Teca acompanhada do mestre Heraldo do Monte, no célebre LP que gravaram.

Dormi com elas, Teca e Guacyra, num sono agitado, despertei logo, aos gritos, suando, pois na verdade em sonhos eu estava...

Pensando em ti.

.

domingo, 28 de diciembre de 2014

A Ovelha

.
Nobres amigos deste gaúcho blog

Sei que no Ano Novo a tradição é esturricar um porcolino, de preferência um dos americanos: Cícero, Heitor ou Prático, já que pegar um americano porcão fardado é mais complicado, são horríveis, têm gosto ruim e... deixa pra lá.

Pero estou considerando mesmo é pendurar uma oveia na arve do fundo de casa, ela lá, linda, de cabeça pra baixo, a gente degola e apara o sangue na gamela, cosa más buena. O ritual é sagrado, com respeito ao animal, mas não espero que alguém de fora do pampa entenda.

Como falei outro dia quando a gauchada se foi para Marte, a oveinha querida ainda se mexendo e a gente risca os garrão com a faca e vai descendo, pra tirar o couro, depois estaqueia que dá um senhor pelego pro inverno.

Limpa o bicho, a cachorrada terá comida fresca, e o bom vai pro espeto sem sal grosso, a salgadura virá com um galho da mesma arve ensopado em salmoura, até guanxuma serve, com batidinhas no bichinho já dourando.

Aí minhas mulheres, exceto Mariana de Rosário, a índia da Serra do Caverá que me ajuda em tudo, esta já se escalando pra assar a cabeça da oveia enterrada, pera, isso tem que explicar ainda que por alto: corta a cabecinha da oveia, já peladinha, mas deixa com zóio e tudo, dá uma temperada ao gosto e enrola em folha de bananeira, hoje tem papel ourinho que não é igual mas serve, aí mete no buraco onde antes já tacou fogo pra esquentar, e cobre de terra. Aí acende um fogo de lenha em cima, pá, cabeça delícia ao cabo de algumas horas. 

Bueno, as outras muiés viram Mariana e eu de combinação, espiaram o que estou escrevendo e aí fedeu: me chamaram de sanguinário, bandido e outras coisas impublicáveis, menos de corno, que não são locas.

Tudo bem, tudo bem! Chega! Pronto, esqueço a oveia!

Fico com o Cícero mesmo, à moda portuguesa, esturricado com frutas, firmei o cabo da minha adaga missioneira e olhei pro porquitinho que andava bem feliz pelo pátio.
.



viernes, 19 de diciembre de 2014

Gatolino é um mão de gato

.
Tem algo errado aqui em casa. Saí às cinco da manhã buscar as mulheres no trabalho. Viemos em seis táxis, elas tomaram seu suco de couve com laranja, e casca de maçã, gengibre, uma guarapa. Tomei um pouco daquela droga. Depois comeram os sanduíches naturais que também deixei na mão. Mato-me trabalhando por elas, e ainda tenho que ficar fiscalizando aquela negra gostosa, gostosa nada, um terror de boa, que vem tirar o pó e lavar o chão do apartamento, de quatro com aquela bunda chacoalhando, roupinha diminuta e me olhando com ar de..., deixa pra lá. Homem sofre.

Dormiram, as tadinhas, cansadas de uma noite trabalhosa na boate. Botei um bolero no som e contei a grana que deixaram em cima da mesa da sala. Doze mil. Cada uma, em média, ganhou quinhentos paus. Uma miséria, mas pra fim de ano tá bom. Separo os mil e duzentos delas, os 10% de suas pequenas despesas, camisinha, batom, calcinha, e embolso o restinho que é meu, nosso, mas sou o responsável, depois vou depositar na poupança da CEF, em nossos nomes, 25 pessoas, mas que só eu posso tirar a grana, tá lá escrito na ficha, ninguém toca, só eu, sou de confiança. Na verdade ta só no meu nome, mas para não deixá-las nervosas outro dia eu trouxe umas fichas de papelaria e mandei que assinassem, dizendo que era da Caixa.

Tudo certinho até aqui.

Aí procuro a garrafa de uísque que ganhei de presente de uma amigona, de aniversário (meu Deus, preciso retribuir, me esqueço das pessoas que lembram de mim), um Ballantine's de cinema, uns 120 anos de idade, eu com água na boca. Nada. Achei a caixa linda que lhe servia de embalagem embaixo do sofá na salinha dos computadores.
Meia hora me batendo atrás e achei o casco atirado no piso da sacada, atrás da minha plantinha "Comigo Ninguém Pode" que carrego há anos, deixo tudo, roupas, cacos, mas ela nunca, vai junto. O casco vazio, claro.

Como as mulheres não bebem uísque concluo que foi o Gatolino que bebeu. Esse gatinho me paga: a Academia de Samba Praiana terá tamborim novo, natural, no carnaval. Ano passado ele se salvou por um triz, as mulheres entraram numa de que eu que fiz algo, e não ele, mas desta vez será diferente.

Peguei minha adaga missioneira e saí atrás dele, rosnando hoje te pego seu fiadaputa, vasculhei o apartamento, e quem acha? Sumiu, tu chama e nada, culpado é assim.

Que vida. Homem sofre. Vou tomar uma vodka com guaraná, é o que tem.

*

jueves, 18 de diciembre de 2014

O atrevimento

.

Eu cuido da minha vida. Nunca menti, depois que errei com uma moça, eu era muito novinho, não sabia o que fazer e estava em boca de rua. Passaram-se muitos anos, até que.

Todos ao meu redor, em 1999, falando que a mulher não era boa coisa. Sussurravam pelas costas dela, só porque a gente tinha se separado, que era vagaba, que dois meses depois arranjou um namorado zécu sem mundo que nem um pedaço de mim poderia ter.

