Recebo
carta com remetente e destinatário datilografado no envelope. Coisa da
administração de lá, depois de meses.
À
frente, Para Salito, Rua tal, número tal, etc. Porto Alegre, RS.
Às
costas: Bira, 2º do B, Presídio Central, Av. Roccio, 1.100, Porto Alegre (RS),
Brasil.
Dentro
o manuscrito em garranchos:
"Antonio
se por acazo tu pudér pasar numa quarta feira qualquér e deixar aquéLa erva e
aquele radio eu não fico brabo me deixaria aTé muinto feliz, ésó deixar na
seguransa que eLes me emTrégãm. Não leve a maL GERREIRO."
No
verso do bilhete disse mais, com a assinatura rude de todo o Pavilhão, não coube todos, então vinha uns por cima dos outros, sobre o
que aconteceria se alguém tentasse tocar no Salito, mas pulo esta parte porque
tem canalhas pensando que ando me achando, os punheteiros de merda, dia destes
perco a paciência.
Nas
noites de datas festivas, comerciais, em que palestrava para eles lá encolhidos
e apinhados nos Pavilhões onde guarda não era doido de entrar, jamais falei da
minha vida pessoal, dos horrores que passava, não sou irresponsável, sabia do
perigo. Se reclamasse de alguém, que me fez mal, colocaria em risco a vida do
elemento.
O
rádio de pilha é necessário, única coisa para passar o tempo dos coitados
amontoados uns por cima dos outros, comendo lavagem para porcos naquele antro
indigno, mas também é código para mandar uma arma, para mim não, sabem que eu
não faria isso. Nunca, era rádio mesmo, não ousariam nem propor, desrespeitando
a quem lhes leva luz.
Sim,
recebi a carta hoje à tarde. Neste ano não irei lá, mas mandarei a erva-mate e
o radinho de pilha, agora não tem futebol, mas tem músicas gaúchas e notícias
dos grandes larápios aqui de fora. De quebra mandarei alguns pacotes de cigarro
paraguaio e umas garrafas de cana braba, conheço os guardas, entregam
enrustidas.
Desde
há dias os presídios estão sob vigilância triplicada, pois a maioria endoidece
no Natal, como no Ano Novo, Dia da Criança, Dias das Mães, dos Pais,
aniversários de filhos, cavam buracos para sair, os carcereiros com os nervos à flor da pele, podem morrer a qualquer momento.
A
maioria a que me refiro são os pobres ladrões de galinha, poucos são os
perigosos mesmo. E os ladrões de galinha lá aprendendo na aula do crime... É assim em todo o País. Sei porque vi.
Já
contei, está em algum lugar aqui do blog Ainda Espantado, que certa vez, chegado de
viagem do Rio sexta à noite, custei a saber e telefonei no domingo para um
juizeco, para a casa dele, me identifiquei e tal, e lhe disse que ele era um
covarde de merda: tinha fincado oito anos de cadeia num pobre coitado que não
feriu ninguém. O filho da puta enraiveceu mas dobrou a língua comigo, pelo que
falei a seguir, não foi burro, ainda deve estar vivo. Aliviou a pena, os oito
deveria ter dado para o pai dele.
E os
nazistas, gatos gordos, de bilhões roubados, aprovando redução da maioridade
penal, presidindo o Congresso Nacional, dando carteiraço de ministro em carro
oficial, quadrilheiro no Supremo Tribunal Federal, etc.
E os políticos, banqueiros e empresários pegos na Lava Jato e os não pegos em tantas roubalheiras, soltos ou em prisão domiciliar, tomando
champanhe à beira da piscina, com putas contratadas andando nuas para
abrilhantar a noite. Devem ter contratado também certo ator pornô para comer as
vacas das suas mulheres.
Aos
nazis meus detratores digo que presídio é forte, o horror, mas até que não é
nada, queria mesmo era vê-los encararem hospícios e asilos de velhos.
Covardes,
eu não rezo nem fico falando de Jesus a todo momento, nem me acho nada, mas
vocês me dão pena. Vão rezar no inferno, seus enfermos sem alma.
Como
disse o contista que sem saber me fez rasgar um conto com o mesmo final: apesar
de tudo hei de me tornar mais belo.
Rebelo-me.
*
Muito bom o conto. Reserve para o próximo livro.
ResponderBorrarMuito bom o conto. Reserve para o próximo livro.
ResponderBorrarNão irá em livro, minha irmã, salvo se for autobiográfico. Besos, te amo.
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