O texto abaixo é de Suzana Singer, ombudsman do diário Folha
de S. Paulo, hoje, com suas críticas ao jornal. Suscita de pronto pelo menos duas perguntas, fora do alcance da jornalista: quem teria contribuído de modo decisivo para que a população rejeite os Black Blocs, sem que a brutalidade da repressão seja condenada, em repugnante mudança de foco? A quem serve a grande imprensa?
Um rosto
As cenas de um coronel da PM sendo surrado durante protesto
em São Paulo contribuíram para aumentar a revolta contra os "black
blocs", que já eram rejeitados por 95% dos paulistanos. A Folha,
acertadamente, colocou na capa as fotografias da tentativa de linchamento e deu
o assunto na manchete (26/10).
Vários manifestantes foram presos, mas apenas um rapaz, que
não estava mascarado, foi acusado de tentativa de homicídio: Paulo Henrique
Santiago dos Santos, 22, aluno de relações internacionais da Faculdade Santa
Marcelina.
Ele aparece nas imagens divulgadas até agora gritando na
direção do policial. Segundo o testemunho do PM que salvou o coronel da turba,
Paulo Henrique também bateu, o que ele nega.
Na quarta-feira, o assunto voltou à "Primeira
Página", mas aí a Folha errou a mão. Sob a manchete "Facção
criminosa é suspeita de atuar em protesto em SP", aparece uma foto do
estudante, algemado, sendo levado para o Centro de Detenção Provisória 3 de
Pinheiros.
A diagramação induz o leitor a relacionar o estudante com o
PCC, tema da manchete. Tecnicamente, as duas notícias estavam separadas, já que
a legenda tinha título próprio ("Detido") --no jargão jornalístico,
era um "texto-legenda".
A associação entre os dois assuntos, porém, é automática.
Paulo Henrique estava preso quando houve o quebra-quebra na zona norte, mas a
capa da Folha passa a impressão de que ele fez parte da arruaça, que
a polícia suspeita ter sido insuflada por criminosos.
Nem havia motivo para a fotografia do estudante estar na
"Primeira Página" daquele dia. A transferência para a prisão não
justificava tamanho destaque, tanto que a notícia, em "Cotidiano",
ocupava apenas uma coluna.
"Fiquei horrorizado quando vi o jornal, fizeram parecer
que meu filho é um assassino", critica o empresário Marco Aurélio Cunha
dos Santos, 46, em entrevista à repórter Heloisa Brenha.
Ele nega que o rapaz seja "black bloc" e afirma que
estão transformando-o em bode expiatório. "O Estado quer dar uma resposta
à sociedade e apontaram 'é esse aí'."
Até sexta-feira, o estudante continuava preso e pouco se
sabia a seu respeito, porque a família se fechou. Paulo nasceu na Ilha da
Madeira, foi criado na Itália, fala três idiomas e, além de estudar, trabalha.
"Mesmo sem antecedente criminal e tendo endereço fixo, negaram-lhe a
liberdade provisória", protesta o pai.
Ex-jogador de futebol, Marco Aurélio jogou com Romário no
Vasco, passou por vários clubes da Europa e hoje vive em Lins (interior de SP).
O jornal já tinha errado na dose quando, no início de
outubro, a estudante de moda Luana Bernardo Lopes, 19, foi presa em um protesto
violento em São Paulo. Segundo a polícia, ela tinha pichado prédios e ajudado a
virar um carro.
O advogado de defesa dizia que ela tinha apenas fotografado a
manifestação. A Folha fez um perfil da jovem e a chamou de "sra.
Baderna", uma referência ao amigo, que também foi preso e que adotava o
apelido de Humberto Baderna. Os dois foram soltos.
A polícia tem tido dificuldade de identificar os culpados e
coibir a violência. A imprensa não conseguiu ainda explicar quem são essas
pessoas, de onde vêm e o que querem. Os manifestantes mais irados não só se
recusam a dar entrevista como agridem fisicamente repórteres da chamada
"grande mídia".
Quando um rosto desponta no mar de mascarados, todos os
flashes se concentram nele. É preciso tomar cuidado para não promover um outro
tipo de linchamento, o da imagem desses jovens que ainda não foram julgados.
.
No hay comentarios.:
Publicar un comentario