jueves, 29 de agosto de 2013

Eu tenho um sonho

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Abaixo, excelente artigo de Nick Bryant, para a BBC. O que vemos em comum com as manifestações que hoje se espalham por muitos países? Salta aos olhos, desde a primeira linha: a busca por justiça e igualdade. Os povos repudiam as "elites" de ladrões que dominam as sociedades, com as armas de sempre, religiões, mentiras ou tanques, com o falso moralismo que se dissipa em suas negociatas de escuros vãos de escada. 

No Brasil a ignorância do povo também corre a seu favor, através da tela azul da lavagem cerebral que sustenta o seu poderio, os desvalidos são seus cúmplices, apenas alguns jovens esclarecidos estão nas ruas. Desarmados. É tempo de a luz vermelha se acender em seus luxuosos gabinetes, por enquanto o risco é de perda de pequena parte de seus anéis, mas dia chegará que serão todos os dedos. Ninguém deseja mais que a presidente Dilma romper os grilhões da injustiça, o roubo disseminado entre essa casta de predadores, porém imobilizada por um Congresso repleto de canalhas, o fruto mais visível da ignorância popular. Percebe-se que atualmente a moçada tenta evitar líderes todo-poderosos, sabe que podem ser comprados, ou mortos, como aconteceu com Luther King, assassinado poucos anos depois, em atentado de autoria até hoje duvidosa (a quem serve?).

Natural vir-nos à mente algumas cidades brasileiras. O despreparo e a arrogância de prefeitos e governadores faz-nos pensar que não sabem como tudo começa. No Rio de Janeiro ou em São Paulo, por exemplo, o que acontecerá no dia em que um cassetete atingir a fronte de um jovem, matando-o, e a internet for tomada pelas imagens captadas por celular?

Martin Luther King e o violento protesto que nunca aconteceu


Por Nick Bryant

Em todo o país, uma onda de protestos havia se espalhado após semanas de disputas raciais em Birmingham, no Estado do Alabama, onde cães policiais feriram manifestantes e potentes jatos de água foram usados em crianças.

Entre maio e o fim de agosto de 1963, houve 1.340 manifestações em mais de 200 cidades. Algumas aconteceram em comunidades por muito tempo divididas por questões raciais. Outras nunca haviam tido episódios de violência.

A aleatoriedade dos tumultos fez com que fossem ainda mais assustadores para as autoridades.

Com 200 mil manifestantes prestes a se reunir na capital dos Estados Unidos, o governo tinha medo de que Washington testemunhasse o mesmo caos e desordem.

Para o reverendo Martin Luther King Jr., o líder não-declarado do movimento pelos direitos civis, os acontecimentos do início do verão americano haviam transformado a luta pela igualdade racial do que ele chamava de "protesto negro" em uma "revolução negra". Os Estados Unidos, segundo ele, tinham chegado a um "ponto de explosão".

Mas as vozes da ansiedade também se fizeram ouvir dentro da administração Kennedy.

"Assuntos que não se resolvam com justiça e equilíbrio, cedo ou tarde serão resolvidos pela força e pela violência", alertou o vice-presidente Lyndon Baines Johnson. O único conselheiro negro do presidente, Louis Martin, também alertou para uma possível confusão iminente.

"O ritmo acelerado da inquietação dos negros", disse ele a Kennedy, em particular, "pode provocar o estado mais crítico das relações raciais desde a Guerra Civil". Durante uma reunião tensa na Casa Branca em maio, o procurador-geral Robert Kennedy também alertou seu irmão mais velho do risco de que a situação saísse de controle.

Público acompanha discurso de Martin Luther King | Foto: Getty


"Os negros agora estão hostis e furiosos e eles ficarão furiosos com tudo. Não dá para conversar com eles", disse.

"Meus amigos dizem que (até) as empregadas domésticas e funcionários negros estão hostis."

Durante boa parte de seu governo, John F. Kennedy enxergou os direitos civis mais como um assunto político a ser administrado do que como uma questão moral a defender.

Pender para a última alternativa era arriscar a fragmentação do partido Democrata, que na época era um amálgama conturbado de liberais do norte, segregacionistas do sul e pragmáticos, como o presidente, que tentavam manejar as diferenças.

Kennedy, famoso por sua postura de distanciamento, tampouco tinha um compromisso emocional forte com a luta pela liberdade. Durante a maior parte do tempo, ele havia sido um observador da grande revolução social de sua época.

