martes, 8 de marzo de 2011

Rua do Perdão na terça gorda, 8 de março de 2011

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Hoje, finalmente ao que parece com algum apoio dessa droga de Prefeitura de ricaços, a Rua do Perdão (Rua da República, entre José do Patrocínio e João Alfredo) terá seu auge. Realização do Movimento Quilombista Contemporâneo, com o sempre eterno Pernambuco à frente. As homenageadas? As mulheres. Ui.

Programa:

10 h (já foi) mas segue - Concentração
15 h - Baile Infantil (prestes a começar)
19 h - A festa é nossa, é de todos.

Eu vou levar um banho de cheiro das negras baianas, ver o piano na rua e dançar com o Grupo Tabu e Areal da Baronesa do Futuro.

E estou com sede!


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Madureira chorou

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Ao falar de Mestre Marçal, sem querer escrevi "Madureira chorou", pois Marçal, mesmo nascido em Ramos e tendo morado em São Cristovão, Olaria, Estácio, Inhaúma e Pilares, em Madureira era onde deixava seu coração.

Pois bem, "Madureira chorou" também é um clássico da música brasileira, autoria de Carvalhinho e Júlio Monteiro, pelos idos de 1958.

O samba foi composto em homenagem a atriz e vedete Zaquia Jorge (Rio de Janeiro, 06/01/1924 - 22/04/1957), mulher de Júlio Monteiro, que morreu afogada ao despencar em um perau durante um banho de mar na Barra da Tijuca, que na época era um deserto e a turma aproveitava para banho como se veio ao mundo. A fantástica Celeste Aída, sua grande amiga, quase foi junto tentando salvá-la, e quando os homens chegaram correndo, por estranharem de longe o desespero de Celeste, era tarde demais, perau muito fundo. Em poucas horas, milhares de pés pisaram condoídos a areia branca da Barra virgem, pés de pessoas que dariam tudo para ter chegado a tempo.

A sua morte trágica, naquele distante abril de 1957, causou grande comoção na comunidade que a amava, e aqui fico a imaginar os soluços do Júlio quando em seguida compôs com Carvalhinho o que seria o maior sucesso do carnaval de 1958.

Abraço, Zaquia. Abraço, Júlio. Abraço, Celeste. Abraço, Carvalhinho. Abraço, Madureira!

Em tempo, pelo comentário abaixo: Abraço, Olavo Drummond!

lunes, 7 de marzo de 2011

Refresco com Mestre Marçal

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Nesta segunda-feira de leve ressaca, reverenciamos a memória de Mestre Marçal (Nilton Delfino Marçal, Rio de Janeiro, 1930 - 9 de abril de 1994), cantor  e ritmista brasileiro, que por mais de vinte anos foi diretor de bateria da Portela (também dirigiu a Estação Primeira de Mangueira), de onde a politicagem o afastou para ser bamba na Unidos da Tijuca.  Mestre Marçal tocava todos os instrumentos de percussão, do ganzá ao tímpano, passando pela cuíca, pandeiro e tudo o mais.


Um cara de uma categoria impressionante, e tinha lá suas histórias: “Arrumei uma preta num morro, lá em Brás de Pina, mas a preta tinha um boxeur. O crioulo parecia um duplex. Fui lá ver a preta. Subi o morro e encontrei o crioulo em pé na porta, parecia um guarda-vestido. Aí, eu vi que sujou e fui embora. Fui saindo, não vi o arame farpado, escorreguei, encarei o arame, mourão, vim caindo, embolado com aquilo tudo e vim parar no asfalto. Todo arranhado, meu terno rasgado. Mas não tem nada, perdi aqui, mas vou ganhar lá na frente. Me arrumei todo e me dei bem com outra preta, pois coração de sambista tem sempre vaga pra mais um”, contava às gargalhadas.


Era filho do consagrado Armando Vieira Marçal, que se notabilizou ao fazer músicas com outro marcante compositor, Alcebíades Barcellos, o Bide.


Em 2000 emocionados acompanhamos o show  Enredos e Terreiros, no Teatro Rival, quando Nei Lopes, Xangô da Mangueira, Tantinho e Nilton Campolino o homenagearam pelo que seria os seus 70 anos. Madureira chorou.


