sábado, 29 de enero de 2011

JACOB!

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Jacob do Bandolim (Jacob Pick Bittencourt - Rio de Janeiro, 14/02/1918 - 13/08/1969), músico, compositor e bandolinista, uma glória nacional.

Jacob atualmente é conhecido do grande público pelo espetáculo no Teatro João Caetano em 1968, com a divina Elizeth Cardoso, Época de Ouro e Zimbo Trio, que resultou num álbum com dois LP's, na época com edição limitada, mas com reedições posteriores.

Sobre esse espetáculo, diz Hermínio Bello de Carvalho, seu produtor: "Eu me lembro que quando o concerto chegou ao final, o público uivava. Foi uma coisa muito emocionante, eu atrás do palco me senti agarrado pelo Sérgio (“entra no palco, papai está chamando”) — e eu ouvia o vozeirão de Jacob me chamando para receber junto deles os aplausos, a verdadeira ovação que o público, de pé, tributava a ele, a Elizeth, ao pessoal do Zimbo e do Época de Ouro”.
Difícil achar quem nunca ouviu a Divina exclamar, lá pelas tantas em "Barracão" (Luís Antonio - Oldemar Magalhães): Dá-lhe, Jacob...



Se essa participação imortalizou-o junto ao grande público, já em círculos musicais Jacob está sempre presente, adorado por artistas de todas as tendências.

Nunca consegui andar pela noite do Rio de Janeiro sem lembrar do seu choro "Noites Cariocas". Um arraso.


Entre tantas histórias, vai uma.

Na década de 60, levado por alguém, o concertista (piano) russo Sergei Dorenski, então professor do Conservatório Tchaikovsky, esteve em Jacarepaguá, assistindo aos saraus na casa de Jacob. Acabou tocando também. Ao voltar para a Rússia, lá encontrou Arthur Moreira Lima, estudante de piano em Moscou, e lhe contou o que havia vivido e presenciado. Arthur então se comprometeu a lhe conseguir discos de Jacob. Dito e feito: em poucos meses a Rádio Moscou transmitia programas sobre um gênero desconhecido e distante, o Choro, apresentando um virtuoso intérprete, que tirava sons incríveis de um instrumento que lembrava a balalaika, espécie de bandolim russo, de nome complicado de se pronunciar - Jacob do Bandolim.

Morreu aos 51 anos, depois de passar uma tarde em Ramos, numa boa com Pixinguinha. Chegou em casa esbaforido e caiu sem vida nos braços da mulher. Coração muito sensível.
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01/02/2011: "BRASÍLIA - O senador José Sarney (PMDB-AP) será reeleito hoje, terça-feira, para seu quarto mandato como presidente do Senado, com apoio de todos os partidos da Casa, exceto o PSOL, que decidiu lançar candidatura própria ..."


Lampedusa colocou na boca do ocioso Príncipe Fabrizio Salina a legendária frase: “É preciso que alguma coisa mude para que tudo fique como está”. Créditos para a "esquerda" brasileira, com a exceção noticiada, pela náusea do século XIX que nos invade.

viernes, 28 de enero de 2011

De Cabinda a Cunene

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Nos próximos dias Miquirina Segundo parte para Angola, desfrutar de suas merecidas férias.

Ah, Angola, por alguma razão andamos muito tempo enrabichados por lá, o que se pode perceber pelo vídeo que escolhemos para desejar felicidades a Miquirina.
Enrabichado pelas praias, claro, a Ilha.

Olhe, ouça, e relembre o que o espera, compañero Miqui. 

O saxofonista é Nanutu (António Manuel Fernandes - Luanda, 03/09/1966). Um arraso.

A música "Cabinda a Cunene", cujo título é como se dizer do "Oiapoque ao Chuí" para os brasileiros, é uma mistura de semba cadenciado com o compá antilhano, dos Irmãos Mendes de Cabo Verde. O semba angolano, como todos sabemos, partilha raízes com o samba e significa "umbigada".

Após o som, vai as bem traçadas do formidável poeta José Sousa (Penacova, Portugal, angolano de corpo e alma), que acaba na última parada de Miquirina em sua viagem.


Por ter ido ao Kwanza Norte
Me enchi de tanta sorte.

Bebi água do Bengo
Agora sou mulherengo.

A mulher de Benguela
Não há outra como ela.

Na província do Bié
Uma mossa me fez café.

Tomando o pau de Cabinda
O pénis arrebita ainda.

Eu vivi no Kwanza Sul
Onde o céu era mais azul.

Tive uma paixão no Cunene
Ela se chamava “Suzene”.

Da cidade do Huambo
Saí e fui ao Lubango.

Entre a savana da Huíla
Vimos um grande Gorila.

Na capital Luanda
Andei por toda a banda.

Com amigos em Luanda Norte
Ao lado deles me senti forte.

Também fui a Luanda Sul
E comprei lá um bule.

Na noite quente de Malanje
Vi dançar um Quinganje.

Também tive de ir ao Moxico
Para ver o meu avô Chico.

Nas farras de Namibe
Todos dançavam o Caribe.

Um dos meus amigos do Uíge
Tinha o nome de Caníge.

Passando pelo Zaire
Me ofereceram lá um Xaile.

E até ao Kuando Kubango
Eu ia de vez em quando.



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miércoles, 26 de enero de 2011

Saigon

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Domingo passado, quando falamos que Carlito Yanés foi o churrasqueiro, dissemos também que ele vinha de uma briguinha com Juliana Betsabé.

De fato. O desentendimento deu-se em duas partes. Na primeira, sabendo que a Ju é um tantinho intempestiva, alguém inventou de contar a ela que Carlito foi visto de lero com La Griega, uma pintora uruguaia nascida em Atenas, uma ex..., ahn, ex-namorada dele.

Pronto, armou-se a tempestade. Ju se aborreceu e deu uma estragadinha no doce lar. Na verdade um velho apartamento que lhe servia também de atelier, num local da cidade onde os capangas de Mr. F. Febraban jamais os encontrariam. Depois juntou as suas roupas, seus livros de filosofia, os pincéis e as telas e se mandou para Havana.
Miquirina Segundo viu e fotografou um pedaço.


A segunda parte: Carlito chega em casa tranquilamente e dá de cara com a bela cena. Eletrodomésticos,  tevê, som, etc, jaziam na calçada, jogados pela janela.

Foi a vez dele se enfurecer um pouco. Não pelo estado da moradia, mas por ela ir-se embora. Sentiu-se "abandonao". E não é uma boa idéia estar perto de Carlito Dulcemano, "El Gato", quando se encapeta ou se sente abandonado.
Miquirina chegou antes dos bombeiros:



Fica o registro para que nossos amigos, de lá de La Habana (claro que já no domingo ele saiu no rastro dela, como sempre), saibam que, ao retornarem de abraços e beijos, estaremos esperando ansiosos, mas que procurem outro bairro, algo nos diz que não serão bem vindos naquele.

Y así pasan los dias.

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domingo, 23 de enero de 2011

Sostiene Battisti

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Em outras oportunidades já abordamos o caso Cesare Battisti, principalmente AQUI.
A cada dia nos preocupamos mais, na medida em que sobe o tom das redes de rádio, tevê e alguns jornais, todos pertencentes aos múmios.

Vejamos. A parcela mais torpe da direita brasileira, aquela que defende torturadores e sente saudades da ditadura, do povo assustado, esfaimado catando restos diante das suas mansões mal havidas, que sente saudades de um Brasil ajoelhado diante dos interesses dos alienígenas com quem dividia um butim mais generoso que o atual, pois essa malta de vendilhões da pátria vem martelando, dia após dia, através dos seus cães de aluguel, estes tão irresponsáveis quanto seus chefes: querem o sangue de Cesare Battisti.

João da Noite de há muito advertiu que é clara a intenção de ferir o governo, torna-lo um desgoverno, submisso, envergonhado, desonrado diante do mundo, após ter a sua independência quebrada por uma inaceitável intromissão estrangeira, com a insana colaboração dos golpistas que não se conformam com o demolidor resultado das urnas.

Pois uma coisa os trogloditas já conseguiram. A tortura psicológica a que um homem livre que continua aprisionado vem sendo submetido surtiu efeito. O ódio do âncora da Band espanta qualquer um, imagine-se então o sentimento que causa no sujeito que está indefeso numa cela, sendo ele o objeto do desmedido rancor. Cesare parece ter desabado.

Falou, e pelas suas palavras sente-se o desânimo. Desânimo que não o impede de enxergar perfeitamente o que está acontecendo.