No verão de 1963, no entanto, ele percebeu que seu governo poderia vir a ser definido por sua resposta à crise racial. A inação não era mais uma opção. Como ele mesmo comentou durante um discurso televisivo em junho, as "chamas da frustração e da discórdia estão queimando em todas as cidades, ao norte e ao sul".

Controle

Para tirar os manifestantes das ruas, Kennedy havia finalmente apresentado um esperado projeto de lei que começaria a desfazer a segregação ─ sistema de apartheid racial que prevalecia na maior parte do sul dos Estados Unidos. Mas mesmo depois do pronunciamento à nação, e dado o aval da Casa Branca para a luta dos negros, os protestos e a violência continuaram. A possibilidade de uma enorme manifestação em Washington, portanto, provocava medo.

Quando o governo descobriu, em meados de junho, sobre os planos para a manifestação em Washington, sua primeira resposta foi pressionar líderes negros pedindo o cancelamento.

Em uma reunião na Casa Branca, Kennedy disse a Luther King e a outros líderes dos movimentos de direitos civis que não queria "um grande show no Capitólio" porque isso complicaria os esforços para transformar o projeto de direitos civis em lei. Quando as tentativas de persuasão falharam, o governo decidiu brigar pelo controle da manifestação.

Nesse momento, o presidente foi surpreendentemente determinado. "É provável que eles venham aqui e defequem no Monumento (de Washington) inteiro", disse Kennedy a assessores. "Tenho um projeto de lei sobre direitos civis para passar e vamos fazê-lo."

Para impedir que a manifestação se transformasse em um enorme tumulto, Kennedy ordenou uma mobilização do aparato de segurança do governo federal sem precedentes fora de períodos de guerra.

Para começar, o FBI (a polícia federal americana) aumentou sua já vasta operação de vigilância ao movimento dos direitos civis, que incluía escutas dos telefonemas de Luther King. O órgão instruiu cada um de seus agentes no país a fornecer informações de inteligência sobre a quantidade de ativistas negros que planejavam ir até Washington e se eles tinham alguma ligação com organizações comunistas.

Outro receio era o de que ativistas negros, que haviam rejeitado as táticas não-violentas de grupos de direitos civis mais moderados, tomassem conta da manifestação. Cerca de 150 agentes do FBI foram destacados para se misturarem à multidão, trabalhando em conjunto com agentes do serviço secreto.

Outros ficavam em pontos de observação dos telhados do Lincoln Memorial, da Union Station (principal estação ferroviária) e do Departamento do Comércio, com vista para o Passeio Nacional - espaço a céu aberto que fica entre o Capitólio e o Monumento de Washington. 

Na sede do FBI, que o então diretor J. Edgar Hoover temia ser atacada por manifestantes, a segurança também aumentou. Funcionários foram instruídos a sentar longe das janelas.

Semanas antes da manifestação, a perspectiva de violência também preocupou o departamento de polícia de Washington, que ficou em seu mais alto estado de alerta. O órgão preparou 72 possíveis cenários de desastre e uma resposta para cada um deles.

O fato de que três lados do Lincoln Memorial eram próximos da água facilitava a situação para a polícia. Mas cada esquina de Washington também foi protegida. Na colina do Capitólio, uma fila de policiais, distantes 1,5 metro uns dos outros, rodeava o Congresso.

Um policial ou um membro da guarda nacional estaria posicionado em cada canto do centro financeiro para garantir a segurança em caso de saques. Para reforçar a presença da polícia, centenas de oficiais extras foram trazidos de forças de áreas vizinhas, e foram especialmente treinados para lidar com os protestos.

Apesar da grande mobilização, cães de guarda permaneceram em seus canis. Várias imagens dos protestos de Birmingham em maio, nas quais fotógrafos de jovens manifestantes foram mostrados sendo atacados por cães agressivos, chocaram tanto os americanos brancos, que a presença dos animais poderia facilmente incitar uma má reação da multidão.

Por causa das muitas prisões esperadas para o dia, um time de juízes locais foi mantido nas salas das cortes da cidade. Na prisão do distrito de Columbia, 350 detentos foram evacuados para criar espaço para os possíveis manifestantes presos. Cirurgias que estavam agendadas na região metropolitana de Washington foram canceladas para que 350 leitos ficassem disponíveis para emergências durante os manifestos. O hospital geral da capital chegou ao ponto de decretar um "plano nacional de desastres".

Aparato militar

A vida em Washington foi completamente interrompida com a possibilidade de protestos. Repartições públicas fecharam e funcionários federais foram recomendados a ficar em casa. Também foi decretada uma "lei seca", não permitindo a venda de bebidas alcoólicas pela primeira vez desde do chamada "Prohibition" (Proibição) - decreto do governo americano que proibiu a venda de álcool entre os anos de 1919 a 1933, em um movimento para garantir a "saúde pública e moral" da população.

