Um sentimento me diz que ali
adiante há clareiras, o escuro está aqui, procuramos luz, precisamos de luz. Chega, vamos lá, eu na
frente, andamos dias e noites, anos, e surgiu uma clareirinha. Parei, a tribo inteira logo atrás, estes galhos não são seguros. Um lugar assustador, o cheiro
denunciou. Aspirei o ar, func, func, senti os carnívoros grandes rondando escondidos.
Fiz um sinal e retornamos em silêncio, vamos pelo outro lado. Sei que acharemos
uma clareira maior.
Seguimos pelo escuro. O tempo passou célere, muito tempo, éramos outros, mas depois o esforço começou a dar resultado. A primeira clareira que encontramos foi pequena,
ínfima, não dava um metro quadrado, olhamos para cima, vimos ralos raios de sol
entrando fininhos pelas copas das árvores na imensidão depois das nuvens, os fios de ouro não chegavam
ao chão, porém a esperança se fortificou, os parcos rainhos de sol avistados no alto nos incentivaram a seguir pelas árvores antigas de caules grossos e de brutos espinhos. A gente subia apenas até trezentos metros, mas elas continuavam, iam até Deus.
Descansamos um pouco,
estávamos em transição, a mata gigantesca piorava, decidi que era melhor irmos caminhando, pelo chão os perigos eram grandes mas escaparíamos das aves. Caminhar era dolorido, de toda maneira doía tudo, se andando em pé ou de
quatro, fomos revezando o modo, de quatro ou de pé quando conviesse, e seguimos, fomos abrindo picada à facão pelo chão, em certo instante desacostumamos das árvores, vieram as
cobras mil quilômetros em frente, saltei quando uma se desatou da árvore e voou para enrolar, apertar
e engolir o companheiro Jhesu, saltei e o meu facão de pedra cortou a tarde, e tornou a cortar, era imensa, chega de frutas amargas, à noite comemos cobra assada em fogo de choque de pedras.
Dobramo-nos nas caudas e dormimos num buraco que achei no meio e atrás de uma cachoeira, ouvindo os
rugidos famintos dos animais da noite. No outro dia retomamos a viagem, éramos mais uma vez outros, eu de novo na frente, passamos por um pântano interminável, feio, fomos
atacados e matamos jacarés em defesa das nossas vidas, não dava para
desviar, eles vinham em cima de supetão, traiçoeiros, saíam da água aos arrancos. Ao sairmos do atoleiro uma ave bicuda apareceu repentinamente, com seus olhos horríveis, vinda de uma daquelas árvores diferentes, já menores que as antigas porém ainda imensas, a ave de asas gigantescas nos
roubou uma criança, as garras desceram sem dó nem perdão, pegou-a de um modo que
esguichou sangue do corpinho esmagado, e subiu célere, pasmos a assistimos engolindo a menina lá no alto ao pousar. Subi na árvore enlouquecido de ódio, mas eu já não era o mesmo, apesar dos cinco membros de apoio.
Descansamos de novo. À noite nos contentamos em comer carne de jacaré, em silêncio. Fazer fogo ficou fácil, quando o céu não derramava. Um dia comeremos ave bicuda.
Descansamos de novo. À noite nos contentamos em comer carne de jacaré, em silêncio. Fazer fogo ficou fácil, quando o céu não derramava. Um dia comeremos ave bicuda.
Reiniciamos a caminhada. O tempo passou e não nos apercebemos, habituados a andar em frente sem saber para onde. Novamente éramos outros. Passamos
em outra mata fechada, árvores sem espinhos, de folhas verdes lindas, não nos
desviamos da natureza, de passagem a acariciamos, surgiram flores, poucas
ainda, uma amarela aqui, uma branca lá, aquela vermelha desabrochando, viram? Conseguimos!
E aí não paramos mais, não
sentimos cansaço, e um belo dia, muitos anos depois... que maravilhoso
amanhecer, saímos de uns folhões de floresta rasa, onde vimos e nos alimentamos de animais menores, fáceis de capturar, e surgiu enfim a clareira imensa, iluminada de sol por inteiro, exultei, cego de felicidade: saímos finalmente da caverna. Risos, desnudou-se o campo aberto até onde as
vistas enxergavam, a mata em torno maravilhosa, frutífera, muito adiante pessoas num
povoadinho transitando em mercados de frutas e legumes, aparentemente sem reis, sem bandidos,
sem analfabetos escravos de bandidos, vimos bares, lares, alegria.
Eles usavam roupas de couro. A gente nu.
Estamos em casa, a casa que
ansiosamente procurávamos, empolgados nos abraçamos e caminhamos eretos em sua
direção, primeiro devagar, logo aumentando o passo, ao fim em desabalada
carreira. A tribo inteira com lágrimas nos olhos, mas eu no fundo intranquilo, bobo perdedor
sempre fazendo a frente nas ruins, sentia que tinha perdido algo. Parei de chofre.
Pararam todos atrás.
Demorei pensando, não
entendia, e os meus foram se mexendo, passando devagar por mim, logo estavam
novamente aos pulos em direção ao futuro, eu preso à terra pela incompreensível enchente de pensamentos que me pregou.
Fiquei lá, no meio do campo, cabeça zunindo, doendo. Toquei meu peito, minhas
pernas, meu rosto, tudo no lugar, aí tentei balançar o rabo e não o senti, meu íntimo congelou: eu já não o
tinha.
Caí de joelhos, arreganhei
minha boca de macaco cheia de dentes, transido de dor, e urrei feio, um
terrível lamento para toda a natureza ouvir. Não sabia que tinha chegado ao
céu, mas sentia que tinha, enfim, chegado ao inferno.
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