Sostiene Battisti:

"Virei uma moeda de troca para muitas coisas. Se o Lula tomasse essa decisão antes, iam em cima dele, porque me derrotar também é derrotar o Lula. Agora, o objetivo principal da direita brasileira, nesse caso, é afetar o governo Dilma.
Não existe um país no mundo onde a extradição não é decidida pelo chefe do Executivo. Sou perseguido pelo Estado italiano e pelo Judiciário brasileiro. Essa perseguição não é grátis. Não se desrespeitaria por nada uma decisão do presidente da República.
Fabricaram um monstro que não tem nada a ver comigo. É difícil falar disso, essa é a razão pela qual fiquei traumatizado e precisei de um psiquiatra. Só de ver alguma coisa (sobre a Itália) que não tem muito diretamente a ver comigo meu coração dispara, já não me controlo, fico em um estado semiconsciente".

E agora, sabendo-se de que lado está a grande imprensa, quem poderá salvar Battisti e a governabilidade?

Seja firme, Battisti. Não apenas o governo brasileiro deve estar pensando no assunto, no golpe que tenta se armar a partir de um subterfúgio onde algumas vidas nada valem. Muita gente está. Muita gente pensa além: em quem está por trás da extrema-direita brasileira, a quem mais interessa minar o governo brasileiro.

O temor é que algum verdugo resolva manda-lo para a Itália, metendo-o num avião de madrugada, sem tempo para alguma reação. Não cremos que isso ocorra, os bandidos não ousarão, o preço será alto demais para suas covardias.
 
 
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23/01/2010: Caso Battisti: A moção do Parlamento Europeu para que o Brasil "reveja" a decisão de Lula foi aprovada numa sessão com 86 membros presentes, de um total de 736 que compõem o Parlamento. Dos 86, 77 eram italianos. Desmoralizado, Berlusconi mente para tentar desacreditar uma decisão soberana do governo brasileiro. E a mídia daqui se junta ao direitista governo italiano. E o caçador de garis da Band meta a alardear o pedido de... 11% do Parlamento Europeu, omitindo esse "pequeno detalhe".
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Domingo com Adriana Moreira

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Domingo. Pensamos em repassar a semana. O novo chefe dos mercenários de Mr. F. Febraban, não o conhecemos (ainda), mas da índole não temos dúvida; o senador que emprega a norinha querida com o nosso, 6 paus por mês; o preço do quilo de picanha (R$ 50,00) no supermercado Zaffurtari de Porto Alegre (ontem fizemos churrasco com carnes do Mercado Público, Juanito Diaz Matabanquero recusou-se a ser extorquido); o rombo de mais de 500 milhões na Funasa - pontinha do iceberg do que ocorre na Saúde, por gente do temível patrunfão Michel Temer, e só mais uma, para não nos estendermos em mazelas: o PT gaúcho de amores e cargos com o citado elemento e demais patrunfos do PMDB, seus inimigos na campanha ao governo do Estado.

Conhecemos a frase: "Roubei, mas não fui eu".

Mas sabem de uma coisa? Que vão todos para o inferno, não vamos estragar o domingo. Enquanto a hora dessa gente não chega, que vão ficando com o nosso desprezo.

Hoje quem comanda os espetos é Carlito Dulcemano Yanés, que vem de uma briguinha com Juliana Betsabé, para variar.

Muita alegria pela presença dos queridos amigos Amável Pinto e Sultan Khan. Com Sultan acompanhamos Wijk aan Zee ao vivo pela manhã, Magnus Carlsen novamente remeteu Nakamura para o espaço.

Com cervejinhas e assados, estamos curtindo a extraordinária cantora curitibana Adriana Moreira (14/05/69), a seguir em um verdadeiro show, interpretando Oxóssi (Roque Ferreira e Paulo César Pinheiro).




Adriana jamais esqueceu o mestre Candeia, e um dia, passando pela Lapa, judiou dos boêmios apaixonados, com A Profecia. Com essa, destruo o coração do churrasqueiro.


Mais cedo ou mais tarde você vai voltar
Pedindo implorando pra lhe perdoar
Confesso que na hora sorri
E zombei da sua profecia
Nos braços de Orfeu me perdi na orgia
Andei por aí, muitos sambas cantei
Só mais tarde me lembrei
Fiz do meu canto
E o melhor dos meus versos sua profecia
Mas o meu pranto correu quando nasceu o dia
Confesso que chorei pelas ruas da desilusão
Vagando com amor em meu coração
Dos amigos nem sequer me despedi
E a boemia deixar resolvi
Guardei viola no saco e subi o morro pro nosso barraco
Bati na janela e chamei: "Amorzinho!"
A vida é tão bela, então vamos viver
Hoje é coisa rara alguém gostar
Tanto como gosto de você
Assim falei
Meu amor abriu a porta:
Voltaste? Voltei!
Hoje é coisa rara alguém gostar
Tanto como gosto de você


E assim, abrimos mais una patricita, cerveza da buena. Salve, Carlito! Salve, Adriana!

Y así pasan los dias.

sábado, 22 de enero de 2011

Engelbert Humperdinck

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Hoje falaremos um pouco do Reino Unido. Curiosidades também há por lá.

Arnold George Dorsey é um cantor nascido (02/05/1936) em Madras, na Índia, de pais britânicos.
Chegou à Inglaterra com dez anos, quando os invasores foram mandados para casa, vencidos pela resistência não-violenta de Mahatma Gandhi.

Logo aprendeu a tocar saxofone, depois os amigos a muito custo o convenceram a cantar. Depois de algumas chuvas e trovoadas na vida, com apenas um disquinho gravado em 1958 (que ninguém notou), de repente, aos 25 anos, quase morreu de tuberculose, da brava. Mais tarde, recuperado da doença, tentou recomeçar. Doce ilusão: se antes já era difícil, agora então parecia impossível.

Mas o índio não se entregou. Andou se dando bem na Bélgica e seguia lutando. Em 1965 o nosso Arnold, depois de algumas lágrimas, decide apagar o passado e começar tudo de novo. Bateu cabeça e acabou seguindo o conselho de um camarada, para arranjar um nome artístico, algo mais chamativo, o povo gosta. Assim foi feito: para a sua segunda carreira veio com um pseudônimo, adotando o nome do famoso compositor alemão Engelbert Humperdinck (01/09/1854 - 27/09/1921).

O verdadeiro Engelbert foi um premiadíssimo músico, estudante e professor nos Conservatórios de Barcelona, Colônia, Frankfurt, etc... Por ser amigo de Richard Wagner, acompanhou na íntegra a primeira produção de Parsifal. Inscreveu seu nome para sempre no cenário musical principalmente pela sua ópera Hänsel und Gretel, baseado na obra dos Irmãos Grimm. Enfim, o homem era mesmo famoso.

E a mudança deu certo para o Arnold, agora Engelbert Humperdinck.

Sem ser "cantor", e sim um intérprete estilizado, como se definiu, já em 1967 emplacou nos dois lados do Atlântico.


Começou quando ele foi convidado para substituir outro artista, adoentado, num programa de variedades na TV inglesa, o  Sunday Night at the London Palladium. Ali cantou a sua última gravação, a canção Release Me (Eddie Miller, Robert Yount e Dub Williams), de 1946, um antigo hit já gravado nos Estados Unidos por muitos artistas.


Essa regravação pôs fim à supremacia dos Beatles. Foi para o topo das paradas, lá ficando por 6 semanas, em detrimento dos lançamentos Penny Lane/Strawberry Fields Forever dos Reis da época. Permaneceu nas paradas de sucesso por 56 semanas consecutivas. No período em que era a primeira da lista de sucessos, "Release Me" vendia 85 mil cópias por dia.


Quem diria, desbancar os Beatles com uma velha balada country norte-americana. Por essa nem o seu Edward Monroe "Eddie" Miller (Camargo, Oklahoma,10 de dezembro de 1919, Nashville, Tennessee, 11 abril de 1977), esperava, pois depois da música pronta ele e os
parceiros não conseguiam quem a gravasse, o que ele mesmo teve que fazer nos idos de 40.




Os donos de gravadoras tiraram (não entendo esses caras). Mas alguém colocou outra.




Aí foi um abraço, Engelbert Humperdinck definitivamente era outro cara. Nesse mesmo ano relançou o disquinho frustrado de 1958, "I'll Never Fall in Love Again", e todos sabem no que deu. Que mundo.


Em seguida veio com outras duas baladas, "There Goes My Everything" e "The Last Waltz".

Em Las Vegas tornou-se amigão de Elvis Presley, quando Elvis copiou as suas costeletas.

