martes, 25 de febrero de 2014

Saudades de Lourdes Rodrigues, a Dama da Canção

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Essa mulher que vai, sobre quem quase nada tem no youtube (queria vê-la cantando tantas), deve ter uns 25 anos a mais do que eu, por baixo. Foi e é minha amiga, embora não a veja há tanto tempo (soube que morava ou mora em Imbé, litoral do RS), última vez que a vi, Ain junto, foi quando comemorou 50 anos de carreira no Se Acaso Você Chegasse, lindo bar do seu Lupinho que Porto Alegre, deixa pra lá. 

Falamos pouco, ela estava em noite de homenagens. Menti aos circunstantes que fui eu quem a ensinou a beber e a "namorar" e ela caiu na gargalhada de nojo do babaca, mas bem feliz, e caí fora também rindo pra não atrapalhar os festejos dos 50. Para mim, uma das senhoras mais doces que conheci, amiga sincera, que como eu era mordida de mentiras.

Como eu e quase todos, que são muitos os humanos de bem, tinha e ia pelo instinto: não pestanejava se o ambiente lhe surpreendesse, corrida de rainha, ignorava o ruim, sorria com reservas ao bom recente. Postura, meu caro. Mesmo em casa, ao lhe responder uma pergunta que me fez nem piscou quando lhe falei das fomes que havia passado, só me abraçou e acarinhou meus cabelos. Nunca saberei como ela adivinhou que o único jeito de me tranquilizar, e eu não era fácil, seriam dedos deslizando por dentro dos cabelos, de leve..., enquanto eu controlava os soluços. Eu andava apavorado, havia descoberto como o Delfim Netto e seus aspones operavam, auditor sofre. 

Mesmo diante de pessoas vulgares ela se mantinha deusa marrom, e o seu ar encolhia vagabundos, os ricos lalaus, nunca pobres, pois estes, os pobres de Porto Alegre, eram dos nossos, nunca incomodaram e se incomodassem o esforço era nada para trazê-los à luz. Dava-se com todo mundo, pois como sabemos 99% do povo é bom, nós que só vemos, votamos em, talvez nos relacionemos, com quem, deixa pra lá, só pergunto se os amigos conhecem algum político filho de pobre, a sério? Digo a sério porque em época de eleições todos os ricaços contam que foram engraxates, guardadores de carro, alarifes, chupadores de pi, picolé, o diabo. Tiririca não vale, animal que serve a eles. Pobre é corrupto por falta de instrução, levando algunzinho ama votar e fazer campanha de filho da puta? Ah, deixa pra lá.

A conheci quando moço... eu tinha 21 anos, no Chão de Estrelas da José do Patrô, era uma diferença e tanto, essas duas décadas e meia ou mais. Mas ali pelos meus 33 ficamos amigos para sempre, eu visitava a sua casa (apê na Rua General Canabarro, lá em cima, para quem sobe da Rua da Praia, na dobrada à direita, mais um pouquinho e estará no cerne do Alto da Negra Bronze, Centro, morro coração de Porto Alegre), ela com os netos no colo, contei no blog que nessas ocasiões eu acabava bebendo meu uísque todo, e todas as cervejas, acabou, aí batia na garrafa de campari que levava para ela, que era chegada num vermelhinho mas bebia pouco. Isso em dias de folga, dela e minha, alguma segunda-feira, na outra noite ia vê-la cantar, se pudesse (eu viajava muito a trabalho), em ambientes finos ou em bares mais simples, estes minha predileção, sem frescuras de donos ou clientes. Com regional! Bandolim ou cavaco, flauta, violões, pandeiro, batuques...


Quando inventei de "namorar" uma sobrinha dela, a mais novinha, queria dar em mim. Que eu me lembre, foi só um abraço meio apertado demais. Eu abaixo de pau verbal me defendia: "Mas eu tenho 34, Lourdes, a guriazinha tem 49 pra 50 e uma penca de filhos, pombas!", não adiantava, eu não prestava. Mas passou, em poucos meses já ria sobre o ocorrido, mas avisava as outras sobrinhas nem tão "novinhas" para me evitarem, é um cão sem dono. Gostei do sem dono.

Enfim, hoje achei uma postagem. Preciso deixar de ser loco e aprender a postar músicas no youtube, pois tenho pelo menos uma raridade em CD: ela, como outros artistas de Porto Alegre, cantando em Buenos Ayres, cosa de cinema. 
Botou a platéia abaixo cantando um tango emblemático, "Sin Palabras". Arrematou com "El Último Café", só se via corações argentinos arrebentados.

Rubens Santos, antigo parceiro de Lupicínio, também estava nessa, entre outros grandes artistas. Seu Rube, que é outro esquecido, nessa ocasião quase matou os hermanos, cantando "Uno" duas vezes, em espanhol e em português, só gritavam El Negro, el Negro! Bravo!, pedindo que voltasse ao palco.


Abaixo, minha velha mulata, a DAMA DA CANÇÃO de Porto Alegre, com orquestra (prefiro com regional e tal, mas ficou bem assim), interpreta a relíquia de Foquinha e Paulo Coelho (é outro cara, pelo amor de Deus, este Paulo Coelho era pianista), Alto da Bronze, canção que por alguma razão de carinho é lembrada no conto-título do meu livro "Um amor em Porto Alegre", ainda no prelo.


Guardo a eterna lembrança
do tempo feliz em que eu era criança,
do tempo em que a vida era
da minha infância a grande quimera


Hoje eu pobre profano
me lembro de ti e dos meus desenganos
Oh! meu Alto da Bronze dos meus oito anos

3 comentarios:

  1. Este recuerdo foi inicialmente colocado no feicebuc. Acabei me emocionando e o trouxe para cá, Mas lá, antes, recebi comentário do querido conterrâneo e amigo de juventude MÁRIO LUIZ PEIXOTO, assim:

    Mário Luiz Peixoto: Pois amigo, acredito que ela ainda more em Mariluz. A pouco tempo, eu e solange, assistimos a um show dela no bar do Dodô na beira do rio Tramandaí com direito a umas geladas em nossa mesa com sua companhia. Bela pessoa.
    há 12 horas · Curtir (desfazer) · 1

    Antônio Salazar Fagundes Ai, que bom, Peixoto, mas deve estar com mais de 80, era gorda, já em 2012 tava magra (a gente vai secando). Ela é querida mesmo, doce com os doces, e braba com os ruins, ehehe. Abração.
    há 10 horas · Editado · Curtir · 1

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  2. Escrita veloz, incendi]aria e irreverente. Gostei muito do seu espaço para espalhar ideais, memórias, afetos e desafetos. Beijo

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