jueves, 25 de febrero de 2016

A freirona do Colégio Eustáquio de Belo Horizonte

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Trovões roncaram grosso, nove paus no jogo de bolão do céu quando raios terríveis explodiram em Belo Horizonte. Listas de fogo que subiam da terra para explodir lá em cima intimidaram a capital dos mineiros, muitas senhoras devem ter corrido tapar os espelhos.

A nega Ouro Preto - é Jucinara, mas a gente a chama pelo nome da cidade de origem - inventou de teimar com os mais velhos. Pensei em lhe dar uma porrada, mas não, fui esperto, há tempos quero me livrar dela, me fiz de magoado.

Faltou luz. Ignorei a alemoa Cubom, de Sete Lagoas - da "Colonha" João Pinheiro, como ela diz -, que ainda tremia depois de cobrir tudo com lençóis.

- Vou sair, putedo. Quando voltar não quero mais ver a Ouro Preto aqui.

Desci a rua Rosinha Sigaud de chinelo de dedo, calção branco e camisa branca do Internacional de Porto Alegre, aquela que o Fernandão vestia quando fodemos o Barcelona, olhando atravessado para os autos que passavam fugindo da tormenta. 

Raio gosta de autão de rico. Tomara que torre um, aquele que passou e vi que o cara vestia a camisa do Grêmio, que vida ingrata, até aqui me aparece assombração dos cinco a zero.


Desci a Sigô, dobrei na Anhangaí e logo subi a Belmiro Braga, lá em cima caí na Chico Bicalho. Andei e andei pela Chico, passei o Xico do Churrasco e entrei numa mercearia chamada Epa.

Comprei uma garrafa de uísque vagabo e um guaraná.

Vou voltar lá, pensei. Aí me lembrei de algo: antes preciso arranjar uma substituta pra Ouro. Falei para a moça do caixa:

- Por favor, bela senhora, onde...

- Não sou senhora... - disse rindo.

- Uma linda moça, é a mania de gaúcho ser respeitoso, desculpe.


- Nada.... - e abriu um sorrisão, boa menina.

- Ã, por favor, pode me dizer pra que lado é o Colégio Padre Eustáquio?


- É só andar mais um pouco, logo ali...

Ai, meu Deus, só de pensar no Colégio Eustáquio fiquei com pau que é uma estaca.

Fui. Quando a chuva e a ventania me pegaram forte, tastaviei e entrei num bar, me dá um pano pra me secar e uma cerveja, meu camarada. 

Mas a professora do Eustáquio não vai me escapar. Quero ser um cão molhado se em uma semana a cabaçuda, toda cheia de pudor, não entregar o ouro.


Ouro ruivo.
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lunes, 8 de febrero de 2016

Insensato destino

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Putz, acordei muuuito aborrecido, com um barulhão infernal nos ouvidos. Aqui em casa tem uma lei: se ligar a tevê que não seja na Cultura morre, salvo uma explicação deveras convincente, tipo o rompimento de alguma barragem de múlti, assassinando tudo.

Pois a haitiana Sybille andou bebendo e ligou na porcaria da plim-plim. Acordei com uma pancadaria sem nexo e os gritinhos daquela coroa, a tal de Ivete Sangalinha, uma que cobra 600 mil para inaugurar hospital que desaba na semana seguinte, ridícula dando pulinhos em cima de um caminhão, a massa ignara lá embaixo. Junto dela um viadão tatuado vomitando um treco que confunde com música. Por mim que tatue o cu, é dele, só menciono as tatuagens para identificação do elemento.

A tevê levou dois tiros, o prédio inteiro acordou comigo, não foi puf-puf, tava sem o silenciador, os estouros foram ouvidos no Panamá. Ora se isto são maneiras de despertar um homem, e pior que perdi o sono. A Sybille jura que foi por engano, tá lá no quarto com seu vudu espetando o bolsonaro para me agradar.

Raciocinei: é meio cedo, mas o jeito é abrir uma cerveja e ouvir uma música.

Que cerveja nada: servi uma bruta dose de dyabla verde. Vi esse negão Almir cantando sem camisa num subterrâneo certa vez, no Rio, incendiou o teatrinho, suado.

Música boa, putedo!, - grito enquanto disparo de novo, pra cima, por azar destruí a lâmpada -, não essas bostas que botaram hoje!

Silêncio na casa, não são loucas de me responderem.
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viernes, 5 de febrero de 2016

ADIÓS NONINO

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Sabe, Bet, o ano de 1992 para mim foi muito ruim, muitas perdas, terrível desde o início. Pelo meio do ano já não suportava mais velórios e cemitérios. A morte à flor da pele. Meu Deus, nunca chorei tanto, maldito 1992.

Chovia, chovia, chovia...