A canção, esta caseira, de autores ingleses, "The Last Waltz" (John Barry Mason - Leslie David Reed) posteriormente foi grande sucesso na voz da espetacular francesa Mireille Mathieu: La Dernière Valse. Aqui para nós, A Última Valsa.


Antes da década de 60 acabar, teve sucesso com "Am I That Easy to Forget", "A Man Without Love," "From Here To Eternity," "Les Bicyclettes de Belsize", "The Way It Used To Be, "A Place in the Sun", "I'm A Better Man," e "Winter World of Love".

Depois as baladitas sairam um pouco de moda, e somente em 1976 voltou a brilhar, com a balada "After the Lovin", que lhe valeu uma indicação ao Grammy. Daí em diante, com o advento do rock demência e outros sons equivalentes, rotularam as suas canções como "xaropes", desinteressantes no que diz respeito à massa popular, o mercado mais cobiçado pelas gravadoras.

Seguiu a vida, gravou, regravou, realizou sem parar shows pelo mundo todo, e hoje é um cidadão feliz aos 74 anos, muito considerado pelos colegas, pois dizem que trouxe da Índia, ainda menino, a sinceridade e a paz de Mahatma dentro de si.

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Y así pasan los dias.

Serra das Araras, janeiro de 1967

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Uma cruz de 10 metros na subida da Serra das Araras (Piraí-RJ), no local conhecido por Ponte Coberta, marca o início de um enorme cemitério construído pela natureza. Lá estão cerca de 1.400 mortos (fora os mais de 300 corpos resgatados) vítimas de soterramento pelo temporal que atingiu a serra em janeiro de 1967. Foi a maior tragédia da história do país, superando o número de mortos da atual tragédia na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, hoje acima de 500.

No episódio da Serra das Araras, suas encostas praticamente se dissolveram em um diâmetro de 30 quilômetros. Rios de lama desceram a serra levando abaixo ônibus, caminhões e carros. A maioria dos veículos jamais foi encontrada. Uma ponte foi carregada pela avalanche. A Via Dutra ficou interditada por mais de três meses, nos dois sentidos.

A Revista Brasileira de Geografia Física publicou, em julho do ano passado, a lista das maiores catástrofes por deslizamento de terras ocorridos no país. O episódio da Serra das Araras, com seus 1700 mortos estimados, supera de longe qualquer outro acidente do gênero no país.

Para se ter uma idéia do que ocorreu na Serra das Araras basta comparar os índices pluviométricos. A atual tragédia de Teresópolis ocorreu após um volume de chuvas de 140mm em 24 horas. Na Serra das Araras, em 1967, o volume de chuvas chegou a 275 mm em apenas três horas. Quase o dobro de água em um oitavo do tempo.

Mas o episódio da Serra das Araras parece ter sido apagado da memória do país e, especialmente, da imprensa. O noticiário dos veículos de comunicação enfatiza que a tragédia da Região Serrana do Rio superou o desastre de Caraguatatuba em março de 1967 (ver abaixo). O caso da Serra das Araras, ocorrido em janeiro daquele mesmo ano, sequer é citado.

Até a ONU embarcou na história e colocou a tragédia atual entre os dez maiores deslizamentos de terras do mundo nos últimos 111 anos.

O texto acima é a parte inicial de matéria do jornalista Aurélio José Fernandes de Paiva, publicada no dia 14/01/2010 no jornal Diário do Vale, do Sul Fluminense. Veja AQUI.

Os 44 anos da catástrofe mostram o perfeito retrato da incompetência e do descaso das autoridades, da politicalha.

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viernes, 21 de enero de 2011

O último tango em Hollywood

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O filme "Scent of a Woman" (Perfume de Mulher) norte-americano é de 1992, um água com açúcar fantasiado com pseudos implicações psicológicas, adaptação do original italiano "Profumo di Donna", de 1974, este melhorzinho.

Com os costumeiros zilhões gastos em propaganda, a alma do negócio, fez muito sucesso junto ao distinto público, então com boa vontade e em respeito direi que é de sétima categoria, ahn, nona, em escala até dez.

Mas deu-me o que pensar: por que diabos meteram o tango "Por una cabeza" (Gardel/Le Pera) na fita?

O tango é muito bonito, porém não tem nenhuma conexão com a lenda do ex-milico cego do abacaxi.

Recordemos a adaptação ianque: o tal milico planeja se matar por sentir-se culpado pela morte de um soldado, colega de terrorismo, mas como não é assim tão bobinho, antes resolve cair na gandaia, divertir-se, sorrir, eta vida boa, viva!

O sentimento de culpa?, entendo: certa vez derramei meia de conhaque em cima de uma plantinha, sem querer, e matei-a. De outra vez levantei a voz 0,01 decibelímetro com um amigo querido. Entendo o sentimento de culpa. Pero suicídio é matéria grave demais. Ninguém planeja uma coisa dessas e sai a meter o pé na jaca. 

Não me convenceu, decididamente. Bobagem do roteirista de Óliúdi para hacer la cabeza de las colonias, incluindo a colônia do Brazil, cumprindo ordens do Pentágono. Mais uma bobagem, entre as centenas que mandam todos os dias. Política de dominação, como sempre, bandeira e farda. Pelo retrospecto isto não deveria, mas ainda me espanta a desfaçatez com que aplicam rústicas inverossimilhanças, insultando a inteligência dos escravos, eu junto.

Bem, na estória tem um soldado do império morto, o soldado, não o império, muito lamentável... das centenas de milhares de crianças vietnamitas, para ficar com as vítimas de apenas uma de suas sangrentas estrepolias pelo mundo, nem um pio? Em homenagem a elas o camarada saiu festejar em restaurantes caríssimos, dirigir bólidos e se pendurar em mulherões?

O fanfarrão (sei tudo, guri) é vivido por Al Pacino (excelente profissional, faz bem o que treinou a vida inteira, grande ator, talentoso, e é isso que importa nos artistas, o que é como ser humano não se sabe nem interessa), que fez horrores por baixo dos panos para levar aquele Óscar para os piores cegos, os que não querem ver. Bem, essa é outra estória.

Em razão da dancinha do gorila cego, com uma mulherzinha que parecia a sua neta, subitamente o velho tango, clássico, tornou-se um sucesso maior do que quando foi gravado por Gardel. O "puder" da máquina é conhecido.

"Por una cabeza" fala de um apostador viciado em corridas de cavalos, obviamente deprimido por perder os tubos numa carreira, por una cabeza, num dia em que está com uma bruta dor de cotovelo por causa de uma pinguancha mui vagaba e maleva, como ele, possivelmente com o agravante de ter sido contemplado com um sombrero de vaca, naqueles anos de boemia duvidosa.

Hoje poucos argentinos sabem o significado de "la via", no verso: "... cuando estés bién en la via, sin rumbo, desesperao", do Discepolín (Yira, yira), mas sabemos que "la via" era um beco sem saída atrás do hipódromo viejo, lá no fundão, no escuro, longe, onde os loucos iam se matar depois de perderem tudo em patas de cavalos. Mas aqueles pobres homens, que se embriagavam antes do tiro fatal na cabeça, não eram em nada assemelhados ao covarde americano do filme. 

Discépolo cuidou para não colocar na última estrofe, pois era um homem de amor, e pegaria mal, mas colocou antes: "Qué importa perderme, mil veces la vida, para qué vivir". Pou!

Nada a ver, certamente os "autores", os que escrevinharam o besteirol, nem sonham com essa parte, desconhecida, hoje, de grande parte dos próprios argentinos. Como eu sei? Ora.

Um clássico, por retratar certo momento da história e da boemia de Buenos Aires, os sentimentos da classe sofrida, um retrato daquele tempo, de boêmios sexualmente agressivos, corajosos, ao som lamentoso do tango-milonga, mescla de canyengue, sincopado en doble compás, a morir. 

Pensando bem, até que o patrunfo Alfredo James Pacino (NY, 25/04/1940)  leva jeito para encarnar o chifrudo na telona, vai de graça a idéia (sim, prefiro idéia com o agudo, brilha como pensamento fértil).

Nunca entendi o porquê desse tango, especificamente, ser escolhido pela grande indústria cinematográfica para o milionário besteirol. Para o bailado com a garota, destacando a "sensibilidade" da referida e do gorilão, melhor seria o pegajoso, para uns, lindo, para outros, "O Barquinho" (Menescal/Bôscoli).

Se o filme mostrasse em flashback o lado obscuro de suas guerras, do seu guerreiro deprimido, a trilha sonora de Apocalypse Now, "Die Walküre", do Wagner, cairia como uma luva.