Saudades, Mestre Marçal!

Na casa de Antonio Magallanes

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Miss Dolores Sierra,  nos braços de Jamil Saladino, o mouro.

sábado, 5 de marzo de 2011

Banda DK na Rua do Perdão

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Enfim, sábado de carnaval. 

A Festa de Carnaval da Rua do Perdão, na Cidade Baixa, em Porto Alegre, daqui a pouquinho vai agitar a comunidade. A Festa foi criada em 1972, como uma manifestação popular contra a ditadura da milicada da época.
Ela foi interrompida entre os anos de 1985 e 2007. Sem os ridículos gorilas para provocar, a gente acabou indo um para cada lado.

Pela primeira vez, o evento será realizado na Rua da República, entre a José do Patrocínio e a João Alfredo. Teremos um palco em frente ao Teatro de Câmara Túlio Piva (saudades, Túlio!).

A novidade é a participação da minha banda, a DK, nome dado em contraposição à  formidável Banda Saldanha Marinho, que era a "de lá", em amistosa rivalidade. Por alguma estranha razão, eu gostava mais das mulheres de lá, mas sem abrir das de cá. Eu menino de má e  injusta fama, matando cachorro a grito, era injustiçado: as de lá, como as de cá, nem me olhavam. Snif. Na verdade era muito novinho.

A DK está parada há 22 anos. Hoje a festa rola a partir das 17 e até às 23 h, segundo o calendário oficial, mas a turma vai mais longe, conheço essa raça da boemia...

A última vez em que a DK saiu foi pela Saldanha Marinho. Explico: a DK havia cerrado as portas, e no ano seguinte muitos de nós nos infiltramos na "de lá", de fora da zoeira é que não iríamos ficar. Com a Saldanha, era para termos aberto o carnaval  oficial  na avenida,  cedo da noite, a  cambada de malucos deveria passar por lá às 20 h, quando o desfile ainda era ali pertinho, na Perimetral. Lá se fomos nós,  homens de odaliscas, mulheres de terno preto e chapéu Bogart, pierrôs, os pirados e muitos ébrios do Vicente Celestino. 


O carro-chefe (único) da banda da Saldanha era um auto velho caindo aos pedaços, do nosso presidente de honra, o jornalista Melchíades Stricher (saudades, Mel!) por sinal o autor do nosso "samba-enredo":

(refrão)
Nada pessoal
Vou te currar
neste carnaval

Com este teu jeitinho
Nesse fio dental
Com essa bundinha
e etecetera e tal

Que legal!

E toma refrão. Uma obra-prima, como os amigos podem notar. O pessoal da bateria  e dos sopros (desde pistão até trombone e tuba) era uma junção de boêmios de todas as escolas de samba de Porto Alegre, negada, brancada, a DK até japa tinha, todos tinham que evoluir na avenida, mais tarde, mas nunca entendi como pudemos imaginar  conseguir esse feito, abrir o carnaval, depois de horas zanzando pelo Menino Deus e  pela Cidade Baixa, arrastando o povo ao passar. Com todos aqueles litros de pinga quente. Fora as geladas que pintavam pelo caminho, sem perder a marcação.


Lembrar do Mel... Fui admitido na confraria quando entrei no buteco que servia de concentração às 3 da tarde, de camisa do Inter, saia roxa e o salto dez da minha baixinha, já arrebentados pelos modestos 39/40, mas contra 35. A pequena de chapéu e dentro de um velho paletó todo fudido, rasgado, de ébria, com os pés boiando dentro do meu sapato preto de casamento.

Se não me engano o bar era na Av. Érico Veríssimo, esquina com a Marcílio Dias ou Botafogo. Entramos fugindo de um sol danado lá fora. Perguntei em voz alta, que saiu como eu não queria, emocionada, por eu ter sobrevivido até ali e pela coragem de entrar: "Como é que me inscrevo na Banda, meus irmãos". A tigrada me olhou e virou os olhos em direção a um velhote (o Mel) num canto, cercado de gente e em frente a um tonel de cachaça. Encheu um copão e respondeu: "Se tomar tudo, tá na irmandade, neguinho". Tomei. E este brancão ganhou muitos irmãos queridos.

