jueves, 14 de noviembre de 2013

O dia da caça, a ilusão

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- Enfim, os patifes irão para a cadeia, disse Luciano Peregrino diante do notibuc, interrompendo os comentários paralelos do Botequim do Terguino.

Logo Luciano lia a notícia sobre a publicação legal que autoriza a prisão imediata dos mensaleiros, sob expectativa geral:

"... O Tribunal, por unanimidade, decidiu pela executoriedade..."

Aqui mestra Jezebel do Cpers, doutora em letras, se engasgou com o seu martini, tossiu forte, o "executoriedade" feriu a sensibilidade do pessoal, a sua mais ainda. Luciano prosseguiu:

"... imediata dos capítulos autônomos do acórdão condenatório que não foram objeto de embargos infringentes."

Tigran Gdanski, chegado quando Luciano iniciava a leitura, exclamou:

- Mas que diabos quer dizer isso?

- Que José Dirceu e sua gangue podem ir para o xilindró a qualquer momento, basta a expedição do mandado de prisão, ou seja, quiseram dizer que o tribunal decidiu, por unanimidade, pela execução das sentenças que não tem penduricalhos postergantes, enojantes, moedantes, covardantes, punhetantes, mortantes, até matar mataram, e acachapantes apresentados pela corja de rábulas bem pagos que se acha inteligente neste sistema de merda, um dia mato um "colega", respondeu Carlinhos Adeva, o diretor jurídico do Partido dos Boêmios (em constituição), abatido, pelo que logo foi consolado pela Jezebel e pela Silvana.

Foi a senha: gritos e abraços, o bar se transformou numa festa.

Salta um rabo-de-galo, disse o Contralouco, uma gelada aqui, disse Chupim da Tristeza, no que foi seguido por duas dezenas de boêmios e boêmias. Muitos telefonaram para companheiros e companheiras ainda ausentes: "Vem pra cá, hoje tem festa". Lorildo de Guajuviras, que estava em Canoas visitando uma prima, saiu em disparada em direção ao metrô, logo que avisado por Jussara do Moscão.

Ain Cruz Alta, numa das mesas da janela, com os olhos postos no entardecer de Porto Alegre, suspirou e disse:

- Eu nunca duvidei da Justiça...

- Eu duvidei, e muito, ainda duvido..., disse Carlinhos Adeva, enigmático.

O admirado filósofo de botequim Aristarco de Serraria, orgulho dos amigos pelo bom-senso e pela cultura, afastou o copo de cerveja e pediu uma fada verde. Conserva de pinga com losna, o absinto dos boêmios, normalmente é chamado de dyabla verde, mas hoje Aristarco apelou para a outra denominação. Fada verde é para dias muito especiais, felizes. Foi breve:

- Esperemos, minhas irmãs e meus irmãos, que isto seja apenas o começo e não pare, pois falta muito para que recuperemos as verbas públicas roubadas das escolas e dos hospitais, hoje empregadas em mansões e helicópteros de criminosos.

Vieram gritos de todos os lados, abafando a fala do insigne pensador: Falta a turma da privataria tucana, falta a gangue da Delta, falta o Maluf, falta o Cabral Guardanapo, falta o Kassab, falta os de Santa Catarina, falta o Sarney, falta o Jarbas, falta o Collor, falta os Cachoeiras da vida e os juízes e políticos que comprou, falta a FIESP e todas essas FIE de gatos. Alguém quebrou um copo, houve uma pausa e Clóvis Baixo aproveitou, encerrando a sessão "falta":

- Falta tudo. Falta metade do Congresso Nacional, metade dos que se dizem grandes empresários e metade dos funcionários públicos. E metade da polícia. E a mídia inteira. Tudo ladrão e corrupto!

- Perto de alguns que falaste que roubaram e roubam, Clóvis, o que os mensaleiros levaram é troco, falou novamente Carlinhos Adeva. E que bom seria que faltasse só a metade...

Rapidamente decidiram que hoje haverá música no bar, com bebidas comuns e músicas que todos vão cantar. Alguém telefona para a Gracinha, a melhor cantante da Cidade Baixa, amiga do peito, para puxar o repertório, depois o pessoal vai se lembrando das outras. Cícero do Pinho e Chupim da Tristeza saem buscar os instrumentos.

Muitas surpresas os aguardavam ainda nesta noite. Os boêmios foram iludidos por gente sem cara, construíram o PT, hoje estão espalhados por partidos menores de esquerda, quem ficou lá, disse Walter Schiru, é quem mama, na grana e no pau dos paulistas ladrões. 

João da Noite, o presidente do Partido dos Boêmios, figura exponencial dessa luta, nesse momento acordava em Viamão na casa de uma mulher, com a nítida impressão de que lá fora dançavam boas novas, uma luzinha de esperança. Precisava tomar um banho, fazer a barba e sair.

Bruno Contralouco fica sério, com aquele ar ingênuo e doce que o caracteriza quando não está bravo, e diz para Aristarco:

- Sabe, Ari, não pense que eu sou ruim, sei lá, talvez seja, mas eu gostaria que toda essa gente que vocês falaram morresse. Os condenados são uma gota no oceano...

O bar ficou silente, cada um olhando para o fundo do seu copo, pensando longe. Alguns pensamentos bons lhes passavam pela cabeça, outros ruins, pois os rostos ora transmitiam expressões de dor e desencanto, ora de felicidade e confiança.

Aristarco passou-lhe a mão nos cabelos:

- Que nada, Contra, Deus é grande, um dia os caçaremos e os levaremos aos tribunais em jaulas de ferro, por loucos e desalmados que são. Os piores são os inimigos da nossa carne de escravos, nossa carne que hoje cortamos por justiça e sinal de recomeço. Cortar a carne dos nossos dói mais, palavras não dizem o que sentimos no coração, mas matamos uma tropa de Cains, nem todos, é verdade. O inimigo desde sempre, os bichos que corromperam os nossos, pela loucura ou vingança, ah, logo chegaremos nas carnes deles. Todos somos homens apavorados, desesperados, ante o horror que assistimos. Mas sejamos fortes, mantenhamos a calma, não nos tornemos iguais a quem combatemos, como fizeram alguns fracos e doentes do nosso lado. Vamos festejar. 

E levantou-se, erguendo o copo.

Contralouco murmura:

- Tá, mas deixa eu enforcar só os donos das empreiteiras, Aristarco, só eles, não vai ficar de mal comigo, vai?...

Aristarco se faz que não ouve e ergue o copo mais alto.

Arrastar de cadeiras, o botequim inteiro em pé. Ouviu-se na Zona Norte o brinde que propôs na Cidade Baixa.

- Ao povo brasileiro.

- Ao povo brasileiro!, rugiram.

Tintim!

Muitos copos se quebraram tal o ímpeto, mas não importou, eram só copos de vidro. A sementinha de esperança nascida valia muito mais, até o sangue e a vida.

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A ilustração é obra do Nani, desta data.

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