Até que um dia, ah, um dia... enquanto olhava no tabuleiro de xadrez uma Inglesa Simétrica que pendia para o lado das brancas de Carlito Dulcemano Yanés, ele reclamou da indústria do uísque, não eram mais as mesmas, o preço era o mesmo mas a qualidade havia caído. Eu mirava a arena, pensando em me jogar de bispos para cima dele, e num repente a palavra "indústria" estourou na minha cabeza. Indústria... Indústria cinematográfica.

O maldito substrato material. É produção em série, linha de produção, nada a ver com arte. Além de fazer a cabeça visa lucro, muito lucro. Fazem o possível e o impossível para cortar custos. E com esse pensamento fui atrás de uma explicação.

Bingo!

"Por una cabeza" já não tinha direito autoral a ser pago, havia caído no domínio público em 1985, quando se completaram 50 anos da morte dos autores. Mais alguns aninhos para o processo de partilha, e em 1990 estava na mão. De graça.

O grande uruguayo Carlos Gardel e o paulista Alfredo Le Pera, como todos sabemos, tragédia que abalou o hemisfério, morreram juntos numa queda de avião em Medellín num Dia de São João, em 24 de junho de 1935. Compañeros hasta la muerte.

Depois, passei a refletir: pero, e se quisessem mesmo um tango naquela patranha? Para sugerir amor, solidão, tristeza, sofrimento, havia tantos tangos disponíveis... Bem, melhor não pensar mais nisso, arte não se produz em indústria.

Mudando de conversa (onde foi que ficou...), vai um tango para Maurício Tapajós, onde quer que esteja, e Hermínio Bello de Carvalho.


Um tango plangente, a vida desfilando nua em rotação 78, um dos mais belos de todos os tempos, que encantou e ainda encanta o planeta. 


Uno, de 1943, de Enrique Santos Discépolo (letra) e Mariano Mores (música).

Como todos sabem, Discepolín morreu em 1951, porém Marianito Mores, para felicidade de todos quantos amam música de qualidade, está vivíssimo e feliz em Buenos Ayres, prestes a comemorar 93 veranos.

Se quiserem colocar essa maravilha em filmes, Mariano Alberto Martínez  está pronto para as negociações.

Canta ele, Roberto "El Polaco" Goieneche, com a Orquestra Típica de  Anibal "Pichuco" Troilo (Anibal Carmelo Troilo, Buenos Aires, 11/07/1914 - 18/05/1975).

A plantinha (Comigo Ninguém Pode) renasceu, milagrosamente, após uma semana, e nunca mais lhe derramei nada além de água. 

O meu amigo recuperei no mesmo dia: levantei a voz às duas da manhã e às nove eu estava sentado no muro em frente à sua moradia, para me desculpar. Ele saiu às onze e caiu para trás ao me ver, dizendo que já sabia, não precisava, seu bobo. Caí de joelhos igual e pedi. Quase ficou de mal comigo por me ver assim nervoso. Saímos tomar um chope às onze da manhã de um sábado, depois de ele certificar-se de que eu estava desarmado, pois entrou numa de que eu queria matar o Delfim Netto por algo que eu teria visto. Bobagem dele, se fosse sair matando pelo que vi, aquele senhor seria um dos menores. Bons tempos. Saudades, Patinho.




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A obra pictórica é da artista rosarigasina Patricia Vidour.

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Os Patrunfos

Na foto, em desleal campanha (como todas o são) para a presidência da Câmara dos sem-vergonhas, o patrunfo Sr. Marco Maia é aplaudido por patrunfos do RS, a dita base-geléia de apoio, todos fazendo cara de homens sérios e felizes. Na ocasião, o intrépido patrunfo diz palavras de..., bem, de... hummm..., deixa ver,  ah, conversa mole de patrunfo, alguma patrunfada para iludir o povo.
Sim, o patrunfão Sarnoso Ney, proprietário do cabaré da  energia elétrica, é grande apoiador do indivíduo.
Sim, sabemos que os patrunfos de direita são ainda piores, mas estão fora da disputa, ou melhor, estão apoiando (!) a "esquerda" patrunfante.

A postagem vai a propósito da inauguração formal do verbo patrunfar, bem como, especificamente, do adjetivo "patrunfo", que pode virar substantivo (e me socorram os admiráveis co-velhos da Academia), última invenção do João da Noite. O significado, diz ele, é de acordo com a cabeça de cada um. Nós pensamos em algo bem feio.

(Foto: Marcelo Bertani)



14/01/2010: {João da Noite: "Execrado publicamente por corrupção de menores e muitos outros bichos, a um passo de ser defenestrado do governo, cadeia à vista, surgem agora mais de duas mil italianas na campanha 'Basta!', dizendo ao patife do Berlusconi que nem todas as jovens italianas são prostitutas". (Pois é, parece que a tentativa de desviar o foco das atenções com a cabeça de Cesare Battisti não está funcionando...)}






jueves, 20 de enero de 2011

Refresco lá de cima

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Flor da Pele (Zeca Baleiro)

Revelação, dos irmãos Clodô -  Clodomir Sousa Ferreira (Teresina, PI, 30/07/1951) e Clésio Sousa Ferreira (Teresina, PI, 24/10/1944 - Brasília, 06/07/2010)


Com

Raimundo Fagner Cândido Lopes (Fortaleza/Orós, Ceará, 13/10/1949) e Zeca Baleiro (José Ribamar Coelho Santos - Arari, Maranhão, 11/04/1966)

 

viernes, 14 de enero de 2011

Refresco de Sábado, em Barcelona

, em .
Rosario Flores (Madrid, 04/11/1963) e Diego Salazar, El Cigala (é bom esse nosso primo! Orgulho da família), abolerados em Barcelona. 

E fui, deixo rodando. Bom findi a todos.



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Em 13/01/2010: O espertalhão que governa o Rio de Janeiro, aquele novo rico que, num morro do Rio, com Lula tentou intimidar um garoto da periferia que lhes disse umas verdades durante a campanha presidencial, saiu-se com esta hoje: 'Está provado que a ocupação irregular, seja de alta renda ou baixa renda, dá nisso'. Mas que novidade, o cara descobriu a América... O que está provado, seu palhaço, é que 'otoridades" como você não servem para nada. Aliás, servem. Para trazer desgraça ao povo.




Roberto "El Polaco" Goyeneche

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Uma provinha de que o Polaco era/é mesmo "dos nossos". Um tantinho embiritado, em mesa de bar com amigos. E deixe que chova lá fora.
(Por falar em birita, hoje Salito vai tomar uns merengues no Beco do Oitavo. E por falar em chuva, pode ir tirando o cavalinho da chuva, Mr. F. Febraban, hoje vamos todos aqui do bunker).

Refresco com mestre Candeia

Bueno, sexta-feira, verão... Dá-lhe Refresco.

Miquirina Segundo, um dos homens que vieram conosco da África, é natural da Província de Cuando-Cubango (Angola), e como muitos amigos brasileiros descende do antigo Reino do Congo (alô, praia do Quintão, alô Gama, meu camarada! Miquirina também é cabinda, por um lado da família).

Pois então, antes de ser força de ataque da UNITA, Miquirina chegou a mexer com música. Outro dia chegou depois de iniciado o vídeo abaixo, e logo, ao ver o partideiro Tantinho da Mangueira (Devani Ferreira, Rio, 1947) usando um prato como instrumento, deu início ao seu dançar. Beleza. O Partido Alto é todo improvisação - ainda que com letra de tema determinado, conduzido por uma espécie de chefe de banda. E muito mais.

Ele, o Mestre CANDEIA, comandando uma cena do curta metragem "Partido Alto", de Leon Hirszman (documentário, 1982). Humanos em comunhão. Salve, Miquirina. Salve, Gama. Salve, mestre Candeia.

Walsh, El Polaco y Patricia


Há poucos dias, meio tonto pelo desaparecimento físico de María Elena Walsh, não dei o crédito como deveria, ao vídeo que acompanhou o texto, com a canção "Como la Cigarra".

O espetacular cantante é ninguém menos que Roberto Goyeneche, El Polaco,    (29/01/1926 -27/08/1994),  um símbolo da vida boêmia de Buenos Aires. Ainda muito moço, viu-se como voz da famosa orquestra de Anibal Troilo.
No dizer de Ricardo Blaya: "Si tuviéramos que elegir un personaje síntesis de los últimos treinta años del tango, sin ninguna duda surgiría el nombre del Polaco Goyeneche. No sólo por tratarse de un cantor extraordinario, sino y fundamentalmente, por ser el arquetipo de la última camada de nuestra estirpe y bohemia porteña. La expresividad de su fraseo, el particular modo de colocar la voz, la fuerte personalidad del que conoce la esencia misma del tango, lo distinguen de todos los otros cantores de nuestro tiempo. (...) Con el tiempo logra tal perfección, que se permitiría el lujo de iniciar una frase a destiempo —cadenciosamente— para luego alcanzar las últimas notas al final del compás".

