Por Vyacheslav Ossipov, no Voz da Rússia
Os primeiros passos no sentido do estabelecimento de um entendimento político mais estreito entre o Brasil e o Império Russo no século XIX estão ligados indissoluvelmente à atividade do “chanceler de ouro” do Brasil, José Maria da Silva Paranhos, conhecido como o barão do Rio Branco. É este o tema da edição especial da revista histórica Rodina (Pátria), dedicada aos 185 anos do estabelecimento de relações diplomáticas entre a Rússia e o Brasil.
Para começar, convém descrever em poucas palavras a situação política interna e externa que serviu de pano de fundo para o desenrolar destes acontecimentos. O historiador António José Ferreira Simões descreveu da seguinte maneira a situação daquela época: “José Maria da Silva Paranhos era ministro das Relações Exteriores de um país, cujas instituições ainda não se tinham formado. O Brasil, que se tinha tornado república há pouco tempo, se deparava com graves problemas internos da dívida externa e a sua economia dependia da exportação de uma única cultura – o café. Os fazendeiros ricos apenas começavam a adaptar-se à abolição da escravatura. Mas mesmo nestas condições, Rio Branco aguardava o momento de formação de um ambiente favorável para uma política externa ativa, o que lhe granjeou de direito o lugar de honra no panteão de heróis da nação”.
Enquanto exercia o seu primeiro cargo diplomático – o de vice-cônsul do Brasil em Liverpool – José Maria da Silva Paranhos, que tinha então 39 anos, revelou grande interesse em relação a longínqua Rússia, à sua gente, à sua arte e literatura que começaram a conquistar naquela época a popularidade no mundo inteiro. Foi precisamente por isso que em 1884 o ministro da Agricultura Afonso Augusto Moreira Pena o encarregou de chefiar a delegação brasileira na Exposição Agrícola Mundial que se realizava em São Petersburgo. O objetivo do Brasil era fazer propaganda da sua mercadoria principal – o café – num país que tomava exclusivamente o chá. A atividade que o futuro ministro desenvolveu neste seu posto pode servir, certamente, de exemplo para muitos dos nossos promotores da exportação nacional no estrangeiro.
Depois de chegar à capital do Império Russo, José Maria não perdeu tempo à toa. Ele dedicava no mínimo duas horas por dia a contatos com a imprensa, falando do Brasil que os russos praticamente desconheciam e preparava, ele próprio, os materiais informativos sobre o seu país. Pouco tempo depois, os jornais de São Petersburgo já informavam que o pavilhão brasileiro virou um dos “centros mais elegantes da cidade”. Cada pessoa que o visitava tinha o direito a uma xícara gratuita de café aromático brasileiro. E durante o dia o pavilhão recebia até vinte mil visitas!
O futuro “chanceler de ouro” aproveitava todo o seu charme pessoal para explicar neste pavilhão às damas de São Petersburgo como se devia preparar o café. Ele doou vinte sacos de café ao hospital dos inválidos das guerras balcânicas e o imperador russo foi informado imediatamente disso. Logo no outro dia, o imperador Alexandre III, acompanhado pela imperatriz Maria Fiodorovna, visitou o pavilhão brasileiro. O monarca provou o café e revelou grande interesse em relação à vida no Brasil.
Depois da exposição, Silva Paranhos foi agraciado com a primeira condecoração russa – ordem de Santo Estanislau do II grau – e, depois de retornar a Liverpool, foi promovido a conselheiro.
O barão do Rio Branco considerava que em fins do século XIX – princípios do século XX formaram-se condições exclusivamente favoráveis para a intensificação das relações russo-brasileiras tanto na esfera econômica, como política. Uma prova disso foi a sua brochura “O Brasil na Exposição Internacional”, editada em francês em São Petersburgo. O barão apresentava ao leitor russo um país pouco conhecido naquela época e exortava a aumentar o comércio bilateral e estabelecer relações econômicas estáveis entre os dois Estados-gigantes.
Até 1892, quando foram publicadas as memórias do viajante e embaixador russo no Brasil Alexander Ionin, esta brochura era, na realidade, o primeiro e único livro sobre o Brasil editado na Rússia. Depois de retornar ao Rio de Janeiro, Silva Paranhos apresentou um informe sobre a Rússia no Ministério das Relações Exteriores. As teses básicas deste informe foram publicadas em 07 de agosto de 1884 no Jornal de Comércio, editado no Rio de Janeiro. O diplomata insistia na organização do “comércio regular e direto” entre os dois países e manifestou o desejo de que a exposição passada “não fosse tão-somente um espetáculo decorativo”.
Mas o barão do Rio Branco teve a oportunidade de ver esta sua convicção no plano prático somente em 1902, depois da nomeação para o cargo de ministro das Relações Exteriores. Foi a Segunda Conferência de Paz de Haia, convocada por iniciativa do imperador russo Nicolau II, que deu um importante impulso para a aproximação política dos dois países. Nesta conferência, foi criado o Tribunal Internacional de Arbitragem.
A conferência de paz de Haia aprovou uma série de importantes documentos referentes às leis de condução da guerra na terra e no mar, que continuam em vigor mesmo hoje em dia. Ela consagrou a norma do direito internacional, de acordo com a qual a força militar não pode ser utilizada para cobrar dívidas.
A intenção do barão do Rio Branco de estabelecer relações de parceria mais estreitas com a Rússia haveria de se concretizar em 1909. Nessa altura, Silva Paranhos propôs ao novo ministro plenipotenciário da Rússia no Rio de Janeiro, Piotr Maksimov, firmar um acordo russo-brasileiro, assim como um tratado sobre a colaboração econômica. Ao apresentar as suas credencias, Maksimov entregou ao barão do Rio Branco a Ordem Russa de Águia Branca – um sinal de reconhecimento da participação ativa do diplomata brasileiro nos trabalhos da Conferência de Haia. Silva Paranhos ofereceu, por sua vez, um almoço em homenagem ao ministro russo, durante o qual fez questão de apontar o papel ativo que a Rússia tinha desempenhado na política europeia e mundial e, em particular, na regularização pacífica dos litígios internacionais.
Ao mesmo tempo, os diplomatas russos certificavam-se cada vez mais de que as perspetivas de relações econômico-comerciais entre a Rússia e o Brasil eram favoráveis. O ministro russo na Argentina Evgueni Stein constatava com amargura que “o nível de desenvolvimento das nossas relações comerciais com o Brasil é baixo”, ressaltando, ao mesmo tempo, que “não devemos menosprezar a disposição favorável dos brasileiros em relação ao nosso país”. “Aqui, na América Latina, para a Rússia tudo e em toda parte é interessante", opinava o embaixador Maksimov. "É uma pena que os nossos homens de negócios não queiram saber isso”.
Infelizmente, é preciso constatar com pesar que muito do que foi dito naquela época continua em grande parte válido também hoje em dia...
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