miércoles, 28 de mayo de 2014

Ecos da segunda-feira

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Na segunda-feira que passou, dia 26 de maio, como em todas as segundas-feiras, era o dia de “O Boteco Pensa”, no Botequim do Terguino, sessão cultural que vai para o terceiro ano consecutivo. A programação é variável: palestras, música, prosa, poesia, etc., programa que não excede a trinta minutos de apresentação. Às sete da noite já tem gente saindo pelo ladrão, tal o sucesso da iniciativa, para a apresentação das dez, todos querem garantir lugar, embora na hora do show acabem se levantando, se não o palco improvisado fica encoberto pela gentarada em pé.

A noite já começou animada, pois correu a notícia de que à noitinha, pelas seis da tarde, após dez chopes no Chalé da Praça XV, o Sr. Bruno Contralouco entrou num templo caça-níquel e arranjou confusão com os gorilas de preto, pois a cada vez que o pastorgato gritava Desaloja ou Aleluia, o referido cidadão respondia Saravá a plenos pulmões. Onde já se viu isso, atrapalhar a empresa do honesto e amado Edir.

- Me pularam uns vinte, mas na carinha que a mamãe beijou os putos não bateram, eu que arrebentei com a cara deles, ora, que fim levou a liberdade de expressão? – disse o Contralouco ao chegar muito irritado e com o paletó em tiras.

Essa não foi a principal diabrura cometida pelo ilustre camarada, porém a outra não convém espalhar.

Depois homenagearam o boêmio Luciano Peregrino, ausente, com muitos brindes. Logo vieram discursos exaltando vida e obra do grande companheiro, proferidos por Carlinhos Adeva, diretor jurídico do Partido dos Boêmios, e pelo João da Noite, presidente do PB e candidato a prefeito nas próximas eleições (toda a Cidade Baixa entende que a eleição está no papo, não vai dar nem graça, a criançada da zona já nem o chama de seu Noite, e sim de prefeito, e quando João passa na rua em direção ao boteco as famílias saem à janela aplaudindo), por ontem à tarde Luciano ter chegado à tricentésima mulher de político, honra que coube a uma paulista muito gostosa, de um partidário da Opus Dei e, por via de consequência, da TFP. Isso quem diz é o sábio Aristarco de Serraria, a magnífica inteligência que move o Partido dos Boêmios, nós aqui não entendemos dessas nomenclaturas.

Por telefone Luciano tomou conhecimento da homenagem e compareceu ao botequim a tempo de ouvir o discurso do João e brindar algumas vezes, algumas dezenas, pretendia tomar uma taça por mulher, porém refletiu e achou melhor ir de dez em dez. Oferecida por João, pegou a palavra e agradeceu, com sua grandeza de alma humildemente se desfez de eventuais méritos, creditando-os aos esposos:

- Sei que é meio pouco, sabem como é, se tivesse mais tempo teria passado o instrumento num número bem maior de senhoras. Não conseguiria sequer essas trezentinhas sem a ajuda dos esposos, a quem agradeço de coração, visto que dos sete pecados capitais, Gula, Avareza, Soberba, Luxúria, Preguiça, Ira e Inveja, a maioria dos políticos tem uns probleminhas com o quarto, ahn, o quarto pecado, que se reflete no quarto de dormir, bem entendido, sobrecarregando os demais, via-de-regra a Gula pelo sangue dos desvalidos, esta Gula que é irmã gêmea da Avareza e prima da Soberba, esta última que o Contralouco jura que matará sempre que a encontrar pela frente, e aqui peço calma ao companheiro, para não trazermos ao bar a Ira.

Aplausos e vivas. O Luciano merece.

Pelas nove o presidente João da Noite trocou mensagens eletrônicas com um velho amigo, o Papa Francisco, chamando-o ora de Jorjão, ora de Chiquinho e sendo tratado por querido Juanito de la Noche, esse Papa é mesmo sensacional. Chupim da Tristeza foi a primeiro a exclamar: “Diz aí pro véio que tou mandando um abração”, e assim foi com todos, as gurias metiam perguntas indiscretas, que aqui declinamos, porém afirmamos que o Jorjão saiu-se muito bem nas respostas. O Contralouco mandou dizer que é uruguaio e torcedor do Defensor desde pequenininho, isto porque o San Lorenzo, time do Vossa Santidade, caiu fora da Libertadores. O Papa riu da flauta e mandou um quebra-costelas ao Contra, dizendo que andou tomando conhecimento das suas estrepolias, disse bem que faz, meu fio querido, e encerrou convidando a todos para aparecerem no Vaticano para tomar uns mates, mates até às seis da tarde, depois tem a adega atopetada de vinhos de Mendoza. 