As pinturas são da notável artista rosariense Patricia Vidour, por ela mesma: "Vivo en Rosario, Provincia de Santa Fe, República Argentina, Sud America, o sea que soy sudamericana o sudaca como dicen por allí. Pero escencialmente soy Rosarigasina, la tierra del Negro Olmedo, de Roberto Fontanarrosa, de Antonio Berni, de Lito Nebbia, de Fito Paez y muchos más cuyos pasos me han inspirado y alentado a sentirme parte de una ciudad-arte.
Mi pasión es la ínea, el dibujo en blanco y negro, con acentos en color en óleo, acrílico, pastel, acuarela o con fibrones. Un espacio de mi alma está siempre unido al collage.
Dibujo, ilustro, dibujo, pinto, dibujo, escribo, dibujo..."

Buenos, no?

Desastre Amazônico


Em agosto de 2.010, mesmo diante da terrível ameaça, ainda estávamos bem-humorados. E assim, espírito leve, que enviamos carta aberta à senhora Dilma Rousseff, Aqui, a respeito da Usina de Belo Monte. Naquela cartinha chegamos a sugerir o nome da Stanislava Perkoski para presidir o alcoice.

Obviamente que não obtivemos resposta, ora se iria responder. A seguir, em nova missiva, antecipamos quem seria o chefete da Casa Civil em 2.011, mas talvez isso não tenha conexão com Belo Monte, pode ser uma infeliz coincidência. Na dúvida se a expressão fedelho invasor de contas gera processo criminal, achamos melhor não escrever.

Sim, com o Plínio fora da disputa presidencial, obviamente que apostamos tudo em Dilma, pois a extrema-direita brasileira - responsável pela ditadura militar e tudo de tenebroso que ocorreu ao Brasil -  nos causa engulhos, arrepios e pavor. Imagine-se o que teria acontecido com Cesare Battisti com essa gente no poder. Imagine-se o que aconteceria conosco.

A propósito, foi um belo sonho, tentar eleger o Plínio com gastos de 30 mil reais na campanha, contra uns 100 milhões (ou mais?) da nossa presidenta. O vil metal soterrou a esperança. Mas ela foi semeada, brotará! Valeu, Plínio!

Bem, ao ponto. Sobre Belo Monte ontem soubemos, o que muito nos emocionou, que a organização Avaaz, a mesma que uniu o mundo contra a morte  (apedrejamento ou forca) da iraniana Sakineh Ashtiani, agora aciona forte campanha para UNIR O BRASIL E O MUNDO CONTRA A CONSTRUÇÃO DE BELO MONTE. Viva!

Leia, assine a petição AQUI!

Por fim, um recado à presidenta: fiquei muito encabulado ao ver os nomes de alguns dos seus ministros, Dilma. Porém o que mais me envergonhou, como brasileiro, foi ver o nome do ministro das Minas e Energia, o famoso "pianista" edson lobão, um dos principais serventes do Sarney e seu bando. Um escárnio a todos quantos se batem por um Brasil democrático para todos.

Mas não vamos desistir.


jueves, 13 de enero de 2011

Chove, chove, chove...

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Chove a potes na capital. Ontem falamos a Pikky (das nossas!) sobre Chuvas de Verão do seu Fernando Lobo. É isto, Porto Alegre no verão, linda sob chuva.

Vamos caminhar pelas ruas do bairro, calção e chinelo de dedos, banho de água do céu.

Deixamos rodando uma colher de chá para os norte-americanos. Desliga sozinho.

A chuva sempre nos enternece. Na planície.




{Arquivo: Em 13/01/2010. João da Noite, sobre o Rio de Janeiro: "Aquilo de há muito deixou de ser morte anunciada, é crime anunciado! Para que as 'otoridades' façam algo será necessário que morra um figurão sob a lama". (A lama é o habitat de políticos e figurões, João, mas para morar eles se alojam na planície, os espertos)} .

La Guitarra

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Por falar em María Elena Walsh (sem mais adjetivos, secar as lágrimas é preciso), al hablar de playa de arenas blancas, caminando en noche de luna llena...

Walter Schumacher, de lá da beira do rio Guaíba, onde a noite é calma, onde mora com seu violão, suas plantas, seus animais queridos, seus vinhos, de lá dos seus sentimentos, Schumi envia um recado.

Puxa, poema de... Federico Garcia Lorca. Música de... Andres Segovia.

Ao citar esses caras ficamos tão embevecidos quanto ao citar Piazzolla ou María Walsh.

Registramos com contraponto: perscrutando a rede, encontramos Paco de Lucía empunhando a guitarra, ilustrado por... Picasso. Créditos para "chottocigarrillos", este é dos nossos.




Empieza el llanto

de la guitarra.

Se rompen las copas

de la madrugada.


Empieza el llanto

de la guitarra.

Es inútil callarla.

Es imposible

callarla.


Llora monótona

como llora el agua,

como llora el viento

sobre la nevada.


Es imposible

callarla.

Llora por cosas

lejanas.


Arena del Sur caliente

que pide camelias blancas.

Llora flecha sin blanco,

la tarde sin mañana,

y el primer pájaro muerto

sobre la rama.

¡Oh guitarra!

Corazón malherido

por cinco espadas.


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Carlos Yanés: "Insensible yo". Mistura idiomas: "60 horas pa llorar, pero veio tudo. Adiós, hasta pronto, María Elena Walsh". "Y a la hora del naufragio, y a la de la oscuridad, alguien te rescatará, para ir cantando. Cantando al sol, como la cigarra, después de un año bajo la tierra, igual que sobreviviente que vuelve de la guerra". Nós também choramos, Carlito, como toda a América espanhola. Como el mundo, sin fronteras ni lenguajes, o mundo da luta com fé, o mundo de dentro.

martes, 11 de enero de 2011

A praia do Hans

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Sr. Hans

Eu havia me prometido ignorar os seus comentários. Mas como estou em férias...

Para detestar praia (foto: a tranquila praia de Torres, RS), caro missivista, só quem sofra de alguma moléstia que a areia, o sal, o iodo ou a cara dos turistas de ocasião agrave.

Imagine: sem tranqueira de trânsito na ida, lá dentro e na volta, sem bares e restaurantes ladrões e sem o azar de tropeçar em algum maldito político se borboleteando por lá (vá para Cancún queimar o nosso, seu vadio). Sem milhões de pessoas berrando, bebendo e comendo coliformes fecais. Sem alaúza, filas, aglomeração, sertanojos, seringas, cloridrato de cocaína em pó, sujeira por todo lado, buzinas, tiroteios... quem não gosta? 

Em praia mesmo, ah, o início da manhã e o fim de tarde são incomparáveis, aquele imenso azul, nadar, furar onda, caminhar na areia molhada de mãos dadas com Dolores... Bebidinhas supergeladas, comidinhas limpinhas, preço justo... As noites frescas, música boa no ar "Tender is the night/ So tender is the night / There's no one in the world/ Except the two of us",  a caipirinha, o churrasco, aquele passeio sob o céu estrelado... A rede para dormir. Buenas noches, compañeros.

Isto é que é vida. Anos atrás se achava cantinhos assim por aqui, raridades. Agora não sei. Alguém sabe de algum?

Isto posto, seu Hans, vamos ao seu recado. Como diz João da Noite, parodiando um humorista da antiga (Walter D'Ávila?): "A inguinorança é que astravanca o progréssio".

Tem coisas, seu Hans, que se sabe intuitivamente. Vamos tentar explicar sem complicar mais o neurônio que o senhor possui, há que se pegar leve com essa preciosidade.

Para questões simples de lógica não são necessários estudos específicos. Ah, a Lógica trata da validade ou invalidade da argumentação, caso lhe interesse estudar. Tem um livrinho, de um tal de Aristóteles, chamado Organom, que começa a falar dessas idéias, mas evitemos essas velharias.

Se eu digo que "os chatos e barulhentos de Porto Alegre estão todos na praia neste verão", é óbvio que, nas circunstâncias, envolvendo a maior parte da população, é falso. No caso, entre outras barreiras, noções de estatística jogariam por terra a afirmação. O senhor pode ter perdido o ônibus naquele dia.