Que hoje espero rever.

Bem, naquela última vez, 22 anos atrás, não abrimos o carnaval.

Às 8 da noite a maioria mal parava em pé, mas lá se fomos com o carango do Mel à frente, ele numa água dos diabos deitado sobre o capô, em pose sensual, todo lúbrico, com uma garrafa de Amansa Corno na mão. Nessas alturas éramos muitos, centenas, sonho com cinco mil, sei lá, pois a gente invadia os prédios na passagem e puxava o pessoal, com a vó e o vô junto, numa boa.

O carro quebrou para sempre duas quadras antes da Perimetral.


E chegou a hora, fui, à República, não perco por nada deste mundo.
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Zé da Zilda

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Zé da Zilda (José Gonçalves, Rio de Janeiro, 06 de janeiro de 1908 - 10 de outubro de 1954) nos deixou há muito tempo, mas enquanto houver samba e carnaval sempre será lembrado. Entre tantas jóias,  a marchinha abaixo (parceria com Zilda do Zé e Valdir Machado; bonito isso, né, ele era da Zilda, e ela era dele...), por ele mesmo. Na foto ele e Zilda, obviamente.

Até  hoje o samba nacional está enlutado por te-lo perdido precocemente, um cara que proclamava que o mundo inteiro não valia o seu lar. Pouco antes de partir, saiu-se com essa do Saca Rolha.

Abraço, Zé!













E a gente? A gente fora dessa...

viernes, 4 de marzo de 2011

Concha Buika..., saudosa em nervos e alma. Um tango:

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Concha Buika... como falar dessa moça?... Estava na lista de maio, mas apresso-me em dizer algo. Por falar em saudade, por falar no mundo lá fora, escondido dos brasileiros, é preciso falar dela, uma amiga lembrou, e como podemos partir antes do planetinha...

Ah, o Diego Salazar, El Cigala,  tocado em tango há meses aqui no blog, gravou alguns tangos e hoje é um dos discos mais vendidos de Espanha. Sei que não é disco, é CD, DVD, pero gosto de dizer disco. 

Alguns argentinos torceram a cara, ora, cantor de frente, sin bailadores, de flamenco, dizendo tangos com amor... mas é briga caseira, no fundo tiraram o chapéu com fogo no peito. Isso, primito! 

Bem, Concha... mais conhecida por Buika solamente, é nascida em terras de Espanha, em Palma de Mallorca.  Balear.

Sangue com origem na Nova Guiné. Todo espaço será pouco para se falar dessa negra que carrega todas as cores no sangue e na alma.  

Nasceu Maria Concepción Balboa, em 11 de maio de 1972.

Buika brotou na paisagem misturando flamenco com fortes pontadas de jazz e soul.

Uma bomba atômica intimista. Jazz elétrico da Germânia. Funk. E abolerada.

Desde Londres, Barcelona, Paris, Las Vegas... desde el mundo, es lo que es, adorada.

Por alguma razão terrorista, é desconhecida no Brasil, como Diego El Cigala.

Para iniciar sua triunfante estréia aqui na palafita, vem com um tango de 1936, dos espetaculares Juan Carlos Cobián y Enrique Cadícamo, letra e música entre as mais lindas das nossas vidas.

À cubana, como declaram piano e batida. Flamenco cubano.

Como dizia uma versão em português: "Geme um tango triste, bandonéon, talvez a ti te doa igual algum amor sentimental...".

Gris. Nostalgias.

A mis amigos, que conhecem Buika. 

Aos que jamais a viram: ouçam três vezes. 

Hoje para Carolina, Natividad e Maria Eugênia. Meninas.