O receio de uma marcha possivelmente violenta também preocupava seus próprios organizadores. O movimento era liderado pelo carismático Bayard Rustin, que decidiu atuar bem de perto da organização para garantir que ele fosse um movimento pacífico.

Os organizadores concordaram em antecipar o horário de início da marcha para que os manifestantes não ficassem nas ruas depois de escurecer. Ainda mais difícil foi a decisão de mudar o local da concentração da marcha. O plano original para o protesto em massa nas escadarias do Congresso americano foi engavetado. Em vez disso, eles escolheram o Lincoln Memorial , uma área mais fácil de organizar as pessoas com menos tensão política.

Mesmo depois de quatro semanas de planejamento meticuloso, os oficiais da administração de Washington não puderam descartar o risco de violência. Assim, no dia da marcha, no distrito de Columbia, o presidente ordenou que fosse estabelecido um centro de operações militares - o maior da história dos EUA em tempos de paz. Logo no início da manhã do dia 28 de agosto, cinco bases militares montadas em áreas afastadas do centro da cidade já estavam com grande atividade, com veículos pesados de guerra e 4.000 soldados organizados na operação batizada de "Inside", pronta para atuar.

Para os fortes de Myer, Belvoir, Meade, além da base marinha de Quantico e da estação naval de Anascotia, foram trazidos 30 helicópteros com rápida capacidade de decolagem. No forte Bragg, na Carolina do Norte, 15 mil homens da força especial denominada STRICOM foram posicionados em sobreaviso, prontos para serem levadas à área dos confrontos pelo ar.

Se a violência se disseminasse, a rapidez com que as tropas chegassem a Washington seria essencial. Todas as proclamações presidenciais, ordens executivas e cartas de instrução militar foram preparadas antecipadamente. Se os protestos começassem, a Casa Branca emitiria uma proclamação presidencial exigindo que os manifestantes se dispersassem imediatamente.

Se a violência persistisse, o presidente assinaria uma ordem executiva autorizando o Pentágono (o departamento de segurança nacional dos EUA) a tomar "todas as medidas necessárias" para dispersar a multidão. Um memorando confidencial, demonstrava bem isso: "(A) intenção de utilizar a mínima força não deve prejudicar o fim da missão".

Em resposta ao possível deterioramento da situação, tropas utilizariam primeiramente rifles não carregados como forma de intimidação, com baionetas acopladas (parte cortante fixada às armas).

Se isso falhasse, gás lacrimogênio poderia ser utilizado, assim como rifles carregados com munição. A missão ganhou o nome de Operação Washington. Tão pesado era o arsenal militar, que um repórter observou à época que "a cidade foi transformada da capital da nação em tempo de paz para uma nação em guerra".

Dia 28 de agosto

Em toda a manhã do dia 28 de agosto, enquanto manifestos ganhavam forma do lado de fora de sua janela, o Presidente Kennedy permanecia seguro dentro da Casa Branca liderando uma reunião com estrategistas em política internacional para discutir a guerra do Vietnã. Antecipadamente à marcha, ele tinha resistido às exigências de Martin Luther King e demais líderes das chamadas "Big Six" (grandes seis) organizações de direito civil de recebê-los em audiência naquela manhã, já que ele não gostaria de ser identificado como um líder muito próximo das manifestações que poderiam se tornar violentas.

Seus conselheiros também estavam preocupados com a possibilidade de que os líderes negros chegassem à Casa Branca com uma lista de requisições nada razoáveis, impossíveis para o presidente realizar. Se eles deixassem o salão oval da casa presidencial sem um acordo, toda a demonstração nas ruas poderia mudar drasticamente. 

Para desapontamento dos organizadores da marcha, Kennedy decidiu ser contra a iniciativa de enviar aos manifestantes uma mensagem presidencial, temendo que isso pudesse provocar manifestações contra ele no "Mall" - área pública que circunda a Casa Branca. Em vez disso, ele concordou em receber uma delegação de líderes negros na Casa Branca somente depois que a marcha terminasse, com a esperança de que isso abrandasse a retórica contra ele.

Como precaução extra contra pronunciamentos inflamados - e também para prevenir os subversivos de tomar o controle do sistema de anúncio presidencial - um oficial da administração foi posicionado do lado direito do Lincoln Memorial com um interruptor para desligar o equipamento de som e também com uma vitrola de tocar discos. Se os manifestantes conseguissem tomar o palanque do microfone, o som seria cortado e a música "Ele tem o mundo todo em suas mãos", cantada por Mahalia Jackson, seria tocada no lugar.