Sem aprofundar o raciocínio, pense apenas que estão na praia todos os chatos e/ou barulhentos que puderam ir, isto é, a esmagadora maioria. E não pense que esses tais são os pobres de paris das nossas vilas, negativo, estes são educados. O diabo é a classe mérdia e os hijitos de papi (nem todos, seu, nem todos...).

Talvez os colunistas da Zero Hora tenham sido solidários com o senhor, perdendo a condução. E agora, este "os" significa todos ou somente um universo de minha escolha?

Em outro aspecto, faça um esforcinho para livrar a cara dos praianos: a oração não quis dizer que todos os que vão à praia são chatos e barulhentos. Carlito Yanés, por exemplo, adora praia e vai sempre que pode. Nas pegadas de Ju Betsabé, é verdade. E eles não são chatos ou barulhentos. Note a subjetividade: trata-se do meu olhar sobre Carlito Yanés e Juliana Betsabé.

Pensei em ilustrar esta nossa conversa com o cretense Epiménides, que há 2.600 anos era considerado o pai da mentira pelos invejosos de sua época. Ele vingou-se aplicando-lhes um probleminha que pode ser apresentado assim:

Era uma vez um acusado que disse:

“Enquanto a minha mentira não for desvendada, continuarei mentindo.”

Em seguida o juiz disse: “Se o acusado mentir, seu advogado também mentirá.”

Por fim o advogado disse: “Quem for capaz de desvendar a minha mentira dirá a verdade.”

Qual deles está mentindo?

Passaram anos e anos pensando, fazendo cálculos (há quem diga que da repetitiva e inócua discussão começou a surgir uma pontinha do método dos mínimos quadrados, que veio a mostrar-se mesmo 2.400 anos depois).

Como sabe a filósofa Betsabé, isso leva a um labirinto de nenhures, mas ele conseguiu o que queria: rachou a cabeça dos seus detratores.

Melhor deixar Epiménides para lá.

Outro exemplinho de tudo errado:

Os babacas bebem.
Hans não bebe.
Logo, Hans não é babaca.

Tudo falso, não?

O que tanto lhe incomodou na frase é o "os", com idéia de totalidade, reafirmado pelo "todos". Foi somente provocação, seu Hans, brincadeira, homem de Deus. Como já falei alguns não vão à praia, preferem ficar torrando a minha paciência, ou vão para a serra. Ou para a tonga da mironga. O Juremil (compre meus livros, compre, compre, compre, compre, compre, compre, compre, compre, uau, uau, uau...) não creio que vá para a praia, e tem neste mundo bicho mais chiclé?

À praia foram os chatos e barulhentos que conheço, nem todos, além daqueles imbecis que passam com o som do carro no limite do estouro dos tímpanos, tocando pagode ou sertanojos.
O senhor tem som no carro, Sr. Hans? Esquece.

Está bem. Fiquemos assim: nos fins-de-semana, 99,99% dos chatos e barulhentos de Porto Alegre estão em Tramandaí, Capão da Canoa e Torres.

Melhorou?

Abraços.

Salito

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María Elena Walsh (2)

(começando a correr com os milicos)

SERENATA PARA LA TIERRA DE UNO

Porque me duele si me quedo
pero me muero si me voy,
por todo y a pesar de todo, mi amor,
yo quiero vivir en vos.

Por tu decencia de vidala
y por tu escándalo de sol,
por tu verano con jazmines, mi amor,
yo quiero vivir en vos.

Porque el idioma de infancia
es un secreto entre los dos,
porque le diste reparo
al desarraigo de mi corazón.

Por tus antiguas rebeldías
y por la edad de tu dolor,
por tu esperanza interminable, mi amor,
yo quiero vivir en vos.

Para sembrarte de guitarra,
para cuidarte en cada flor
y odiar a los que te castigan, mi amor,
yo quiero vivir en vos.



Un autor tiene derecho a comunicarse por los medios de difusión, pero antes de ser convocado se lo busca en una lista como las que consultan las Aduanas, con delincuentes o “desaconsejables”. Si tiene la suerte de no figurar entre los réprobos hablará ante un micrófono tan rodeado de testigos temerosos que se sentirá como una nena lumpen a la mesa de Martínez de Hoz: todos la vigilan para que no se vuelque encima la sémola ni pronuncie palabrotas. Y el oyente no sabe por qué su autor preferido tartamudea, vacila y vierte al fin conceptos de sémola chirle y sosa.

Hace tiempo que somos como niños y no podemos decir lo que pensamos o imaginamos. Cuando el censor desaparezca ¡porque alguna vez sucumbirá demolido por una autopista! estaremos decrépitos y sin saber ya qué decir. Habremos olvidado el cómo, el dónde y el cuándo y nos sentaremos en una plaza como la pareja de viejitos de Quino que se preguntaban: “¿Nosotros qué éramos ...?”

(Excerto da porrada que deu na sanguinária ditadura militar argentina, pelas páginas do Clarín, em agosto de 1979. Cheia de ironia e desprezo, disse tudo. Milagre o Clarín ter publicado, deve ter sido complô dos funcionários...)


María Elena Walsh



Dizer o quê? Hoje não dá.
Esta canção veio depois de correr com os milicos.

Tantas veces me mataron,
tantas veces me morí,

sin embargo estoy aquí
resucitando.


Gracias doy a la desgracia
y a la mano con puñal,
porque me mató tan mal,
y seguí cantando.


Cantando al sol,
como la cigarra,
después de un año
bajo la tierra,
igual que sobreviviente
que vuelve de la guerra.


Tantas veces me borraron,
tantas desaparecí,
a mi propio entierro fui,
solo y llorando.
Hice un nudo del pañuelo,
pero me olvidé después
que no era la única vez
y seguí cantando.


Cantando al sol,
como la cigarra,
después de un año
bajo la tierra,
igual que sobreviviente
que vuelve de la guerra.


Tantas veces te mataron,
tantas resucitarás
cuántas noches pasarás
desesperando.


Y a la hora del naufragio
y a la de la oscuridad
alguien te rescatará,
para ir cantando.


Cantando al sol,
como la cigarra,
después de un año
bajo la tierra,
igual que sobreviviente
que vuelve de la guerra.



Eduardo Baró, em 10/01/2010: "Hoy se murió María Elena Walsh y ahora sí que estamos fritos…".







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lunes, 10 de enero de 2011

Cesare Battisti e os foras-da-lei

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O rábula João da Noite afirmou, dias atrás, que o juiz "insultou meio mundo no despacho que cometeu".

Agora, a palavra com quem sabe mais (desculpe, João, mas o Carlos está por dentro) sobre o  assunto, o professor Carlos Lungarzo, da Anistia Internacional, que diz que em reação à tentativa de golpe institucional, o governo poderá impugnar, decretar impeachment e demitir Cezar Peluso por crime de alteração de decisão tomada pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF). A proposta poderá mudar totalmente o quadro: em lugar do STF ridicularizar o Executivo, negando-se a cumprir uma decisão do ex-presidente Lula, será o presidente do STF quem terá de justificar, sob pena de processo e demissão, pela manipulação e alteração de uma decisão do próprio STF.

Segue o artigo:


DECISÕES JUDICIAIS E CRIME DE ALTERAÇÃO

Impeachment do ministro Cezar Peluso ou golpe institucional?

No processo de extradição passiva 1085, onde o requerido era o escritor Cesare Battisti, o Supremo Tribunal Federal julgou dois aspectos. Um foi a admissibilidade de extradição, o outro foi a faculdade do Chefe de Estado para decidir sobre a execução efetiva do ato extradicional. Ambas as questões foram decididas na sessão de 18/11/2009. Como é bem sabido, o tribunal autorizou a extradição por 5 votos contra 4. No final da sessão, foi colocado em votação o direito do presidente para executar ou indeferir a extradição.

Os cinco ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Carmen Lúcia e Eros Grau votaram que o chefe de estado poderia decidir, de maneira discricionária. Já os ministros Peluso, Mendes, Lewandowski e Ellen Gracie votaram contra.

Todavia, no dia 16 de dezembro, por causa de uma moção de ordem colocada pela Itália, a questão foi reaberta, provocando indignação nos juízes Marco Aurélio e Britto. Durante o debate, Peluso tentou pressionar Eros Grau para que votasse contra o que fora decidido na sessão anterior. Grau reclamou de estar sendo mal interpretado, mas acabou aceitando que a discricionariedade do presidente ficaria limitada pelo Tratado de Extradição entre o Brasil e a Itália.

