domingo, 20 de julio de 2014

Gigolô é a mãe

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O marido da polaca do oitavo andar, sargento ou major, algo assim, não entendo dessas hierarquias, só sei que se diz milico da pesada, daqueles de espancar e jogar pimenta e balas de borracha nos meninos e meninas, todo vestido de preto parecendo oficial da SS, macho que não se identifica confiante na impunidade, e se achando o cara por dar porrada em gente desarmada, bem, o otário chega em casa às duas da matina, então por precaução ela sai antes da uma, já conversamos o que tínhamos que conversar. Na saída ela ri e diz que não vai escovar os dentes, para que ele sinta o gostinho ao beijá-la na chegada, a tianga é doida, um dia vai acabar me arranjando incomodação.

Minhas mulheres chegam às quatro, e antes disso tenho muito trabalho a fazer, prometi a elas limpar o bendito fogão ora tapado de gordura, só na tampa interna do forno tem meio dedo, anos sem limpar e meta costela gorda. Disseram-me que derramando vinagre corta o barato da meleca, depois é só fincar detergente e ficar uma hora lixando com bombril. Já derramei duas garrafas de vinagre de álcool, por cima e por dentro do nosso bicho de seis bocas. Daqui a pouco vou lixar e lavar o amoroso, para que depois elas me lixem e lavem com mais ímpeto.

Hoje será mole, depois é só lavar roupa: vou ligar o negócio com sabão azul dentro e deixar girar, exceto as calcinhas, essas lavo no tanque, na mão, por gosto.

Por fim, farei comida para esperar as onças, as pobrezinhas chegam cansadas, hoje será spaghetti ao alho e óleo, comida de corredores e ginastas, vai direto para o sangue, energia pura, com salada de cebola com kiwi. As gurias só comem em casa, aquela comida lá do trabalho só bêbado para agüentar. Quando entrarem ficarei frio, pernas cruzadas no sofá da sala, engravatado, de terno azul-marinho, camisa celeste e chapéu bogart marrom com faixa azul, elas amam a gravata marrom italiana que me deram de presente - antes usava vermelha sangue, mas elas me disseram que não sou gigolô para andar de terno listrado e gravata berrante -, ouvindo o disco do Noite Ilustrada, fumando e tomando vinho, me fazendo de acabei de chegar da rua, depois que arrebentei com o último negão elas pararam de mandar me seguir, esperando que olhem o fogão, cosa más linda que vai ficar.

Depois nos ajuntaremos, os oito, na camona para assistir um filme, russo, elas sabem que americanos aqui não cabe, uns cagados querendo fazer a cabeça pela intimidação, como se tivessem três ovos, no último perdi a paciência e estraguei uma televisão, 38 especial com bala dundum é foda. Adivinhem se não fui elogiado carinhosamente pelos vizinhos, qualquer dia destes meto umas dunduns na cara deles, pois a polaca me confidenciou que uns e outros andam cochichando pelas minhas costas, me chamando de gigolô. Gigolô é a mãe, não sabem a trabalheira que tenho cuidando da casa e protegendo as gurias. Sou dono de casa, pombas, profissão "do lar", com a diferença que saio a hora que quero e quem protege sou eu, como bem sabem os imbecis que inventaram de mexer com as mulheres, eles já não estão entre nós. 

Cafifas são eles, que trancam as coitadas em casa, rodeadas de filhos, se matando de trabalhar para agradar os pulhas, enquanto eles vão entregar o dinheiro em bares e puteiros, deixa estar, vou passar o pau em todas, tempo não me falta entre quatro da tarde e quatro da manhã, quando as minhas estão na batalha. Quando estraguei a tevê os mancadas acreditaram que o fogão tinha explodido, como da outra vez que explodiu mesmo, naquela foi uma explosaozinha de nada, só queimou uma parte dos meus cabelos, além do corte no rosto pela tampa da panela que voou. Como são burros, se o tiro foi ouvido lá no Beira Rio.

Visto a velha calça Lee de serviço, boto rodar um bolachão do Nelson Gonçalves, mais uma meia-dúzia pendurados para irem caindo, adoro bolachão antigo, Paulinho da Viola, João Nogueira, Nei Lisboa, Clara Nunes, Nana Moskouri, sem esquecer a diva Kiri Te Kanawa, e mãos à obra, a felicidade custa caro.

(...)

A nega Conceição do Cativeiro Dourado foi a primeira a ver a lindeza, voltou da cozinha dando pulinhos de alegria, “Iuuú, o Salitinho não saiu, ficou trabalhando!”. Correram todas para a cozinha admirar a obra. Marieta de Uruguaiana exclamou: “Ai, tá lindo, branquinho, parece minha bundinha gostosa”. Jussara de Lisboa a interrompeu: “Só que esse é a gás, querida, e a tua come lenha”. Marieta não se conformou: “Sim, come lenha, e aos metros, por isso ganho mais do que tu”. E ficaram batendo boca, eu gelado, só me meto se partirem para o tapa. Jussara fez rima com o nome da Marieta, um troço de pulou a valeta, aí Frida, irritada, encerrou o assunto ao dizer que bundinha mais branca que a sua ninguém tem, e que se juntassem espichadas as lenhas que todas levaram no fogão daria para ir daqui à Fortaleza.

Alheia a tudo, a haitiana Sybille seguia fincando pequenos estiletes de pau em bonecos, precisava terminar também o seu trabalho, faltavam vinte políticos no seu vudu, eu que encomendei. Mariana de Rosário, a índia da Serra do Caverá, lá quieta no outro sofá, pensativa, me olhava séria, li seus pensamentos: jurou matar a polaca do oitavo se me tenteasse novamente, onde já se viu, querer roubar o homem, da outra vez foi garrafada, na próxima será punhal na goela. Ela está certa, essa polaca é muito sem-vergonha.


Minhas amadas me deram nos nervos. Mudo de assunto e pergunto do faturamento, elas começam a colocar os dinheiros em cima da mesa, conto a grana, R$ 8.900,00, comentam, como que se desculpando, que o movimento estava fraco, digo que para um sábado está bom demais. Guardo oito paus, deixando os novecentos para as despesas diárias, os oito segunda-feira deposito na poupança conjunta que abri para o futuro, com este ficaremos com novecentos e doze mil. Sem a minha assinatura ninguém mexe, eu posso mexer. Quando chegar a cinco milhões paramos e vamos gozar a vida em algum bangalô à beira-mar. 

Sirvo drinques para elas, tacinhas de vermute com cereja em palito para a maioria, martini com azeitona para Frida e Mariana de Rosário do Sul, me deram tesão, e pelo jeito que me olham serão as primeiras, boto rodar o samba Meu sonho é você, com o Noite, e pergunto se já tomaram banho. Carminda, Mariana e Frida não tomaram, se metem as três peladas no chuveiro. Lavou tá nova, meu. Da sala ouvimos os risos quando Carminda quis chupá-las debaixo d'água. Arrumo a mesa para o jantar às cinco da manhã. Daqui a pouco, na hora de dormir, vou querer voltar ao assunto das bundinhas, domingo não trabalhamos, temos todo o tempo do mundo.

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