Yo no quiero rebajarme,
ni pedirle, ni llorarle,
ni decirle que no puedo más vivir...
Desde mi triste soledad veré caer
las rosas muertas de mi juventud.























miércoles, 2 de marzo de 2011

Homens e marchinhas (marcha de rancho)

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Estrela do Mar foi um dos maiores sucessos dos anos 50. Ainda é. Mesmo o Brasil, pelos seus "empresários", seja uma colônia dos Estados Unidos, tem coisas que não se arranca assim tão fácil da alma do povo. Um dia talvez consigam, quando a turma do FHC-DEM retomar o poder, pois na falta de outros ativos venderão as nossas almas, com humilhante deságio. Talvez isso seja bom, vai que aí a massa destrua tudo, para recomeçar.

Composição de  Paulo Soledade (Paulo Gurgel Valente do Amaral Soledade, Paranaguá, PR, 29/06/1919 - Rio de Janeiro 27/10/1999) e Marino Pinto (Marino do Espírito Santo Pinto, Rio de Janeiro, 18/07/1916 - 28/01/1965).

Paulo Soledade tem outros grandes sucessos, o que mais amo é Estão Voltando as Flores, que compôs solito. Com Antonio Maria tem Insensato coração. Já é noite, com Fernando Lobo e Sonho desfeito com Tom Jobim.

Marino Pinto tem entre sua grande obra: Aos pés da cruz, com Zé da Zilda, Cabelos brancos, com Herivelto Martins, Chega mais, com Pernambuco, Cuidado com o andor, com Mário Lago, Nós os carecas, com Arlindo Marques Jr. e Alberto Ribeiro e Teleco-teco, com Murilo Caldas.


Estrela do Mar foi lançada por uma moça que havia escolhido como nome artístico o nome (um dos muitos nomes da Estrela da Manhã) de Dalva de Oliveira (Vicentina de Paula Oliveira, Rio Claro - SP - 05/05/1917 - Rio de Janeiro, 31/08/1972) no sagrado ano de 1952.








Pastorinhas é de 1934, quando João de Barro, ou Braguinha (Carlos Alberto Ferreira Braga, Rio de Janeiro, 29/03/1907 - 24/12/2006) propôs a Noel Rosa (biografia à parte...) numa mesa de bar: "Noel, vamos fazer uma música com aquele ritmo das pastorinhas da Vila Isabel na noite de Santos Reis?". Noel topou e a fizeram ali mesmo, em meia hora compuseram "Linda Pequena", mais tarde com alterações feitas por Braguinha, no título e na letra.









Marchando... lembro que eu não gostava da Maria Betânia, como também sempre desconfiei da original, a Maria de Betânia, bem diferente daquela que o Nelson Gonçalves gravou.

Ainda não gosto.

A mulher me perguntou naquele quartinho:

- Mas por quê não gosta dela, se todo mundo gosta, as marchinhas sei que tu ama...

- Por isso mesmo, todo mundo gosta. Veio cantar marchinha agora. Antes eram esquerda. Acorda, Alice: artista não tem lado, salvo poucos, e estes criticados pelo seu proceder, ora misturar arte com salvar o povo; artista canta até para o Médici, o negócio deles é dinheiro, tomado das massas como a turma do Delfim Netto toma, sempre foi assim, sempre será assim. Lições de ré-fá-sol-lá-si não ensinam a viver e ser gente, ensinam apenas a saber tocar.

- Não entendo. Me diz, por quê ela?

- Não é só ela, aquele aleijado mental do Roberto Carlos não consigo ouvir que me dá um nojo, e tem mais um monte. Ela até que eu aguento bem. Pegue o irmão dela pra ti, pra ver. Intelectual. Com um ano dos doze de colégio dele, com comida, pai, amigos... Tá cheio de guri assim aí fora. O mesmo serve para jornalistas, para políticos, pra puta que pariu.

- Mas por que, moço? Nós aqui, pelados, falando nisso? Tu tem até o fim do mês, a dona foi bem clara, até o fim do mês e fim, tem tempo, quinze dias. Já sabe para onde vai?

- Não sei ainda, mas vou para algum lugar. Ela que enfie este puteiro naquele lugar, um dia eu volto.

- Tomara que tu não volte, aqui é só azar, esquece isso de voltar. Tou aqui há 12 anos, já tenho 32, e quando puder sair me sumo. Tu tem só 20, suma, não aceite a proposta dos caras dos assaltos, faça um concurso, tu leu toda essa pilha de coisas que eu e as meninas trouxemos.