Finalmente, o documento que ficou aprovado e foi publicado no acórdão de abril de 2010, disse, com outras palavras, que: autorizada a extradição pelo STF, o presidente fica facultado a executar a extradição ou a recusar sua aplicação, desde que, para tanto, se baseie no Tratado.

De fato, esta “liberdade” que o STF deu ao presidente não era necessária: a Constituição Federal considera o chefe de estado como representante da nação na política internacional e, além disso, toda a jurisprudência anterior, sem exceção, afirma o direito do presidente de escolher entre acatar o parecer de extraditar ou rejeitá-lo. É significativo que, alguns dias antes, o STF tivesse autorizado uma extradição ao Estado de Israel, deixando ao presidente o direito de decidir. Aliás, o sistema “misto” de extradição (usado no Brasil e em quase todos os países) determina que o judiciário “proteja” o extraditando, proibindo ao executivo sua extradição, se houvesse motivo para isso, mas autorizando quando a situação fosse legalmente viável. Nesse caso, ficaria a critério do presidente aproveitar a autorização ou reter o estrangeiro.

Mesmo assim, foi muito bom que o STF chegasse a uma decisão explícita sobre isso. Se, mesmo assim, o ministro Peluso decidiu alterá-la, o que ele poderia ter feito sem uma decisão explícita?

Na sessão em que foi votada esta matéria, por causa das constantes pressões de Mendes e, sobretudo, de Peluso, Eros Grau parecia muito nervoso, mas ainda assim a decisão final da corte foi clara. Posteriormente, Grau tratou o problema com maior detalhe numa matéria que publicou no Consultor Jurídico, em 29/12/2009 (vide).

Após alguns argumentos muito precisos, Grau disse que o presidente pode recusar a extradição autorizada pelo tribunal nos termos do Tratado. Pode fazer isso em alguns casos que não são examináveis pelo tribunal, e menciona precisamente o artigo 3º, I, que foi o utilizado por Lula. A idéia do magistrado, coerente com toneladas de jurisprudência e doutrinas internacionais, é que o presidente pode negar a extradição por um fundado temor de perseguição do estrangeiro no país requerente, mas esse temor não pode ser avaliado pelo judiciário. Como responsável pela política externa, é o executivo e seus assessores os que melhor podem “sentir” se há perigo ou não.

O Tratado entre o Brasil e a Itália

Esse Tratado foi assinado em Roma em outubro de 1989, aprovado por Decreto Legislativo no Brasil em novembro de 1992, e finalmente aprovado por Decreto em julho de 1993. Nos artigos 3º, 4º e 5º se enunciam condições que exigem a recusa da extradição. O artigo 4º não é relevante neste caso, pois proíbe a extradição a países onde há pena de morte, o que não acontece na Itália.

O artigo 3º e o 5º são ambos aplicáveis ao caso Battisti. No item I, inciso (f) do artigo 3º, proíbe-se a extradição quando existam motivos para pensar que o requerido possa ser perseguido por pertinência a algum grupo designado (racial, religioso, político, etc.), ou sua situação pudesse ser agravada por causa disso.

No artigo 5º, (a) também se veda a extradição quando a pessoa reclamada “tiver sido ou vier a ser” submetida a um processo sem direito de defesa. Battisti não teria novo julgamento, e ele já tinha sido submetido a um julgamento em ausência, sem provas, sem testemunhas, com advogados falsos e com base em alguns documentos falsificados. Este ponto aplica-se plenamente. O inciso (b) se refere ao perigo de que o extraditado possa sofrer a violação de seus direitos humanos básicos, o que é evidente, tendo em conta as práticas de tortura e tratos degradantes aplicados na Itália a presos políticos, e as ameaças de morte contra ele proferidas por sindicatos (carabineiros e policiais), por associações neofascistas, e até por alguns políticos.

Parecer da AGU e Decisão do Presidente

No dia 31 de Dezembro de 2010, o presidente Lula fez conhecer sua decisão sobre a extradição, recusando sua aplicação e retendo Cesare Battisti no país sob a figura jurídica de imigrante (residente permanente). A decisão foi publicada no Diário Oficial da União em sua edição adicional do próprio dia 31.

A decisão foi baseada no parecer emitido pela Advocacia Geral da União (AGU), assinado pelo advogado geral substituto, Albuquerque Faria, que o elaborou se fundamentando no parecer do consultor da União Arnaldo de Moraes Godoy.

O parecer é longo, consistente, articulado e detalhadamente fundamentado. Ele é mais do que suficiente para justificar o “fundado temor de perseguição”, pois o consultor se baseia em fatos notórios que são de domínio público. Ele aplica o item 3.I.f, argumentando que a situação de Battisti poderia se agravar na Itália, tendo em conta as grandes manifestações em sua contra. É um fato que qualquer pessoa sem interesse em prejudicar Battisti, responderia de olhos fechados. Vejamos como seria a pergunta:

Uma pessoa estará segura, permanecendo presa num país onde centenas de pessoas vinculadas ao estado promovem manifestações de repúdio contra ele?

Se os inimigos o atacam com ódio, e até incluem Lula em seus ataques, a 10 mil Km, o que poderiam fazer se o tivessem em seu poder?.

Eventualmente, poderia acontecer que Battisti fosse preso e sobrevivesse na prisão, até porque o governo não gostaria, talvez, de matar alguém que é tão conhecido. Mas, isso tem uma probabilidade baixa. Os carcereiros italianos pertencem a uma federação de sindicatos de alcance nacional que várias vezes declarou seu desejo de “acertar contas” com o escritor. Aliás, o ministro La Russa manifestou como era grande seu desejo de torturar Battisti. Não se conserva nenhum registro de Adolf Hitler onde ele manifestasse seu desejo de torturar ninguém (embora sim, de matar).

O parecer é mais do que suficiente, mas cabe salientar que os autores manifestam várias vezes seu grande respeito pelas instituições italianas. Também, afirmam que não terão em conta a fraude das procurações, embora não afirmem nem neguem sua existência. Tudo indica que os autores não queriam irritar Itália, mas esse espírito pacífico não foi útil: de fato, o presidente do STF, Antonio Cezar Peluso, não procurava acordo, mas, pelo contrário, confronto, como veremos a seguir.

O Pedido de Soltura

No dia 3 de janeiro, a equipe de defesa de Battisti solicitou ao presidente do STF, Cezar Peluso a soltura do ex-extraditando, com base no fato de que, uma vez extinta a extradição, a manutenção do estrangeiro em prisão era ilegal.

O chefe da equipe, o jurista Luís Roberto Barroso, apresentou junto com o pedido um raciocínio singelo:

Se o STF passou a Lula a responsabilidade pela decisão, cabe ao executivo também concluir essa decisão, colocando em liberdade o ex-extraditando. Ele faz notar que, se Lula tivesse decidido em favor da extradição, ele poderia entregar o prisioneiro à Itália e, sem dúvida, ninguém lhe pediria uma permissão do STF para fazer isto. Portanto, não cabe ao tribunal reavaliar o processo. Barroso acrescenta:

O julgamento já foi concluído, a decisão já transitou em julgado, e o processo de extradição já foi, inclusive, arquivado. Já não é possível, juridicamente, reabrir a discussão acerca da competência do presidente da República [...] Trata-se de dar cumprimento ao que foi decidido, em respeito às instituições.

Consistente com o fato de que problema agora deixou de ser judicial, Barroso pede, também, que o Ministério da Justiça libere Battisti.

Peluso recebeu, na mesma época, uma ordem da Itália de manter Battisti preso, e como tinha feito pelo menos 7 vezes durante o julgamento, obedeceu. No dia 6 de janeiro disse que Battisti devia continuar preso, e que o assunto será encaminhado para o novo relator, Gilmar Mendes.

O deboche contra o executivo e o próprio judiciário fica evidente, mas o representante legal da Itália, com um raciocínio torpe e insultuoso, deixou isso ainda mais óbvio. O advogado da Itália disse, explicitamente, que Lula usurpou funções, porque deveria ter adotado como decisão o parecer do STF: extraditar. Embora o advogado não tenha continuado seu “raciocínio”, o que ele disse significava isto: o STF teria dado a Lula apenas a faculdade para decidir entre estas alternativas: (1) extraditar Battisti ou (2) extraditar Battisti.
Quer dizer, o STF teria dado a Lula a “liberdade” aparente de mostrar obediência. Este comentário é um grave insulto contra os juízes do STF que votaram em favor da decisão presidencial. No momento de negar a liberdade de Battisti pedida por Barroso, Peluso manifestou, de maneira oblíqua, o privilégio do STF para dar a última palavra. Ou seja, para a lógica do ex-relator, podem existir duas últimas palavras ou, então, a realidade é que a outorga da última palavra a Lula foi uma farsa.

