viernes, 17 de agosto de 2018

Papo de bar insurgente


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Em Assembleia Geral Extraordinária, os sócios da IBEBO - Irmandade dos Boêmios Encantados do Beco do Oitavo, hoje à noite decidiram lançar um manifesto para toda a Cidade Baixa, extensivo à cidade de Porto Alegre, ao Rio Grande do Sul e ao Brasil.

É uma lenga-lenga de três páginas, na prática oficializou o que já vem ocorrendo, a novidade são os atos de rebelião propostos. Aqui vai o que é possível levar a público.

"MANIFESTO CONTRA O FASCISMO

Irmãos proletários, a hora é de união, esqueçamos eventuais atritos. Após as eleições a gente se dá umas arranhadas, mas a partir de hoje estão suspensas quaisquer ameaços de irritação entre os membros da confraria, ainda que fraquinhos. Todos os humanistas se darão de corpo e alma ao bom combate.

Um por todos e todos por um contra os golpistas. Por enquanto todos por três: Lula, Haddad e Boulos. Oportunamente, ainda antes do primeiro turno, fecharemos questão em nova assembleia.

Aprovado um voto de desconfiança absoluta ao Poder Judiciário, transformado num antro de traidores da Pátria, com as exceções de praxe.

Conclama-se as tribos boêmias, beberativas ou não, de todas as localidades, etc., etc., etc., etc., etc., etc., para:

a) Etc.
   b) Etc.
   c) Etc.
   d) Etc.
   e) Etc.

(Os “etc.” são segredos, não podem ser revelados, visto que contém atos e datas, somente as entidades participantes saberão.)

Nomeados redatores das propagandas e manifestos à população os boêmios Luciano Peregrino, Nicolau Gaiola e Salito. Como comandante do ativismo de rua o Rei Bruno Contralouco, assessorado pelo boêmio Gustavo Moscão. Etc, etc, etc (uns dez cargos). Secretariando os trabalhos a Srta. Leila Ferro."

O Bruno reclamou que fizeram assembleia pra não decidir porra nenhuma, ora três por três, e quer saber quem vai supervisionar a impressão do material de campanha na sua gráfica, se ele vai estar na rua. Nada que não tenha solução, disse o mestre Aristarco, o filósofo decano que presidiu a reunião. A sessão foi encerrada com o Hino Nacional e com o da Internacional.

Saímos do salão da sinuca, que ficou fechado durante a convenção sob a guarda do Sr. Negrote, que ficou à porta para coibir enxeridos ou espiões do Parcão querendo ouvir as graves tratativas. 

Todos com sede para as mesas do salão da entrada do botequim. Juntaram-se as mesas e desceram dúzias de cerveja, a temperatura está feito Primavera na capital. Não existe homem assíduo e pontual como as mulheres, em se tratando de reunião política, estavam todas lá. Falavam das suas atividades futuras, cuidando a língua para que estranhos não sacassem, quando chegou o Cirrose de Gato, o nome do cara é Júlio, mas pouco sabem disso.

O Cirrose é membro, digamos, intermitente da IBEBO, de modo que não tem direito a voto nem participa das reuniões. É eleitor do Ciro, o que todos respeitam, embora alguns tenham passado a chamá-lo de Cirro, em vez de Cirrose. Pois num momento em que as mulheres pararam para respirar ele pegou a palavra: gente, aqui todo mundo já ouviu alguém dizer "Fulano está com o cu na estaca", né? Pois então: pensem na situação dos golpistas, imaginem que o Lula morra preso injustamente dentro daquela cela de merda. Alguém vai acreditar que ele faleceu de morte natural?

A fala do Cirro deu muito assunto, um mais pessimista que o outro, que Deus nos ajude. Passaram-se duas horas e rolou outro papo gozado. 

Tem um malandro de uns lances de assalto, coisa pesada, nada de pegar transeunte, gente boa mas se nota que anda sempre ferrado... hummm, ferrado é com uma bruta pistola por dentro da roupa, que às vezes pinta no bar rapidamente, em geral pra comprar cigarros, vez que outra acaba ficando para uma cerveja ou duas em pé no balcão, até tocar o celular.

Bem relacionado com o Contra, que certa vez esclareceu as coisas: desde que não assalte aqui na zona tu e os teus serão sempre bem vindos. Os teus porque o cara entra e ficam dois mal-encarados na porta e outros tantos lá na rua. 

Hoje de lá do balcão disse ao nosso Rei, toda a mesa ouviu, que se fosse ele, na boa, imprimiria na oficina carteiras falsas de filiação ao partido do Aecinho. Ficaria rico vendendo como salvo-conduto pro caso do cara ser apanhado pela justa. O Contra disse pois é, interessante, e desconversou, foi dar um abraço numa alemoa que chegou em outra mesa.

Antes de sair voltou ao assunto: se tu topar eu me encarrego das vendas pra moçada dos morros e dos mocós mais longe, quem sabe até a gente consiga exportar pra Sampa e pro Rio. O Contra disse que ia pensar.

Depois que o camarada saiu o Rei nos disse que não achou uma boa ideia: a clientela vai se tocar que é mais fácil ir lá no partido e conseguir uma carteira verdadeira. Com a folha-corrida que tem serão aceitos na hora. Acrescentou que seguiria pensando no caso, outras possibilidades, lembrou que o sujeito do balcão tem uns cinqüenta homens, vamos precisar de gente na campanha, nada de armas, sei que aqui todos detestam isso, mas poderão ajudar de alguma maneira, disse.

Fiquei quieto para não contrariar o Rei em público, mas depois vou demovê-lo dessa ideia esdrúxula, não iria acabar bem.

(...)
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