- Vou sair, sem caras de assalto. Depois de amanhã.

- Vem aqui, pega nos peitos. Me diz, porque não gosta da Maria Betânia?

- Porque beija todo mundo e nunca veio me dar um abraço.

- Mas tu foi procurar por ela, pediu?

- Está louca, mulher? A Bahia é longe pra caralho. Essa gente é como falei, julga o cara pela grana no bolso, a menos que seja mais um músico de merda.

- Foi assistir a show dela?

- Está louca de novo, mulher? A grana de um show desses palhaços dá para comprar uma arma boa.

- Então queria o quê, sem procurar porque não podia, sem gastar uma para assistir a dona, sem se mostrar?

- Queria o mesmo que me deste, Marina. Que ela viesse. Um abraço, um beijo na face. Bom seria na boca, ensinaria a tianga a trepar. Como não veio, essa gente não vem para ninguém, é tudo igual, como os bandidos ali da Praça, mas estes tiveram estudo que ainda não tive, e quando vêm é para arrancar do povo idiota, como aquele irmão dela. Tudo igual, jornalista, advogado, cientista, tudo merda, só são o que são pela oportunidade, com direito a carinhos de dinheiros roubados um dia, décadas ou séculos antes. Eu vou fazer meus filhos noutro lugar. Serei feliz.

E fui. Meu Deus do céu, não merecia tanto.

O que começou a me dar nos nervos foi uma cartinha de uma moça, coisa que nunca ousei por saber o resultado, a cara de nojo, talvez, dos artistas para ignorantes. Ela dizendo que estava triste porque nunca a olhei como ela gostaria. Pensei em responder: moça, não sou artista de nada, jamais imaginei que alguém que não conheço viesse a gostar de mim. E olha que nada tenho, passei a vida distribuindo abraços e trocos que ganhei.

Vou lá dar-lhe um abraço, em particular, só um abraço apertado, algumas palavras de consolo, o momento certamente é ruim. Vai que meu erro tenha sido esse, não saber pedir.

Mas não gosto dela e dos amigos dela. O correto seria pegar um presidente da república e tentar explicar-lhe o significado de dispor na escola pública opções, artes em geral, com instrumental adequado, como nas ciências também. Meninos, eu hesitaria entre bandolim e violino, mas ficaria com o último, sei que daria certo, sinto.

O presidente não pode, só matando os gatos que o cercam e que o elegeram. O sistema de 500 anos é terrível.

A Maria Betânia não sabe o que perdeu, por nunca ter-me dado um abraço. Todos eles, quando fazem seus shows a preços inacessíveis a quem realmente os paga, não sabem.
















martes, 1 de marzo de 2011

Próxima parada, Sultanato do Oman

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Por Pepe Escobar, no Asia Times Online
Tradução: Coletivo Vila Vudu
Pinçado do site Outras Palavras
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Imaginem um paraíso feudal, ou neomedieval, ex-lar do legendário Sindbar, o Marinheiro, onde reina, absoluto, um septuagenário solteiro, magro, que toca alaúde e escolheu viver em paz em seu palácio, o sultão Qabus bin Sa’id, paradigma da discrição. Em poucas linhas, eis Omã.

No Omã pratica-se o Islã ibadi – nem sunita nem xiita –, também encontrado em seletas latitudes no norte e leste da África. Nada poderia ser mais diferente do wahhabismo, ou do fanatismo jihadista à moda da al-Qaeda. Em termos de Omã, o Islã ibadi implica procurar o justo equilíbrio, numa mistura de costumes tribais e aparato de Estado (Qabus orgulha-se muito do sistema de consultas aos anciãos das tribos).

Washington e Londres são absolutamente apaixonados por Qabus. Formado na Academia Militar de Sandhurst na Grã-Bretanha, o homem é amante de Mozart e Chopin, com faro estratégico que tem sido comparado ao do pai fundador de Cingapura, Lee Kwan Yew. (Quando estive em Omã, me senti, mesmo, como se estivesse numa Cingapura árabe. Tudo em Omã é limpo demais, disneylandiamente perfeito demais, uma espécie de Stepford Wives à moda de Cingapura).

