domingo, 3 de noviembre de 2013

A quem serve a grande imprensa?

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O texto abaixo é de Suzana Singer, ombudsman do diário Folha de S. Paulo, hoje, com suas críticas ao jornal. Suscita de pronto pelo menos duas perguntas, fora do alcance da jornalista: quem teria contribuído de modo decisivo para que a população rejeite os Black Blocs, sem que a brutalidade da repressão seja condenada, em repugnante mudança de foco? A quem serve a grande imprensa?


Um rosto

As cenas de um coronel da PM sendo surrado durante protesto em São Paulo contribuíram para aumentar a revolta contra os "black blocs", que já eram rejeitados por 95% dos paulistanos. A Folha, acertadamente, colocou na capa as fotografias da tentativa de linchamento e deu o assunto na manchete (26/10).

Vários manifestantes foram presos, mas apenas um rapaz, que não estava mascarado, foi acusado de tentativa de homicídio: Paulo Henrique Santiago dos Santos, 22, aluno de relações internacionais da Faculdade Santa Marcelina.

Ele aparece nas imagens divulgadas até agora gritando na direção do policial. Segundo o testemunho do PM que salvou o coronel da turba, Paulo Henrique também bateu, o que ele nega.

Na quarta-feira, o assunto voltou à "Primeira Página", mas aí a Folha errou a mão. Sob a manchete "Facção criminosa é suspeita de atuar em protesto em SP", aparece uma foto do estudante, algemado, sendo levado para o Centro de Detenção Provisória 3 de Pinheiros.

A diagramação induz o leitor a relacionar o estudante com o PCC, tema da manchete. Tecnicamente, as duas notícias estavam separadas, já que a legenda tinha título próprio ("Detido") --no jargão jornalístico, era um "texto-legenda".

A associação entre os dois assuntos, porém, é automática. Paulo Henrique estava preso quando houve o quebra-quebra na zona norte, mas a capa da Folha passa a impressão de que ele fez parte da arruaça, que a polícia suspeita ter sido insuflada por criminosos.

Nem havia motivo para a fotografia do estudante estar na "Primeira Página" daquele dia. A transferência para a prisão não justificava tamanho destaque, tanto que a notícia, em "Cotidiano", ocupava apenas uma coluna.

"Fiquei horrorizado quando vi o jornal, fizeram parecer que meu filho é um assassino", critica o empresário Marco Aurélio Cunha dos Santos, 46, em entrevista à repórter Heloisa Brenha.

Ele nega que o rapaz seja "black bloc" e afirma que estão transformando-o em bode expiatório. "O Estado quer dar uma resposta à sociedade e apontaram 'é esse aí'."

Até sexta-feira, o estudante continuava preso e pouco se sabia a seu respeito, porque a família se fechou. Paulo nasceu na Ilha da Madeira, foi criado na Itália, fala três idiomas e, além de estudar, trabalha. "Mesmo sem antecedente criminal e tendo endereço fixo, negaram-lhe a liberdade provisória", protesta o pai.

Ex-jogador de futebol, Marco Aurélio jogou com Romário no Vasco, passou por vários clubes da Europa e hoje vive em Lins (interior de SP).

O jornal já tinha errado na dose quando, no início de outubro, a estudante de moda Luana Bernardo Lopes, 19, foi presa em um protesto violento em São Paulo. Segundo a polícia, ela tinha pichado prédios e ajudado a virar um carro.

O advogado de defesa dizia que ela tinha apenas fotografado a manifestação. A Folha fez um perfil da jovem e a chamou de "sra. Baderna", uma referência ao amigo, que também foi preso e que adotava o apelido de Humberto Baderna. Os dois foram soltos.

A polícia tem tido dificuldade de identificar os culpados e coibir a violência. A imprensa não conseguiu ainda explicar quem são essas pessoas, de onde vêm e o que querem. Os manifestantes mais irados não só se recusam a dar entrevista como agridem fisicamente repórteres da chamada "grande mídia".

Quando um rosto desponta no mar de mascarados, todos os flashes se concentram nele. É preciso tomar cuidado para não promover um outro tipo de linchamento, o da imagem desses jovens que ainda não foram julgados.
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