Pelas nove da manhã um maravilhoso
sol em Porto Alegre. Estamos em mesas espalhadas defronte ao Beco do Oitavo. Eu
no meio de duas mesas juntas na ponta da calçada, nóti aberto, meu companheiro
do lado é Luciano Peregrino, para o caso desta joça empacar, ele sabe tudo de
computador de mão. Só não tem solução quando o sinal some. Cobram os olhos da
cara e não fornecem o sinal como prometido, aqueles... bem, isso é outro papo,
hoje não vamos falar de máfia. Acho que não.
Aqueles
filhos de uma puta das múltis!
O
Contralouco está sinalizando o fechamento da rua, já colocou os cones numa
ponta, caminha para a outra. Domingo é assim, quem manda são os boêmios, a
prefeitura já tem o resto da semana para não trabalhar. Aqui carro não passa, a
criançada pode brincar na rua. Nossos cones são cor-de-vinho, para diferenciar
dos cor-de-laranja da Prefa, a nossa cor serve para avisar aos moradores das
outras ruas do bairro: podem chegar que hoje tem festa. Aliás, o Portuga disse
que cedinho viu passar um carro com três fanáticos do bando do J. Bolsonaro.
A
turma se alvoroçou - ai que vontade de quebrar a cara dos viados - mas o
Portuga intervém, acha que foi por descuido, estavam chapados e não lembraram
que aqui não podem fazer o que fazem na Rua Paulista.
Marquito
Açafrão foi lá no Botequim do Terguino buscar o tonel e os espetos para o
churrasco, os malucos que agora estão lá o ajudarão a trazer, vem todo mundo.
Nisto chega a velha Jezebel fantasiada de cigana, se contorcendo e cantando
"Ai se eu te prego". Recebe uma vaia estrondosa. Em seguida ganha
efusivos aplausos, quando a turma percebeu que a letra é diferente daquela do
sertanojo. Não podemos aqui declinar a belíssima letra, tem muita rima em u,
ica e eta.
Trago
rolando, os boêmios aos poucos começam a falar de como foi a noite de sábado.
Isso vai demorar, muita gente ainda não chegou. O gaiteiro Nino emudece a rua
com os acordes de La Vie en Rose. Peço ao Portuga um duplo de uísque com
angustura. Leila Ferro se aproxima timidamente e diz: "Tio Sala, enquanto
o pessoal prepara tudo, será que eu poderia botar uma música no teu
blog?". Levanto-me prontamente: "Claro que pode. Vou no banheiro,
doçura, bote tu mesmo!". E passo esta geringonça para a Leila, que senta
no meu lugar.
Mr.
Hyde, o médico da confraria, que passou a noite de plantão no Pronto Socorro, chegou ainda de jaleco
com um barril de chope às costas. Enquanto passa em direção ao interior do bar,
vai avisando: "É só pra mim, seus palhaços, hoje quero me afogar, o que vi
de madrugada ninguém merece, mesmo com 20 anos de profissão!". Putz, ficamos
imaginando. Daqui a pouco relaxa e se solta, já chegou desabafando, é só do que
precisa.
Onze
e meia da manhã. Tocaram cinco vezes a música da Leila, as mulheres dançando
como a Tulipa.
Contralouco:
"Essa moça, a Tulipa Ruiz, é o meu tipo, docinha e gostosa, viva... Eu
casava para sempre, levaria flores todos os dias".
Jussara
do Moscão: "Pára, Contra, não vai azarar a vida da guria...".
Contralouco:
"Mas é sério, pombas! Aqui nunca se pode ser sincero!". E saiu
emburrado lá para a frente do bar. Gustavo Moscão olha de lado para a Jussara,
magoou por quê?
Um
dos assuntos que tomou as mesas foi a croniqueta que Salito de la Noche postou
ontem no blog, "Eu vou botar teu nome na macumba", a tigrada gostou,
contei sobre o dia em que Gustavo Moscão surrou um urubu evangélico de fatiota.
Gustavão todo humilde na mesa da ponta, minimizando: "Ora, não foi nada,
gente, só uns tapas, ele tinha só uma faquinha, briguinha...". Ora, depois
da "briguinha" arrastou o sujeito pelos cabelos por dois quarteirões...
Chegou
o boêmio, ator e dramaturgo Nicolau Gaiola. Em pé, também não precisou pedir a
atenção de todos, já o esperavam. Copo de chope na mão, começou:
"Senhores
seus e senhoras minhas, em nome dos empinantes do Oitavo e do Terguino,
proponho um brinde pela liberação da cerveja, de todas as marcas do mundo, em
todos os ambientes do Brasil".
Todos
encheram os copos e se puseram em pé, a quem passasse pareceria que se
preparavam para cantar o hino nacional.
Secaram
os copos, a turma voltou a sentar, e Nicolau prosseguiu:
"Nos
estádios de futebol e de todos os esportes, nem preciso falar: há que se
colocar torneiras de cerveja gelada nas arquibancadas, é o mínimo que se pode
esperar. O Lula51 pretendia fazer isso, mas os conservadores o compraram
naquele pacote da carta de Recife. E vamos dar um fim à discriminação aos
doentes, começando por incentivar os bares dos hospitais...".
Mr.
Hyde estremeceu e deu um salto para a frente: "Não, misericórdia, hospital
não, pelo amor de Deus!".
Nicolau
levou um susto, se atrapalhou, e continuou tentando se recuperar:
"Bem,
ã, sobre hospitais então vamos rediscutir o assunto mais tarde, o Hyde ainda tá
nervoso. Mas e as igrejas, meus amigos, as malditas igrejas, como aguentar sem
uma cervejinha gelada?! Os coveiros como aquele do Moscão, os botaremos no seu
lugar, isto é, de garçom! Já os da católica, pelas roupas parecerão garçonetes!
Com música!".
Aplausos
frenéticos, viva, bravo! As mulheres se finando de rir.
"Na
Câmara de Vereadores!, na Assembléia Legislativa!, no Congresso Nacional!,
bêbedos talvez os amigos do alheio façam algo que preste, além de aumentar os
próprios salários todos os dias! Nos bancos, liberar nos bancos, meus amigos,
só meio bebum para aguentar as taxas daqueles agiotas!".
"Nas
faculdades, um barrilzinho de 20 litros por sala de aula!. Como estudar,
tolerando a péssima qualidade do ensino e dos professores durangos, sem um
chopinho à mão, como, como!?".
Os
malucos começaram a se meter no seu discurso, acrescentando locais, sugerindo
também mesas de sinuca em todos, e melou tudo.
(...)
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