O amor dos EUA é facilitado pelo fato de o sultão ter dado enorme mão a Bush pai durante a primeira Guerra do Golfo, em 1991, contra o Iraque de Saddam Hussein. Estendeu o favor a Bush filho e permitiu que 20 mil soldados dos EUA parassem em Omã antes de invadir o Afeganistão e o Iraque. Coroando tudo, o largo e profundo, além de imensamente estratégico, Estreito de Hormuz – essencial para a navegação dos superpetroleiros no Golfo Pérsico – está em território de Omã.

Lamento estragar o namoro, mas…

O sultão Qabus, no poder desde 1970, talvez ainda não seja objeto da ira do povo, em seu paraíso no Golfo de Omã. Mas a vez dele – e das elites de Omã – não tarda, nas voltas que dá o relógio da Grande Revolta árabe de 2011, que não pára.

Na lista dos países à espera de levar sapatadas na revista The Economist, Omã ocupa nada menos que o 6º lugar, logo abaixo do já-deposto Hosni Mubarak do Egito e muitos furos à frente de Zine el-Abidine Ben Ali, já-deposto na Tunísia e do Califa-por-um-fio do Bahrain. Metade da população de menos de três milhões de habitantes tem menos de 21 anos. O desemprego é altíssimo – sobretudo entre os portadores de inúteis diplomas. De um total de mais de 40 mil egressos de cursos secundários, por ano, só alguns pouquíssimos encontram emprego.

Não há receita mais segura para tumultos. Blogueiros e tuiteiros de Omã destacam que tem havido manifestações em Sur e nos portos crucialmente estratégicos de Salalah (no sul, perto do Iêmen) e de Sohar (onde a polícia usou munição viva e matou um menino de 15 anos; a polícia de Omã – como a Mukhabarat egípcia – é treinada na Jordânia). Não menos de 3 mil manifestantes foram atacados com gás lacrimogêneo. A estrada entre Sohar e al-Ayn – que atravessa a fronteira para os Emirados Árabes Unidos (UAE) – foi fechada.

Os manifestantes, basicamente, reclamam dos salários miseráveis, em luta perdida contra a inflação que não arrefece; e de praticamente todos os empregos irem para estrangeiros (empregados das empresas estrangeiras) ou para os nativos que vivam na capital, Muscat.

São manifestações pacíficas. Os manifestantes dizem que não sossegarão enquanto os salários não melhorarem. Preventivamente, o sultão aumentou o salário mínimo nacional, de US$ 316 mensais, para $ 520. Os manifestantes exigem “não menos de $1.300″. E mais: melhores aposentadorias; educação gratuita para todos; e (por que não?) a renúncia do governo. Durante o fim de semana, o sultão mudou o gabinete e anunciou 50 mil novos empregos, e benefícios aos desempregados. Os manifestantes responderam: “Só palavras”.

Também é crucial que nada disso esteja sendo noticiado adequadamente no Golfo. A rede Al-Jazeera está estranhamente calada. A rede Al-Arabiyya – porta-voz da Casa de Saud – também está muito quieta. Para não falar da imprensa em Omã. A Al-Jazeera foi pesadamente criticada em várias frentes durante semanas pela fraquíssima cobertura dos eventos no Bahrain – se comparada à blitzkrieg de 24 horas/dia, sete dias/semana de cobertura do Egito ou da Líbia. Tudo isso despertou suspeitas de que, para o emir do Qatar, há “luta pela democracia” (no norte da África) e “luta pela democracia” (no Golfo), assuntos diferentes.

Estreitos e apertos

Sohar – ex-lar de Sindbad, o Marinheiro – a 80 quilômetros da fronteira com os Emirados Árabes Unidos, e a 200 quilômetros da capital Muscat, merece exame detalhado. É a usina de energia industrial de Omã. Lá está um dos maiores projetos de desenvolvimentos de portos do mundo, além de uma refinaria, um complexo petroquímico, um indústria de alumínio e uma fábrica de aço. Os trabalhadores do petróleo em Sohar começam a se unir aos manifestantes. Não é impossível, para eles, bloquear o bombeamento de petróleo para exportação, como meio para pressionar o sultão. Omã bombeia 860 mil barris de petróleo/dia e exporta cerca de 750 mil barris.