Trata-se de uma amostra de desprezo capital não apenas contra o executivo, mas também contra o judiciário, pois significa que uma decisão tomada por um colegiado ou por um juiz, pode ser distorcida por alguém que se apresenta como dono absoluto da decisão.

Peluso ainda disse que não tinha certeza de que Battisti estaria em risco se voltasse a Itália. Cabe ao ministro Peluso apenas apreciar se Lula se pronunciou de acordo com o Tratado, mas não apreciar a subjetividade do presidente. Se a opinião de Lula estivesse sujeita à opinião do STF e este pudesse anulá-la, qual seria o valor do direito de decisão?.

Isto prova de maneira ainda mais contundente, que Peluso e Mendes assumiram aquela decisão do STF como uma formalidade que não pensavam cumprir, e que realmente sua intenção era extraditar o italiano passando por cima da decisão do presidente, e dos colegas que reconheceram o direito do executivo.

Reações Qualificadas

O ministro do STF, Carlos Ayres Britto, afirmou logo em seguida de conhecida a decisão de Lula, que o presidente do STF, Cezar Peluso pode decidir sozinho pela soltura imediata de Battisti. De acordo com Britto, sem a extradição cai o fundamento da prisão. Esta foi a opinião de muitos juristas e políticos, cuja lista não caberia neste artigo. Idêntica foi a manifestação de Marco Aurélio, que defendeu o direito de Battisti a ser liberado logo que a decisão de Lula tivesse sido publicada. O mesmo parecer foi o do jurista Dalmo de Abreu Dallari, que se estendeu detalhadamente sobre o tipo de arbitrariedade cometida por Peluso.

A Teoria do Golpe

Conhecida a negativa de Peluso a soltar Battisti, Luís Barroso, uma pessoa que surpreende por sua equanimidade e seu temperamento calmo, manifestou grande indignação. Afirmou que o ato de Peluso era uma espécie de golpe, e ainda acrescentou que essa “disfunção” parecia ter desaparecido da realidade brasileira. Ou seja, não duvidou em comparar o golpe de Peluso com outros golpes (disfunções). O ex-ministro Tarso Genro, agora governador de RS, qualificou estes fatos como ditadura.

Entre os mais famosos e violentos golpes acontecidos na América Latina, há diferenças de tipos de aliança, graus de cumplicidade e relevância dos papeis de diferentes agentes políticos. Na Argentina, onde os militares tiveram até 1982 um poder absoluto, em aliança com a Igreja e os latifundiários, as forças armadas controlaram a vida civil até nos breves períodos de aparente democracia. Por esse motivo, todos os golpes se originaram no ambiente militar e nos partidos políticos cúmplices, e geraram ditaduras onde o elemento castrense foi o principal.

No Chile e no Uruguai, países com tradição democrática e laica, com poucos golpes em sua história, os assaltos ao poder de 1973 deveram ser preparados por uma prévia campanha de provocação da imprensa, as empresas, a CIA e, no caso do Chile, o judiciário. Já Brasil foi um caso intermédio, onde os fatores de provocação foram deflagrados pelos grandes proprietários, os agentes americanos, e as organizações católicas que prepararam a Marcha que antecedeu o golpe.

Em Honduras, em 2009, o golpe corresponde a outra época, onde o papel militar está reduzido. As forças armadas atuaram principalmente na repressão popular e no seqüestro e desterro do presidente Zelaya. A consagração da ditadura seguinte e a convocação das eleições fraudadas foram planejadas pela Suprema Corte.

Portanto, não é um argumento correto para negar que a ação do ministro Peluso seja um golpe, aduzir o caráter incruento e não militar da ação do juiz. Não sabemos qual foi o motivo desse ato provocativo contra o executivo e o próprio judiciário, mas ele pode ser visto como um golpe parcial. Ele não derrubou nenhum governo, e provavelmente não tenha interesse em fazê-lo, mas contribuiu a tornar mais frágil o executivo, e a subordinar o resto do judiciário.

É importante perceber que a decisão do presidente Lula foi imediatamente denegrida, a custa de quaisquer inverdades, pela maior parte da grande mídia, que tem um histórico muito preciso de desestabilização de governos populares. Também, foi deflagrada uma campanha de ódio contra o presidente pelas figuras mais tortuosas do poder legislativo.

Golpe contra Quem

O golpe “parcial” do presidente do STF afeta dois poderes:

1. O EXECUTIVO. (a) Não há, neste momento, nenhuma dúvida de que o Presidente tinha atributos legais para decidir em favor ou contra o ato de extradição. (b) A prisão de um extraditando só pode ser mantida durante o tempo que dure o processo. Se este acabar com a decisão favorável ao país requerente, o extraditando permanecerá preso até ser embarcado; se o processo culminar na rejeição, como neste caso, deve ser liberado. (c) O ministro Peluso, ao se recusar a liberar o ex-extraditando, nega a validade da decisão do presidente, numa manifestação de desacato.

2. O PRÓPRIO STF. No fundo, é o poder judicial o mais profundamente atacado. Vejamos. (a) O STF, por maioria, decidiu pela faculdade do presidente a decidir a favor ou contra a extradição, desde que respeitado o Tratado. (b) O parecer da AGU se baseia de maneira nítida no artigo 3.I.f desse Tratado, evidenciando que a situação de Battisti se agravaria na Itália. (c) Sendo que Lula agiu em estrito acatamento ao parecer da AGU, e este se baseia de maneira notória no tratado, as condições exigidas pelo STF estão cumpridas.

O presidente foi autorizado pelo STF a proferir a palavra final sobre a extradição. Se o STF pretende questionar sua decisão e rever o assunto, é claro que a palavra não será final. Chama-se final àquele estágio após o qual não nenhum outro!

Ao usurpar a tarefa do presidente, o ministro Peluso está (1) invadindo a área de incumbência do executivo, e (2) ALTERANDO a decisão do STF, da última sessão da EXT 1085. decisDO Necutivoo estionar sua decis proferir a palavra AGU, e este se baseia de maneira notdilte da grande mribunal Federal

Responsabilidade dos Ministros do STF

Na mesma forma que outras autoridades, os ministros do Supremo Tribunal Federal podem incorrer em crimes de responsabilidade. Os crimes de responsabilidade foram elencados na Lei 1079, de 10 de abril de 1950. Na Parte III, Título I, Capítulo I, se mencionam vários tipos de crimes aplicáveis a ministros do SPF. Em nosso caso, interessa apenas o primeiro. 

Art. 39. São crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal:

1- alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal;

Esta lei nunca foi derrogada, e embora alguns de seus artigos fossem absorvidos pela Lei 10.028, de 19 de outubro de 2000, o artigo 39 nunca perdeu sua validade. A pouca freqüência de sua aplicação se deve, em parte, a que raramente se cometem graves alterações nas decisões do tribunal.

Impugnação

Como qualquer outro ato fora da lei, a alteração de uma decisão jurídica pode ter diversos graus de gravidade. Obviamente, cabe aos juristas e não aos ativistas de direitos humanos, avaliar essa gravidade. No entanto, desde minha perspectiva de leigo, acredito que neste caso a alteração é muito grave e que, aliás, independe de ser um caso de extradição ou de qualquer outra natureza. Observemos:

1. Quando se discutiu no plenário do STF a faculdade do presidente da república para decidir, os ministros Peluso e Mendes aduziram que o assunto era confuso, e, especialmente Peluso, tentou forçar a decisão e confundir os que votavam em favor do chefe de estado.

2. Quando se percebeu vencido, Peluso proferiu uma evidente ameaça. Ele disse que se Battisti fosse mantido no Brasil por decisão do governo, quem tiraria ele da prisão?.

3. O mais importante é que a negativa de Peluso a aceitar a decisão do executivo, é uma alteração notória, que tira credibilidade ao judiciário, e gera na cidadania um sentimento de insegurança jurídica.

Em outros casos (muitos poucos, é verdade), houve reações da cidadania para impugnar alguns juízes. Embora esses casos parecessem justificados, deram lugar a longas polêmicas. Ora, quero enfatizar que desde minha visão não especializada do problema, entendo que a alteração da decisão da corte por parte de Peluso não é um ato polêmico. É uma manipulação pública, vista por milhões de pessoas, da decisão emitida pelo próprio Tribunal..

Desejo encerrar este artigo como uma pergunta dirigida aos que possuem formação jurídica. Não será que este ato justifica a impugnação (IMPEACHMENT) do presidente do STF?

Finalmente: lembrem Honduras…

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