Bem,
eu que virei abstêmio e que hoje a pedido dos amigos que me viram aqui trancado
num apê, sozinho nesta madrugada de três de abril, muito chateado com a Klara (mulher é foda, meu, de escorpião ainda por cima, como a outra), tomei uma cervejinha, agora abri
outra, me ocorre de soltar o verbo, abrir meu coração:
"Gremista
é bom frito! Viva o Peñarol e o Inter!".
Pronto,
aliviei a alma.
Tirando
a brincadeira com os amigos tricolores (Nacional de Montevideo, por via de
consequência), que tomara que se fodam futebolisticamente, conto uma. Estou aqui em Santa Maria, RS, com a mãe, que fará 92
anos em agosto. Pelo avançado da idade ela virou menininha quanto às
lembranças. Por vezes não lembra o que fez há pouco (raríssimas vezes,
felizmente), mas da meninice vem tudo com uma claridade, riqueza de detalhes,
impressionante.
E
lembrando do colégio, lá pela década de 30, me saiu com esta:
- Lá
na escola tinha um professor, já velhusco, que falava muito pausado, eu tinha
uns 8 anos, e ele lia um livro lá na frente: "... esse é o fundamento...".
Um
coleguinha perguntou: o que é fundamento, professor?
Ele respondeu naquela
vagareza que o caracterizava:
- É
poço..., é buraco..., meu fio.
De
outra vez falava de mares e rios por este mundão afora, e outro coleguinha
perguntou:
-
Qual é o maior rio do mundo, fessor?
- É
o Uruguai, meu fio, o Uruguai...
Que
família bem boba, A mãe, como quem pressente o fim, deu de escrever memórias,
descobri que tenho parentes que nem sonhava, por parte da minha avó, muitos em
Palmeira das Missões. Seu pai era professor de cidadezinha do interior. Um
irmão mais velho, Ulisses Bindé Salazar, é nome de colégio na cidade de
Catuipe, que pertencia a Santo Ângelo. Soube quando me disse que continuava
escrevendo seu Diário (as memórias estão à parte), meninas tinham Diário. Pode
ler, se quiser, meu filho.
Li
passagens recentes, último dos muitos cadernos, tímido pela invasão de
privacidade.
"25/03/2015
- Levantei bem, tomei meio Diovan 160. O dia está nublado. Às 10h fomos
caminhar, eu e o Antônio, Às 12:20h tomei cápsulas de alho, Marília veio aqui
com a Lourdes. Antônio enviou a declaração de imposto de renda pela internet. À
noite tomei Glipage e um Diovan 160. Lourdes continua dormindo na Marília. Fiz
inalação às 22;20h. Dormi bem."
"26/3/2015
- Levantei bem..."
Na
passagem que fala de imposto de renda de uma aposentada, que ganha merreca e
paga na fonte uma vida inteira de contribuição, ri com amargor ao lembrar dos
gerdaus e paloccis da vida, um dia ainda darei um tiro nesses filhos da puta.
Por
estas e outras, quando Natividad estava em creche perguntei um dia:
-
Quanto é um mais um, pequena?
-
Dois, pai.
- E
dois elevado a menos um, quanto dá?
Fácil
demais, depois que deduzi num quadro improvisado o porquê do resultado. Nada de
decorar fórmulas, precisamos saber o porquê das coisas. Um ano depois, quando
ela entrou no ensino formal, comprei um quadro verde de verdade para
prosseguir, ela já sabendo mais do que um sobre dois. Matemática e filosofia dá
na mesma, pois não?
Tanto
que um dia, ao sair daquela vida, não precisei falar de motivos, apenas disse a
ela: Gorda (era magra), quanto é um trilhão elevado a menos 2.610?
O
método era o mesmo, a dedução igual, ela apenas silenciou e foi chorar no
quarto, de dor, aos gritos chorando pelo anúncio da minha ausência física, não me perdoando pela fuga, mas no fundo sabendo que
eu jamais a abandonaria.
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