A economia global sabe que o Golfo Pérsico é sua principal fonte de petróleo. A noção paranóica de que o Estreito de Hormuz poderia ser fechado pelo Irã no caso de guerra contra EUA/Israel sempre foi quimera fabricada pelos neoconservadores. A realidade mostra agora outro cenário: a democracia real está chegando às portas de Omã, esse “farol da estabilidade”.

Do ponto de vista da economia global, a luta pela democracia pode converter-se em cenário de pesadelo. Se a Líbia e Omã saírem completamente do mercado, desaparecerão da economia global 2,5 milhões de barris de petróleo/dia, 3% do que o mundo consome. Não há qualquer evidência de que a Arábia Saudita possa compensar a falta, explorando máquinas e infraestrutura até o limite. Tradução: o barril de petróleo pode ultrapassar os $150 em questão de dias. E, isso, sem ninguém nem supor que possa haver protestos em março, na Arábia Saudita.

Omã não é exatamente um acidente da história, como os reinos do Golfo – que não passavam de “o fio de pérolas” na rota naval do império britânico ao longo do Oceano Índico. Não surpreende que Lord Curzon, o imperialista-em-chefe, os chamasse de “pequeninas chefaturas árabes” (o que, parece, pouco mudou sob o governo imperial dos EUA). No que tenha a ver com Washington, Omã continua a ser o proverbial “aliado estável dos EUA” – atachado à sua marinha altamente treinada nos EUA e, o que é decisivo, posta bem ali, na boca do inexcedivelmente estratégico Estreito de Hormuz.

Omã não é exatamente uma hacienda familiar recentemente estabelecida no deserto – como a Casa de Saud. A dinastia reinante – al-Bu Sa’id – tem mais tempo de poder, que os EUA de existência.

Mas, apimentemos um pouco toda essa “estabilidade”. Omã é berço de um dos mais sofisticados movimentos de oposição de todo o mundo árabe – hoje incorporado em grande medida pela Frente Popular de Libertação de Omã. Alguns dos líderes acabaram cooptados pelo sultão, mas o ímpeto progressista, modernizante, não se perdeu completamente.

Ao mesmo passo em que os EUA fazem das tripas coração para que se acredite que Omã respeita os direitos humanos, os direitos políticos, esses, não há quem salve: continuam praticamente no zero. Nada de imprensa livre, nada de livre manifestação do pensamento, nada de liberdade para reunir-se, nada de liberdade de credo. Omã talvez não seja a ultra-repressiva Arábia Saudita, o selvagem Iêmen – mas tampouco é alguma Escandinávia (o pessoal dos think-tanks de Washington só faz comparar o sultão aos primeiros-ministros escandinavos).

A Grande Revolta Árabe de 2011 está, citando Bob Dylan, “dirigindo a 90 milhas por hora, por um beco sem saída” no Bahrain; deve fazer um pit-stop na Arábia Saudita; e já chegou a Omã. O septuagenário sultão tem diabetes, não tem herdeiro para o trono, e está oficialmente intrigado com tantos jovens desempregados e trabalhadores irados, bem ali à sua porta. Atenção: cuidado com o imperialismo humanitário, pronto para meter a cabeçorra na Líbia. Mas que ninguém tire os olhos do estreito de Hormuz; mas na costa de Omã, não na costa iraniana.

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The Stepford Wives (1975, refilmado em 2004) é filme de ficção científica/horror (dir. Bryan Forbes), baseado em romance de Ira Levin. No Brasil, “As esposas de Stepford” (em http://www.imdb.pt/title/tt0073747/).

Orig. “Dire Straits”. Não há como traduzir. A expressão significa “dificuldades graves”, mas, também, é o nome de uma banda de rock do final dos anos 80, período e rock nos quais Pepe Escobar é especialista; e “estreito”, nesse contexto, só o de Hormuz. Tradução tentativa temerária [NTs].