O discurso histórico

Às 13h40, a asa oeste da Casa Branca acomodava uma pequena televisão no salão oval por meio da qual Kennedy começou a assistir King pouco antes de ele começar a falar. De pé e posicionado bem no meio da escadaria do mais magnificente púlpito que a América poderia oferecer, o orador pairou o olhar sobre o imenso "mar" de 200 mil manifestantes que se aglomeravam nos dois lados do espalho d'água até além dos limites do Mall, chegando ao Monumento Washington.

Milhares também formavam uma multidão nas áreas laterais do gramado, enquanto outros se mantinham na água da piscina com água até os joelhos para amenizar o calor. Outros ainda cantarolavam amontoados nas árvores expostas à brisa de fim de tarde. Eles não estavam apenas cantando, mas rezando, se abraçando, dando risadas e aplaudindo.

Com a imponente estátua de Abraham Lincoln pairando sobre ele, King então começou a falar para os manifestantes que sua presença à sombra simbólica do "grande emancipador" oferecia uma prova maravilhosa de que uma nova ordem estava se espalhando pelo país. Por muito tempo, ele reclamou do fato de os americanos negros serem exilados na sua própria terra, "paralisados pelas amarras da segregação e das correntes da discriminação".

Seria fatal para a nação "não vislumbrar a urgência do momento e subestimar a determinação do negro".

Sofrendo com o calor sufocante, a primeira reação dos manifestantes foi o silêncio. O discurso não estava indo bem.

"Fale para eles sobre o sonho, Martin", gritou Mahalia Jackson, se referindo ao já conhecido artifício de discurso utilizado por King muitas vezes. A mensagem não havia entrado no discurso planejado por ele, porque seus assessores insistiram em material novo. Mas King decidiu deixar de lado suas anotações e adentrou espontaneamente no refrão pelo qual ele será lembrado para sempre na história.

"Eu tenho um sonho de que um dia esta nação levantar-se-á e viverá o verdadeiro significado de sua crença", gritou King com seu braço direito levantado para o céu. Rapidamente, ele já estava ganhando seu ritmo vigoroso pela coro emocionado da multidão. "Sonhe!", gritavam eles. "Sonhe!"

Com sua voz alcançando toda a extensão do Mall, King imaginou um futuro em que crianças poderiam "viver numa nação onde eles não seriam julgados pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo de seu caráter". Foi assim que ele alcançou seu caloroso final.

King ainda pediu à multidão para sinalizar se estavam ouvindo bem.
Assistindo na Casa Branca, o presidente Kennedy estava imóvel. Como muitos americanos, esta foi a primeira vez que ele ouvira o discurso de um orador de 34 anos em sua totalidade - pela primeira vez ele avaliou seu método e ouviu sua cadência. "Ele é bom", disse Kennedy para um de seus assessores. "Ele é muito bom". Entretanto, o presidente parecia ter se impressionado mais pela qualidade da performance de King do que pelo poder de sua mensagem.

Mas a mensagem era vital. King fez um poderoso discurso pela mudança racial de forma não-violenta. E fez isso com tanta eloquência e poder que a mensagem reverberou não apenas no Mall de Washington, mas também na sala de estar dos americanos. Dias terríveis e violentos se seguiram. Ainda assim, mesmo com toda a preocupação com a segurança antes do manifesto, 28 de agosto de 1963 foi um dia incrivelmente belo.

Sem confrontos, a marcha provou-se um alívio para a polícia. Até o cair da tarde, houve apenas três prisões, todas envolvendo brancos. No evento, a única ameaça para a polícia não veio de um manifestante desordeiro, mas do frango distribuído mais cedo naquela manhã, que não havia sido refrigerado adequadamente. Pouco depois das 16h, o chefe da polícia emitiu sua mais importante ordem do dia: nenhum dos oficiais deveria, sob qualquer hipótese, tocar no frango que fora preparado para o jantar.

Aos pés do Lincoln Memorial, Martin Luther King e seus colegas foram colocados em uma caravana de limousines oficiais que bem devagar cruzaram por entre a multidão no trajeto até a a Casa Branca.

Kennedy então recebeu os líderes negros com cumprimentos e repetiu o sonoro refrão que elevou o movimento de direitos civis a um novo plano espiritual: "Eu tenho um sonho".

E assim, ele encaminhou todos ao salão oval.
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