martes, 29 de mayo de 2018

O Amor na Cidade Baixa (Rei é Rei)

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O que faz a bebida. Bruno Contralouco, Clóvis Baixo e Carlinhos Adeva sentados em mesa na calçada do botequim no Beco do Oitavo às cinco e meia da manhã. De noite atravessada, meio que levantados do chão, os dois primeiros resolveram apostar cem reais para ver quem tinha mais sorte com mulher.

O Rei Bruno disse que aceitou o desafio porque o súdito boboca Clóvis é seu amigo do peito, não perderia tempo com outros palhaços. Como marcador de mulheres o Dr. Carlinhos Adeva, o Diretor Jurídico do Partido dos Boêmios (em constituição), num fogo danado mas circunspecto como se estivesse num tribunal, causa importante.

Saíram lá da sinuca quando estourou, e o Portuga acenou que queria fechar o bar, vou-me a dormir um pouco, ó gajos. Vai dormir, Portugalino, disse o Bruno, mas deixa uma mesa lá fora e um monte de cervejas com gelo no isopor. Dito e feito, o Portuga fez e se mandou. Por via das dúvidas, para o caso de faltar combustível, deixou uma cópia da chave do bar com o Bruno.

A aposta lá fora consistia no seguinte: as mulheres que vierem de lá do lado da Rua da Olaria são minhas, as que vierem de cá da Avenida são tuas, disse o Contra. Minhas e tuas em pensamento, né. Coisa de bêbados.

O Clóvis Baixo encrencou, não mesmo, as que vierem de lá são minhas, as de cá são tuas. O Contra topou sem reclamar. Serviram-se de cerveja, acenderam cigarros e ficaram esperando.

Logo apareceu uma senhora de uns 75 anos, cem quilos, passeando com uma cachorrinha, vinda do lado de lá, o do Clóvis. O Clóvis Baixo argumentou: tá meio passada mas é linda, deve ter muita experiência em cama. O Contra se apertou, mão na boca, ventando pelo nariz, para não rir alto.

O juiz Carlinhos anotou. Mais um tempinho e veio uma boneca de cá, com sangue na roupa branca, do lado do Contra, atirando beijinhos para todos. O Bruno disse é linda, e sabe mais que muita mulher. Foi a vez do Baixo se dobrar quieto.

E começou a aumentar o trânsito, de lá, de cá, dezenas de mulheres indo para o batente, Carlinhos numa água federal mal dando conta de tomar nota. Até às seis e meia da manhã vindas pelo lado a favor do Contra umas trinta, pelo lado do Baixo umas setenta - em direção à avenida João Pessoa o fluxo é maior ao amanhecer, ao anoitecer inverte.

Como estamos aí na pontuação? – Perguntou o Baixo ao Carlinhos.

- Empatados.

Resolveram só mais uma para cada lado, primeiras que aparecessem, para resolver a parada.

Mal encheram os copos e surgiu lá adiante, pelo lado esquerdo, da avenida para cá, pelo lado do Contra, aquele monumento vivo. A baiana que ainda não pintou no bar mas todos já sabem que ela existe. Ela não caminha, esvoaçoa, ginga sorridente com aqueles panos coloridos, como se ondas do mar a embalassem, o bairro inteiro está apaixonado, quando pintar no botequim será a rainha.

- Não vale, tá desfeito o trato! Como a do meu lado ainda não veio posso desfazer! – gritou o Baixo aborrecido.

O Bruno não respondeu, pelo rosto os amigos sentiram que acabou a brincadeira, ficou sereno. Levantou-se tranquilo, sério – e todos ficaram sérios - e esperou a passagem da mulher.

Quando ela estava em cima ele tirou o chapéu, inclinou a cabeça enquanto gingando estendia a mão direita com o chapéu, como a dizer a calçada é tua... o bairro é teu, é teu o meu coração.

Ela sorriu e sorriu e sorriu, olhos brilhando.

O Clóvis gritou quando ela ia lá adiante:

- Quero ser padrinho!

Ela se voltou e sorriu de novo. O Bruno falou aos amigos:

- Vou dar uma abridinha no bar, preciso de um uísque, esta cerveja está choca.

- Por que não foi atrás, acompanhar a guria, Bruno? - Perguntou Carlinhos.

- Porque eu nunca fico bêbado, vejo o outro lado da rua.

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(A imagem, meramente ilustrativa em exaltação a sua beleza, é da cantora baiana Mariella Santiago, querida amiga)
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