Amigos,
não aguentei e desapareci, aquele maldito câncer acabou comigo. Curei-me, claro, gastando o que não tinha, mas desabei por dentro, o egoísmo e a ingratidão humana me marcaram para sempre.
Sigo morando neste cubículo da Rua Otávio Correa aqui na Cidade Baixa, a velha tá com 89, naquela fase que tenho que lhe ajudar a tomar banho, e caduquinha da silva, foi muito judiada na vida, esquece de me cobrar o aluguel do quartinho, mas um dia essa mordomia vai acabar, por enquanto os seus parentes sabem que cuido dela, coisa que eles nunca fizeram, mas quando morrer tou frito, se eu não estivesse aqui já teriam fincado a coitada da D. Iraci num asilo público e vendido o casebre.
Tou
devendo na Mercearia do Nelson lá da Av. Venâncio Aires, uns cigarrinhos
paraguaios, isqueiro, cachaça e mais umas coisinhas; tou devendo anos de
contribuições pra sindicatos de classe, há cinco anos tou devendo pro dentisto,
se presidenta resulta em presidente, se empresária dá empresário, então chamo de dentisto, é macho, na época paguei
com cheque frio dois implantes e algumas obturações.
Tou
devendo duzentos mil para um agiota fiadaputa - o banco Itaú, ele diz que deixa
por quatro mil mas este não vou pagar mesmo que eu pegue na Mega; tou devendo
pruma mulher, proutra mulher, bem, prumas trinta mulheres que já sumiram da
minha vida quando sentiram que daqui não sairia nada.
Não
devo luz nem água porque é gato, nesse ponto dou lucro pra D. Iraci. A internet
também é gato.
As
roupas puídas, comprar novas de que jeito? Sapatos furados, uma droga em dia de
chuva.
A
Glock e o 38 sem balas, se for atacado pelos nazistas do Parcão, uns que gostam
de espancar quem aparenta ser mendigo, terei que me arranjar só com o punhal.
Como
estou com o nome fodido em todos os órgãos de proteção ao crédito dos bandidos,
arranjar trabalho nem em sonhos, até porque cassaram meus registros
profissionais de atuário, advogado, filósofo de meia-tigela, sociológo (este eu
rasguei em homenagem ao FHC), até de gigolô.
Para
dar uminha de vez em quando pego uma alemoa bunduda de um puteiro da Venâncio
lá perto da João Pessoa, ela gosta de mim, faz no amor, mas tem que ser rapidinha pra ela
não ter problemas com a cafetina.
Não
tomo uma cerveja há séculos, o preço é um roubo. Só pinga mucufa, uma garrafa
me dura três dias. Livros eu leio, a moça da Biblioteca Pública deixa eu levar
pra casa, toda semana pego cinco, na outra semana devolvo e pego mais cinco.
E
por aí vai, não falo em alimentação para não provocar choro nas amizades, só digo
que não estou tísico com as sopinhas da velha porque de vez em quando trago
umas bananas da Merceria do Nelson.
Pressionado
assim, na noite passada sonhei em pegar os 90 milhões da Mega na quarta-feira.
Sei que a grana está reservada para magnatas e políticos ladrões, as regras de
apostas determinam isso, mas sacumé, de repente um milagre.
No sonho me veio claramente os números, os vi luzindo em doirado no escuro do meu quarto, nove números, sei que os seis que preciso estão ali. O diabo é como jogar, nesta dureza.
Fiz
as contas: tenho 459 amigos no Facebook, se cada um me mandar cem contos, junto
45.900,00. Faço a aposta, pago a Mercearia, o dentisto e as mulheres, o
restante que se foda, não pago, e sobra dinheiro. Só não sei como pegaria a
grana, se os amigos toparem, pois obviamente há anos encerraram minhas contas
bancárias. Aceito sugestões.
Ah,
se eu pegar as noventa milhas, retribuirei distribuindo pelo menos metade da
grana aos amigos. Com uma partezinha da minha metade compro uma mansão e levo a
D. Iraci morar comigo, com direito a babá.
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