O Papa Jorjão, ou Chiquinho, aproveitou para parabenizar efusivamente Luciano Peregrino pela marca atingida, abençoou-o, político tem mais que sifu, e acrescentou que obra grandiosa é coisa de pessoas iluminadas, pois João antes não tinha se aguentado, o boca grande, e contou o grande feito, dizendo das cariocas, pernambucanas, catarinenses, aquela parente do Ribamar, a loura gostosa vice do peemedebê, a petista maluca, as crentes, mulheres do país inteiro, o Papa se finava de rir com os detalhes picantes. Despediu-se, o ilustre homem, recomendando ao pessoal que não abusasse do álcool e não ficasse até muito tarde, pelo que todos entenderam que poderiam ficar bebendo até às três da manhã. 

Pela madrugada, muito depois, quase no fim da festa dedicaram ao Papito aquele samba-canção do Lupicínio que ele pediu, Venganza, pelo qual é fissurado, e Jucão da Maresia cantou, por vezes imitando o Papa na cantoria, quando em Buenos Aires, depois de uns vinhos, cantava assim na sede canônica:

- Mientras yo tenga voz en el pecho no quiero más nada, que clamar a los santos venganza, oh, venganza, clamar...


Na sessão cultural coube ao teatrólogo Nicolau Gaiola e artistas do grupo “Os Perturbados do Beco do Oitavo” apresentarem o segundo ato da peça “Sarney Nu”, inédita, em parcial pré-estréia só para a crítica especializada – os boêmios – escrita a duas mãos, uma de cada um, do Nicolau e deste que vos fala, da qual oportunamente traremos maiores detalhes, mas quem viu diz que é uma festa. 

No papel do Sarney estava o Mirinho, apelido Cu-de-Arrasto, um ator espetacular devidamente caracterizado: baixinho, bigodinho, pince-nez, notas e mais notas de dinheiro saindo da fatiota modelo ano 1.890, todo afetado. Lá pelas tantas surge um enorme negão representando um diabo drag queen com um descomunal membro vermelhão de borracha, as coisas não iam bem para o lado do baixinho. Nicolau disse que está negociando com o Teatro Rival, no Rio, e com o Renaissance de Sampa, posto que as casas locais alegaram estar com o calendário preenchido até 2.040, salvo o Teatro São Pedro, que teria dito que se recusava a passar sem-vergonhices em seu palco, é sempre assim, santo de casa não faz milagre.

Não precisamos dizer quem colocou o belo apelido no Mirinho, não é? Exatamente, o cidadão que logo abaixo voltará à cena. O ápodo veio sob o argumento de que o Miro, atravessando a rua, ao subir na calçada de tão baixinho esfregava a bunda no meio-fio. Cosa de loco.

Bem, acho que dá para contar. A outra diabrura do Bruno não é tão grande para que a escondamos: foi o azarão que deram dois caras de preto, daqueles, que inadvertidamente lá pela meia-noite passaram em frente ao bar. O Contra viu os elementos do outro lado da rua e voou lá de dentro. 

Foi um pandemônio, acordou a Cidade Baixa, o Bloco do Sono, como é chamada a turma dos caras que tem que pegar no batente cedinho no outro dia, saiu à rua, Luizinho da Polaca à frente - da Polaca, sua mãe, para diferenciar do Luizinho Sabão - mas os malandros examinaram a situação e voltaram para a cama ao perceberem que o amigo não precisava de ajuda. Alguns ficaram até o final do show, imperdível, incentivando o Contralouco com gritos de Bravo. Depois de direitas, esquerdas, ganchos, voadoras, os bandidos se quedaram inertes, fluidos vermelhos vazando de seus corpos. 

Uma beleza, segundo nos disse o próprio Terguino Ferro, dono do botequim, o Contra é foda: os dois armários de oito portas, cento e vinte quilos cada um, surrados por um homem só, de setenta e nove quilos segundo a pesagem da semana anterior. Após espancar os pervertidos, o desvairado correu para dentro, entrou na cozinha e pediu a faca de carne do Portuga, pretendia tirar-lhes o escalpo para ficar de lembrança, pendurados na parede do bar, aí entrou a turma do deixa-disso, deu um trabalhão mas foi contido por uns dez companheiros até que se acalmasse. O João ligou para o boêmio Tenente, que estava de serviço, e a polícia militar veio e levou os de preto para a cadeia, acusados de passar na frente do boteco errado, insultar a pessoa errada, ou outra coisa.

Para segunda-feira que vem está programada uma palestra do grande filósofo e pensador Adolfo Dias Savchenko, dividindo o palco com Aristarco de Serraria, que fará as vezes de provocador. Os cartazes anunciam como título "A Torpeza", acreditamos que os políticos terão papel central em sua fala. O boêmio Adolfo que mudou-se para Córdoba, na Argentina, mas que virá para dividir sua sensibilidade e seus conhecimentos.

Até lá.
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