sábado, 6 de noviembre de 2010

Perfídia (2) - Alceu Valença

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Carlito "Dulcemano" Yanés, o boêmio nascido em Havana e criado em Montevideo, nosso homem das letras e das doidices de amor, reaparece depois de uma semana.

Pelo andor, nada bem. Anda meio que caindo para os lados, uma ginga como quem dança pela vida. Mas percebi algo diferente, estava mais lento. Sem chapéu, rosto afundado em amargor.



Kafil, na guarda fronteiriça da casa, ouviu um "Oi, Nego", quase sussurrado, li os lábios no Oi nego. Em seguida levantou os olhos e me viu no alpendre, matito na mão, Dolores no colo, e gritou, quase um pedido de socorro:



- Salito, me muero de hambre y deseo! Y no me queda un mango!



Senti a dor não pelas palavras, mas pelo modo diferente na voz, lancinante, fora do seu comum. E pelo jeito de andar, os nossos conhecemos num olhar. Não gostei do que vi e depois ouvi. A mão de Dolores, me tocando com calma, compreensiva, me disse que ele não quis desrespeitar a presença feminina. Não precisava, eu sabia, mas Dolores é assim, amada.



Juanito Diaz Matabanquero, saindo da cozinha de adaga e carne nas mãos, sem olhar replicou bem alto:



- La primera y la última cosa las podemos resolver, Manito.



E vamos pular o restante, coisa muito séria no coração do irmãozinho. Problema pessoal, nós sabemos o quanto ele apostava naquela moça. Como já dizia o Poetinha, "Quem já passou por esta vida e não viveu, pode ser mais mas sabe menos do que eu...".



O introito que agora faço é para explicar a razão de repetir música aqui no bloguinho.



A punhalada que levou na alma só os anos, ou Deus, vai consertar ou não. O tempo, que a tudo liquida, vai acabar com todos nós sob este lindo céu de Porto Alegre ou de Luanda. O que somos, o que levamos no coração, quem sabe?



A comida que não comeu, a gente arruma pra já. Grana também se resolve. O resto ele faz por si, não nos engana. Amanhã surge de chapéu na cabeça e com uma pinguancha sem amor.



Mas estamos vivos. E nada neste mundo vai impedir que tenhamos momentos felizes. Foi só o que eu disse a ele. Além disso somente recordei Francisco Otaviano, palavras que desde menino carrego no coração:


Quem passou pela vida em brancas nuvens,
e em plácido repouso adormeceu,
quem nunca sentiu o frio da desgraça,
quem passou pela vida e não sofreu.
Foi espectro de homem, não foi homem,
só passou pela vida, não viveu.

 

Aí vai, Carlos, mas hoje vai em português da "Ólinda" do pernambucano Alceu (Alceu Paiva Valença, São Bento do Una, 01/07/1946), uma glória nacional, com versão do não menos notável Lamartine Babo, o Lalá (Lamartine de Azeredo Babo, Rio, 10/01/1904 - 16/06/1963), para treinares melhor a língua, mirando hablar com outra mulher linda e querida, olhos azuis, como querias, se Deus quiser. O Alceu e o Lalá, Alberto Dominguez, e Renoir. Na verdade a versão de Lamartine diz "Mandaste em troca, eu não esqueci" na letra de Perfídia, mas o Alceu pode.

Ou vai pelo Lalá, Carlito, como naquele samba, com uma morenaça pra variar: O teu cabelo não nega, mulata/ Porque és mulata na cor/ Mas como a cor não pega, mulata/ Mulata eu quero o teu amor.
Abra uma cerveja, chega de caipirinha.
Pode chorar.

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