Um dia estourei, reuni todo mundo, a pretexto de comemorar o meu aniversário, a casa cheia de amigos e amigas, e esclareci: "Quem morou em puteiro fui eu, quem é boêmio sou eu, o tarado sou eu, quem não tem hora pra chegar em casa sou eu, quem a orientou a arranjar um namorado singelo fui eu. De todos nós aqui, quem pegou em arma quando preciso fui eu. De todos aqui, eu optei por não ficar rico, pois só ladrão fica rico, odeio ladrões - alguns de vocês aqui, gerentalhas de bancos, auditores, comerciantes, industriais, sonegadores, se enquadram entre os que eu gostaria de matar de tanto nojo que sinto. 

Ela não queria a separação, chorou durante dias e noites a fio, mas não dava certo, cabeça de criação fechada demais, trauma, sei lá, e eu não queria ser prisioneiro da limitação alheia.

EU SOU O CULPADO, se é que há algum culpado que essas cabecinhas de barata procuram. Não há culpados, mas se tiver algum SOU EU! Prejudiquei alguém? Desrespeitei alguém, assediei as puritanas senhoras de alguém? Machuquei alguém? Não. Vão me prender por isso, pelo que não fiz?

Pronto. Agora se sumam da minha frente."

E acabou ali a festa de aniversário. Troquei tudo, adeus amigos de orelhas longas e visão curta. Burros não pelas suas escolhas, mas pelo atrevimento de julgar seus semelhantes, de vir com opinião formada sobre o que não conhecem.

Segui a minha vida, agora de coração leve, aquilo estava me pesando. Na mesma noite voltei pra casa com três mulheres, ai que felicidade, dormimos todos juntos, sem frescura, todos aos beijos. Não deve ter faltado um bolsonaro¹ para chamá-las, às três, de mulheres "fáceis", papo de robô que não conhece mulher.

Não existe mulher "fácil", camarada, quando se tem boa intenção, isso independe de escolaridade, vida em comum é outro mundo, como não existe homem "fácil". Somos seres humanos apenas, que se acertam ou não se acertam de amor e opções de vida. E não é a grito, muito menos as chamando de vagabundas, é que haverá entendimento.

*

PS¹: bolsonaro - Referência a um deputado federal brasileiro famoso por ser homofóbico, racista, destemperado, defensor da cruel ditadura do Cone Sul.

jueves, 4 de diciembre de 2014

A dama de Copas que o Chitão me deu

.
Seis da manhã e eu finalmente saí pifado no ligeirinho. Noite de terror, só perdi, o nego Chitão me olhava desconsolado do outro lado da mesa, saiu mal, e oito caras berrando e subindo a parada, sete deles de cumpa, imaginando que a gente não soubesse. Joguei tudo o que tinha, e olhei sério pro nego Chita, como quem diz azar, calça de veludo ou bunda de fora. Ele também foi com tudo, sabendo que estava perdido, mas para me ajudar.

Eu também de certa forma mancomunado com o Chitão, visto que eles mal disfarçavam o seu ajuste, levando a gente para bobo, mas só olhares para saber quem saiu bem ou mal, se descartamos por cima ou por baixo. Se ele ergue os olhos descarto um rei e ele bate. Mas nessa ele tinha saído com oito cartas loucas.

Ligeirinho é o pôquer brasileiro, para quem não sabe: oito cartas, vence com dois jogos feitos e um projeto. Os jogos podem ser trinca ou sequência, mas as duas restantes precisam ser sequência, ainda que com furo. Tipo um oito e um dez de espadas. Sem furo vale igual, um três e um quatro de paus mata.

Levantei as cartas e vi trinca de ases e sequência de copas da sete ao nove.

As duas fatais eram um par de valetes, copas e paus. Qualquer uma que caísse perto destas, do mesmo naipe, eu levaria aquele caminhão de dinheiro.

O quê, nega Zilda?
Me chamam de lá, depois continuo, vou trabalhar.
Pronto, levei meia hora mas acalmei a onça.

Continuando. Guri vivido, sabia que se eu saí pifado eles também, embaralharam mal contando com estatística, eu saindo bem contra oito (o Chita era meu, chegamos juntos) eles teriam mais chances de abrir antes. Levantei os olhos para o Chitão, mas não muito, torcendo para que ele entendesse que eu queria um nove (um de copas já queimado na minha mão), dez, dama ou rei de copas ou paus, ele deveria vir por cima ao descartar, mas nunca espadas e ouro. O seis de copas também serviria, pois me livraria o nove. Ele foi o único que saiu mal, e o provável é que viesse das mãos dele a morte ou a sorte, todos sabiam, pois soltou um palavrão ao abrir suas cartas.

Passei a mão no meu coração. Esperava paus, Chita me conhecia bem, coração é copas e pau-ferro.

Chitão pensou, pensou, uma eternidade, isso recém na segunda volta de compra e descarte... e atirou na mesa uma dama de copas, que casou com meu intrépido valete. O cara à minha direita gritou saí, ganhei!, quando então joguei minhas cartas na mesa: Saí eu, pela ordem, seu, pela direita. E levei aquele montão de cédulas.

Dividimos a grana lá fora, já longe. Iríamos festejar, ainda que sete da matina, mas antes cada um foi para a sua casa deixar o dinheiro, voltamos com pouco, e subimos para o cabaré da dona Bastiana. Eu de bobo, não comia ninguém, muito piá tímido, mas ouviria música olhando para as mulheres da vida, lindas, felizes com a gente pagando cerveja, elas com roupinhas leves que batiam milímetros acima dos bicos dos peitos.


-o-