martes, 19 de abril de 2016

Correr para onde?

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Amigos, não aguentei e desapareci, aquele maldito câncer acabou comigo. Curei-me, claro, gastando o que não tinha, mas desabei por dentro, o egoísmo e a ingratidão humana me marcaram para sempre.

Tantos anos se passaram e agora creio que posso voltar.

Sigo morando neste cubículo da Rua Otávio Correa aqui na Cidade Baixa, a velha tá com 89, naquela fase que tenho que lhe ajudar a tomar banho, e caduquinha da silva, foi muito judiada na vida, esquece de me cobrar o aluguel do quartinho, mas um dia essa mordomia vai acabar, por enquanto os seus parentes sabem que cuido dela, coisa que eles nunca fizeram, mas quando morrer tou frito, se eu não estivesse aqui já teriam fincado a coitada da D. Iraci num asilo público e vendido o casebre.

Tou devendo na Mercearia do Nelson lá da Av. Venâncio Aires, uns cigarrinhos paraguaios, isqueiro, cachaça e mais umas coisinhas; tou devendo anos de contribuições pra sindicatos de classe, há cinco anos tou devendo pro dentisto, se presidenta resulta em presidente, se empresária dá empresário, então chamo de dentisto, é macho, na época paguei com cheque frio dois implantes e algumas obturações.

Tou devendo duzentos mil para um agiota fiadaputa - o banco Itaú, ele diz que deixa por quatro mil mas este não vou pagar mesmo que eu pegue na Mega; tou devendo pruma mulher, proutra mulher, bem, prumas trinta mulheres que já sumiram da minha vida quando sentiram que daqui não sairia nada.

Não devo luz nem água porque é gato, nesse ponto dou lucro pra D. Iraci. A internet também é gato.

As roupas puídas, comprar novas de que jeito? Sapatos furados, uma droga em dia de chuva.

A Glock e o 38 sem balas, se for atacado pelos nazistas do Parcão, uns que gostam de espancar quem aparenta ser mendigo, terei que me arranjar só com o punhal.

Como estou com o nome fodido em todos os órgãos de proteção ao crédito dos bandidos, arranjar trabalho nem em sonhos, até porque cassaram meus registros profissionais de atuário, advogado, filósofo de meia-tigela, sociológo (este eu rasguei em homenagem ao FHC), até de gigolô.

Para dar uminha de vez em quando pego uma alemoa bunduda de um puteiro da Venâncio lá perto da João Pessoa, ela gosta de mim, faz no amor, mas tem que ser rapidinha pra ela não ter problemas com a cafetina.

Não tomo uma cerveja há séculos, o preço é um roubo. Só pinga mucufa, uma garrafa me dura três dias. Livros eu leio, a moça da Biblioteca Pública deixa eu levar pra casa, toda semana pego cinco, na outra semana devolvo e pego mais cinco.

E por aí vai, não falo em alimentação para não provocar choro nas amizades, só digo que não estou tísico com as sopinhas da velha porque de vez em quando trago umas bananas da Merceria do Nelson.

Pressionado assim, na noite passada sonhei em pegar os 90 milhões da Mega na quarta-feira. Sei que a grana está reservada para magnatas e políticos ladrões, as regras de apostas determinam isso, mas sacumé, de repente um milagre.

No sonho me veio claramente os números, os vi luzindo em doirado no escuro do meu quarto, nove números, sei que os seis que preciso estão ali. O diabo é como jogar, nesta dureza.

Fiz as contas: tenho 459 amigos no Facebook, se cada um me mandar cem contos, junto 45.900,00. Faço a aposta, pago a Mercearia, o dentisto e as mulheres, o restante que se foda, não pago, e sobra dinheiro. Só não sei como pegaria a grana, se os amigos toparem, pois obviamente há anos encerraram minhas contas bancárias. Aceito sugestões.

Ah, se eu pegar as noventa milhas, retribuirei distribuindo pelo menos metade da grana aos amigos. Com uma partezinha da minha metade compro uma mansão e levo a D. Iraci morar comigo, com direito a babá.

Se não pegar, com a grana que sobrar do empréstimo dos amigos e amigas do Face compro munição, muita munição, saberei o que fazer para ganhar dinheiro, logo estarei enviando regularmente dividendos a quem apostou em mim. 

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