Naquela noite dos primeiros dias de julho eu estava cercado de jovens, mas a solas num pequeno bar na esquina da José do Patrocínio com a Lopo Gonçalves, na Cidade Baixa, ouvindo uma moçada do Conservatório Palestrina fazendo bico, e a meu pedido o rapaz do violoncelo solava Adiós Nonino.

Bar pequeno, lotadinho, a moçada de 20 e poucos e eu, coroa experimentado, 39 anos, que tinha chegado por último, molhado de chuva, gravata torta, arregaçada, paletó de cor molhada, chapéu pingando, apertado de favor numa mesinha junto aos músicos. Não tinha onde largar o copo, em cima da mesinha algumas caixas dos instrumentos, deixei no chão, a moçada riu.

Quando dei por mim estava soluçando feito menino. O solista no meio da peça parou, perguntou a razão, o que foi, novo amigo? Não aguentei e disse, e... o bar inteiro desatou a chorar.

Piazzolla tinha morrido em Paris, soubera por telefone uma hora antes, sob chuva, por uma amiga parisiense, daí que, solitário, de briga com ex-amores, dinheiro curto, não dava para fugir para o Burundi ou para o Inferno, sem ter para onde ir e ser bem recebido, dei de andar a esmo pela Zé do Patrô, com ainda mais raiva do mundo. Acabou com registro de óbito em Buenos Ayres.

Ah, 1992. E naquela fria madrugada, bebendo com os moços e moças à memória do grande compositor, eu nem sonhava que no mesmo ano o pior ainda estava por vir.

Perdi o Pato, meu mano querido de infância e de toda a vida, tive eu, com as minhas mãos, que enfiá-lo numa gaveta do Cemitério João 23, até mais ver.

Depois me separei da mulher, tendo filhas pequenas, que até hoje me julgam mais ou menos mal, enfim, uma tormenta que não acabava mais, até o fim do ano, quando publiquei num jornal de Pelotas (RS), cidade que eu mal conhecia e que me tratou melhor que a cidade onde eu tinha vivido por 20 anos, no dia 31 de dezembro, por obra de amigos queridos de Regina Clara (que perdi antes, em 15 de maio), o desencanto com o ano que terminava, falando muito mal de alguém, ofendendo-o, já que a Deus, se existe, não devemos insultar, onde só na última linha se tomava conhecimento de quem se tratava, dizia: “Até nunca mais, 1992”.

A dona memória tem lá suas razões para evitar lembrar aquele ano. Morreu.

Em meados de outubro deflagrei o 38, num canalha sujo, pervertido. Até isso, morocha, mas fiz bem, para aprenderem que não podem ir entrando de sola em qualquer um, alegrões, ricaços, como incendeiam índios e pedintes, atirei sim, adeus.

A moçada do Palestrina, olhos cheios d'água, terminaram a música com fúria, e tocaram outras. Años de Soledad a penúltima, e voltaram, agora com a mocinha do violino, para Adiós Nonino.

Então, Betsabé, neste 4, agora 5, de julho me releve o nervosismo, já vai passar, sou o Bruno Contralouco, amore, tu sabe.




miércoles, 3 de febrero de 2016

CÂNTICO NEGRO E A INGUINORÂNCIA

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NÃO É POR AÍ

Não sou contra nem a favor, sou a favor da Justiça. Se não se resolver em primeira instância, há segunda. Homens civilizados resolvem em juízo as suas pendengas, embora em certos momentos, diante de insultos de adoidados que gritam "Vamos matar!", levados por outros, sem base alguma, sem argumentação, a gente morra de vontade de pegar em arma.

Nessas horas, ouvindo gritos raivosos de fanáticos e ignorantes - sem ofensa, o não saber, o desconhecer -, recordo do grande Paulo Gracindo, ao recitar Paulo Pontes.

Ops, Flora, a autoria é de José Régio, pseudônimo de José Maria dos Reis Pereira, (Vila do Conde, 17 de setembro de 1901 — Vila do Conde, 22 de dezembro de 1969), que sabes foi um escritor, poeta, dramaturgo, romancista, novelista, contista, ensaísta, cronista, crítico, autor de diário, memorialista, epistológrafo e historiador da literatura portuguesa, ensinou por mais de 30 anos no Liceu de... Portalegre:

(...)

A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

E recordo também do saudoso comediante Walter D'Ávila (Porto Alegre, 29/11/1911 - Rio de Janeiro, RJ, 19/4/1996), que dizia (não sei quem escrevia os textos, talvez Nani saiba) algo como:

"A inguinorância é que astravanca o progréssio".


De modos que, como dizem os gaúchos, quando alguém quiser atacar alguém, que venha com fatos, não com essas nojeiras de cartazes sem fonte que inundam a rede, demonstrando a maldade de quem fabricou à socapa, na calada da noite, e a idiotice, quando não ódio rasteiro, de quem repassa. Seja quem for o agredido, Lula, FHC ou qualquer outro notável brasileiro.


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