Acordo
no meio da noite, 4:15, do dia 1º de julho de 2014. Estou vivo ainda? Apalpo, estou. Enfim recordando a briga que a memória teimava em esconder. Fiquei muito sentido com
aquilo, os anos não cicatrizaram a ferida que se abriu no meu coração. Hoje vou
fechá-la. Para fechá-la, machuco o meu coração ferido.
Foi
por uma bobagem. Sempre é assim, quando muito jovem a gente mete as mãos pelos
pés. Ainda bem, o quanto antes melhor, se não for assim depois vêm os tapas e
acaba em pancadaria, talvez morte. Acho que Aldir Blanc andou falando algo
parecido.
Não pode dar certo quando uma pessoa ama Beethoven e a outra é
fissurada no programa do faustão, e o bobo do Mozart ama e casa pelo corpão da
moça. É o que ocorre antes dos divórcios, mas antes não tinha divórcio, a
sociedade discriminava pessoas separadas. As pessoas sofriam duplamente. Mais
difícil era uma moça querida, amante de livros e de Mahler, querer casar com um
atleta semi-analfabeto, pela beleza física do humano, e sua conta bancária, mas
acontecia. Destino: tapas na boca, nos olhos, à mesa. Ou uma vida destruída na subserviência, com um destruidor ou destruidora com alma de dar dó pela pequenez.
Não
estou falando de marias-chuteiras ou pneu, boleiros ou corredores de auto, hoje
motivo de risos, muitos risos errados, porque ali o destino seria pior. Pode
ser. Mas não se pode generalizar, há gente maravilhosa em todos os meios. Todos
temos uma vida apenas, e dignos somos todos os que a vivemos sem prejudicar ao
outro, detentor de uma vida igual a nossa.
Hoje
a sociedade discrimina menos. Porém briga, separação, deixa a cicatriz em
nossas almas, aos que a tem. Eu desconfio da franqueza de quem sai rindo de uma
relação de um ano, imagine dez ou trinta. A pessoa pode ser boa, mas mente a si
mesma. Se sair fingindo que não foi nada, ou falando mal do outro, não aprendeu
nada. Sequer entendeu que ninguém erra sozinho.
E com crianças no meio, melhor nem falar.
Logo
a carne nos toma satisfações e saímos procurar companhia em sites de pessoas
igualmente necessitadas, para repetir os mesmos erros. Melhor pagar uma
prostituta, que depois não vem incomodar, me disse certa vez um primo, com
brutal franqueza, aquele tem mundo, embora ele não fizesse isso, era feliz em casa.
Também nunca fiz, antes havia morado em bordel de favor, ainda mocinho conhecia aquela vida, transei com todas as trinta moças do lugar, elas me ensinaram tudo o que sabiam, que manhãs, que tardes, de favor,na caída da tarde me beijavam, e chorávamos juntos pelo destino que nos colocou naquelas camas, era até amanhã, para brincar com as crianças, jogar cartas, diversão, não era somente me ensinarem coisas boas na cama. Até mais, as noites eram de quem pagava, mas na falta de amor de verdade depois tentei e não pude, escrevi sobre isso.
O
nosso caso era um pouco, não muito, diferente, ambos gostávamos de boa música.
Caidinha
por mim, mimosa, eu amava e conhecia mais tangos que ela e sua família inteira
e metade da Argentina, tínhamos amizade apenas, talvez aí o erro, se tu não
namorar, outro namora, para não dizer outra coisa.
Amizade
coisa nenhuma, ao menos por mi parte: eu alimentava esperança de cumplicidade,
beijos, nudez, amor, e em certa noite, querendo agradá-la, disse que achava lindo,
fascinante, o seu narizinho de lechuza.
Pra
que.
Ela
me saiu mal, com um no me gustó com tom de voz inimigo, revoltada, e eu não
gostei do seu tom de voz, de raiva por um elogio que cometi, e um tantinho
irritado (tinha bebido todas) aumentei: gostei do teu narizinho de lechuza
culebra. Fui-me al yuyal.
Fechou o tempo, ela me chamando de bandido, asesino e maricón. A pobre, depois
dela tive miles de mulheres, enquanto ela parou no primeiro bobo que a
encestou.
E agora, vinte anos passados, fica me acordando de madrugada, o telefone gritando. Vi na luz azulada do celular 5411, ligação de Buenos Ayres, de novo. Chorei de joelhos ao lado da cama, apertando as mãos na cabeça, mas não atendi.
Pero
hoje reconheço que eu poderia ter tido mais paciência, ser o que chamam de
tolerante, mas sabonete não, por favor. Verdade mesmo, preciso ter mais
paciência com as pessoas, tentar entender suas dificuldades. A vida inteira
assim? E ninguém correspondendo? Ora vai, acabou a paciência. A rua está cheia
de mulheres. Quer um escravo, dona? Faz-me rir o que andas dizendo. Eu queria
um amor.
É
aquilo, tu leu cem mil livros e desaprende de pegar leve, um grave erro, pois
nada sabemos, nunca saberemos, salvo que sei que não sei, como disse aquele
outro.
Alex Moraes, o que me diz,
nobre poeta e pensador? Falo do Alex porque argentino de Porto Alegre deve
entender melhor essas letãs que cantam tangos.
Enfim,
perdi a mulher, por burro. E nunca consegui mudar, se é assim que as coisas
funcionam sou e sempre serei burro. Insensato destino.
Na
última vez que a vi pareceu-me envelhecida, gasta, desesperançada, e ainda com
aquele seu lindo narizinho de lechuza.
Una lechucita.
Deixo
um tango (1944, música de José Dames y letra de Horacio Sanguinetti).
Viva a Argentina! Os belgas e estadunidenses que se fo... se explodam.
Vou tentar dormir, se ela deixar.
Nada,
nada queda en tu casa natal...
Sólo telarañas que teje el yuyal.
El rosal tampoco existe
y es seguro que se ha muerto al irte tú...
Sólo telarañas que teje el yuyal.
El rosal tampoco existe
y es seguro que se ha muerto al irte tú...
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A foto que ilustra a postagem é da cantante argentina Julia Zenko, que interpreta "Nada".
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