Deu-se
que o famoso goleiro Manga era chegadinho numa jogatina, amanhecia em
carteados, e numas pinguitas de vez em quando, e as más línguas dizem, no que
não creio, que não podia ver mulher que saía fazendo loucuras inomináveis.
Moramos na mesma rua, na Francisco Ferrer, próxima ao Hospital de Clínicas, em
certo tempo, eu menino ainda, e sempre nos víamos, ao anoitecer, numa pequena mercearia daquela ruazinha. Chamou-me a atenção os vincos no seu rosto (pareciam furos), como
sua altura, claro, e o tamanho da mão... dedos retorcidos, umas mãozonas
pavorosas!
Ele
vinha de treino no Inter, já tinha amizade com o dono, que, honrado com a
presença daquele gigante atencioso, guarda-metas idolatrado, também já era seu
botequeiro, e ali entornava suas pingas sem ninguém ver, só a gente que era de
casa, por assim dizer. Enrustia o liso atrás da balança, e, quando a mercearia
estava livre de estranhos, pegava e taiaiau de uma só vez, e lá ia o copo pra
trás da balança, onde o dono tornava a encher. Tomava umas quantas purinhas e
saía inteiraço. Tentei imitá-lo em certa noite e quase me afoguei, olhos em
lágrimas. De outra feita comprei mais tomates que o dinheiro dava, e ia
devolver dois para acertar e ele não deixou, completou a grana, dizendo em
portunhol (sim, voltou de cinco anos no Uruguay, onde foi campeão de tudo pelo Nacional de Montevidéo, incluindo um Copa Intercontinental e uma Libertadores, falando espanhol, tinha esquecido o português, que foi
recuperando aos poucos): aceite, não leve a mal, outro dia tu me paga, guri.
Enfim, era dos nossos.
Conto
a história com minhas palavras, foi mais ou menos assim, antes, no Rio de
Janeiro:
Com
esse amado estilo de vida, natural que andasse sempre apertado de grana, o que
ganhava como goleiro do grande Botafogo não dava pra nada. Começou a se recusar
a entrar em campo, isso a poucos minutos de enfrentar um Vasco, Flu ou Mengão,
jogos importantes (os dirigentes do grande Inter dos anos 70 devem recordar
dessa sua mania), alegando nervosismo com as dívidas, que andava sem nenhum no
bolso, que não tinha cabeça pra nada, uma pouca vergonha viver assim... Os
dirigentes descolavam algum, aí imediatamente passava o abatimento, ele entrava
lá e fechava o gol.
Daí
que um dia alguém lhe sugeriu fazer um empréstimo bancário, iria pagar em
módicas prestações e tal. O Chico Anysio, grande botafoguense, e um velho
jornalista esportivo da Globo que não recordo o nome lhe serviram de avalistas.
Pá, foram lá, assinaram, ele pegou o dinheiro e saiu bem feliz.
Se
pegou 12.000,00, em doze vezes, pensou que ia pagar prestações de 1.000,00 por
mês.
No
mês seguinte foi pagar a primeira e lhe fincaram 1.050,00 ou 1.100,00, na época
a extorsão já corria solta. Emputeceu, queria matar o gerentalha do banco, este
que, mero empregado do tubarão, trêmulo, alegava que estava no contrato, o
senhor não leu?
Chico
Anysio custou a acalmá-lo. Ficou uma noite inteira tentando lhe botar na cabeça
o significado de "juro", e não conseguiu. É ladroagem, Chico, botem o
nome que botarem, a gente precisa é chamar a polícia, dizia. Mas, instado pelo
amigo, que teria que responder por ele, deixou pra lá e pagou até o fim.
Porém,
todos os santos dias, na ida para o treino do Botafogo, abria a porta da
agência bancária e gritava para o gerente, chamando a atenção de toda a clientela:
Ladrão! Ladrão! Ladrão! Ainda te meto a mão na cara!
Fechava a porta com estrondo (na época era porta comum) e seguia seu caminho para o velho estádio de General Severiano.
Lembram
do tamanho da mãozinha do Manga? Consta que o gerentalha agüentou duas semanas
e foi transferido para outra agência, bem para longe dali, depois de
Jacarepaguá.
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