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Clóvis Baixo vinha bebendo Cuba Libre demais, para repulsa dos companheiros, que dizem preferir água sanitária do que a tal de Coca-Cola, que, como todos sabemos, é nitroglicerina pura. Há tempos andava com o nariz que parecia um pimentão. Segundo Chupim da Tristeza, quando o baixinho ia dobrar a esquina surgia uma bola vermelha dez minutos antes do corpo.
Não deu outra: ontem o boêmio teve um derrame no pimentão. Ao explodir uma veia, explodiu metade do nariz, literalmente. E nada de parar a sangueira, a Virgínia precisou interná-lo - contra a vontade, obviamente - às pressas no Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre. Como dizia Mr. Hyde, o falecido médico da confraria: os caras do HPS não são bunda-moles como a maioria dos médicos, lá só tem bamba e o negócio é sem frescura, por habituados à carnificina diária que enfrentam.
Na época Mr. Hyde foi acusado de corporativismo, por dizer "maioria" em vez de 99%. Verdade é que os caras são mesmo bons, como também são os enfermeiros e o pessoal de apoio. Luciano Peregrino recordou certa vez em que destruiu um automóvel: entrou no HPS com o rosto aos pedaços e os caras o salvaram. Saiu costurado como o frankenstein, mas vivo, tempos depois "uma plástica com um viado particular me devolveu a antiga beleza" - disse rindo.
Aristarco de Serraria lembrou de sua filha, que aos oito anos esmigalhou os dedos da mão numa cadeira de madeira daquelas de dobrar, tipo de praia, e os caras tiveram de consertar sem anestesia. Hoje ela é uma moça com dedos perfeitos e lindos, graças à rapidez e talento dos de branco do HPS.
Nestes tempos em que muitos querem o escalpo dos médicos, é bom que lembremos dessas coisas, disse Jezebel.
Lembremos desse 1%, corrigiu Gustavo Moscão.
Lembremos desse 1%, corrigiu Gustavo Moscão.
Daí que ajeitaram o nariz num upa, mas determinaram internação por pelo menos dois dias, para acompanharem a evolução do narigolê. Lá ficou o Baixo, com três caras num quartinho do terceiro andar. Hoje pela manhã os companheiros foram visitá-lo.
Complicaram-se na entrada, uma senhora (Gustavo Moscão disse outra coisa, mas deixemos por senhora) não queria permitir a entrada de todos ao mesmo tempo, etc, pulemos esta parte, tudo se resolveu graças à paciência e ao poder de convencimento da socióloga Jezebel do Cpers.
Entraram no quarto e ele lá em cima da cama, bem belo, contando a piada do padre de bicicleta para dois parceiros de sofrimento, um de perna quebrada e outro com um tiro no ombro. O outro interno choramingava na cama do canto oposto ao da janela. Depois das saudações de Ei, seu viadão e tal, ele contou o ocorrido, amaldiçoando a Coca e lamentando não ter seguido os conselhos dos amigos.
Silvana Maresia condoeu-se do choraminguento do canto e perguntou o que ele tinha. Aí souberam que quando o Baixo entrou no quarto o cara se exclamava, chorava, de medo de morrer, havia a suspeita de que tivesse algo grave por dentro, aguardava o resultado dos exames. O da perna quebrada e o do tiro, já seus amigos do peito, contaram o restante.
Em frente ao HPS, como acontece em todos os hospitais, há uma ou mais funerárias. Os papa-defuntos ficam pelo entorno, à espreita. Da janela do quarto dá para se ver perfeitamente uma das funerárias na avenida Venâncio Aires (todos foram olhar). Daí que depois de duas horas de lamúrias o Baixo encheu o saco: conversou com o sujeito, com calma, instou-o a ter coragem, "seja home", tudo vai dar certo, a vida é só uma passagem, perguntou para que clube torcia e tal. Depois chamou-o à janela e disse: "Tá vendo aquele caixão que estão tirando agora, pelos papos que ouvi lá embaixo acho que é pra ti, mas mantenha a calma, Deus é grande, está te esperando no Céu...". Foi um estropício. E agora, quem é que convence o sujeito que foi brincadeira?
O Baixo argumentou que o cara mereceu, quem mandou ser gremista, além de chorão.
O Baixo argumentou que o cara mereceu, quem mandou ser gremista, além de chorão.
Por volta das onze da manhã retornaram. O Cícero do Pinho ficou no lugar do Clóvis na cama do hospital, para evitar perda de tempo com termo de responsa, pelas contas da turma não demoraria a chegar. Na hora de pedir um trago ao Portuga o baixinho, que não é bobo, pediu uma dupla pura de rum com uma rodela de limão, refrigerante nunca mais.
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