jueves, 22 de febrero de 2018

GATO DE RUA PELA VIDA

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De tão puto da cara fiz coisas na vida das quais me arrependo. Arrependo-me de algumas, bem entendido, na maioria acertei na pinha. Desta não me arrependo, peguei leve.

Chutei a lata de moedas que o mendigo sentado na calçada ao lado da porta de entrada me estendeu. Puxei a aba do chapéu e subi as escadas. Entrei no cabaré disposto a matar as putiangas e quem mais se atravessasse, ora vão contrariar a puta que as pariu, comigo não.

Elas se chavearam lá dentro do quarto grande, mortas de medo. Os únicos seis clientes do puteiro saíram correndo espavoridos ao verem o 38 de bico para baixo. Não atirei neles, não era com eles que eu estava bravo.

Os dois leões de chácara se mijaram, eu disse corram pro banheiro seus vagabundos, e fiquem lá. Por pouco não queimei um que me olhou descontente de rabo de olho.

Os gatos, ao me verem entrar, esticaram os rabos para cima, ficaram feitos a querida planta Espada de São Jorge, o jeito dos queridos felinos de demonstrar alegria e apreço quando reconhecem um irmão que só lhes fez bem.

Desarmaram-me o espírito, alguém gosta de mim e festeja a minha chegada. Eu tinha resolvido castrar o canalha do veterinário que os castrou mal, bêbado no cabaré, deixando sequelas graves. Para ele ver como é bom. Olho por olho, dente por dente.

Castrar eu sei que é necessário, mas assim não, me aleijou os gatos, andam meio de lado, eu tinha recebido os exames da clínica de gatos onde os levei. O bandido não estava no bordel, teve sorte, sorte que não duraria para sempre. O infeliz errou de homem, não perguntou quem era o dono e irmão dos gatos.

Voltei lá fora, me desculpei com o velho pedinte, por favor o senhor me perdoe, eu tava nervoso, não quis lhe desrespeitar, e lhe alcancei dez contos.

Fiquei sozinho no cabaré, luz negra, numa mesa do meio bebendo vinho e ouvindo uns discos do Nelson Gonçalves. Duas horas depois as mulheres timidamente começaram a sair do quarto grande. Fiz que não vi. Caíram de joelhos na pista de dança pedindo perdão, chorando lágrimas de crocodilo.

Demorei, fingindo que não as via nem ouvia, até Nelson terminar a canção, mas depois as desculpei por um gesto: guardei a arma. Vão lá no banheiro e digam pros leões de araque que os mandei ir embora.

Porém as marquei na paleta, barato não sairia. Vou repetir, putas: ninguém, nem hospital, corta familiar meu, não corta nem vocês, sem que eu esteja presente e autorize.

Levei dois anos procurando, ele tinha dado nome falso, mas era mesmo formado. Um dia achei o veterinário criminoso. Os meus bugres de Eldorado do Sul o trouxeram amarrado para o cabaré, eu queria que elas vissem.

O bandido não gostou nada de ser castrado com faca semi-cega, a mesma faca que ele havia usado com os meus parentes.

Quando ele sentiu o drama pediu aos berros pelo amor de Deus, eu estava bêbado. Eu também estou bêbado, respondi, enquanto me abaixava. Pensei em cortar-lhe a garganta, para amenizar o sofrimento, mas me controlei, morreu se esvaindo pelos testículos extirpados.

Mesmo eu cuidando das suas sete vidas meus gatos agora só tem quatro. Eu perdi cinco, tenho duas ainda, e vou vendê-las muito caro.

Cuidado comigo, governador dos puteiros, elas erraram, mas aconteceu em seus domínios.
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