sábado, 23 de noviembre de 2013

Peixe à tartaruga, sem veneno

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Uma linda noite de sábado em Porto Alegre, apesar do ventinho traiçoeiro que ao encanar fica batendo portas e janelas, típico de novembro, já em Finados é sentida a sua presença impertinente. 

Eu e a dama prontos para sair, todo finórios, ela inteiramente de branco, eu de preto à exceção da gravata branca, nada de borboleta, gravata mesmo, esta como sinal de aproximação que temos meu amor e eu, e para não ficar nem longinquamente parecido com gorilas da universal ou com leões-de-chácara, embora isto, a incompatibilidade com tais elementos, se perceba pela minha cara e pela qualidade dos trapos.

E eis que me chega Carlito Dulcemano Yanés, o desaparecido, de mala e cuia, disposto a tomar um copo de veneno. O coração dando saltos, que parecem maiores pelo volume da Magnum no lado esquerdo. Outra briga com Ju Betsabé, não precisa nem falar, já sabemos. 

Levo-o para o quarto de hóspedes e ele me conta que desta vez é definitivo, pois ela botou fogo no seu apartamento na semana passada, cinco litros de gasolina e um pau de fósforo. Como resposta, hoje ele foi no dela levando um saco de ratos de esgoto, em meio a um jantar que ela promoveu para as amigas e colegas da filosofia, e o abriu no meio da sala, quando as comensais riam e bebiam, preparando-se para se deliciarem com o peixe à tartaruga, vá saber o que é isto. Penso em lhe perguntar onde arranjou tantos políticos, mas me contenho, pelas circunstâncias deveriam ser os famintos bichinhos mesmo, afinal era só para estragar o jantar das moças, não para roubá-las. Cada ratão..., diz ele, tudo criadão, federal, um deles maior que o querido Gatolino, e olha para o nosso gato. Uno, meu, do partido socialista, hoy amigo de Marina, que há séculos comprou casa com mala en vivo, notas estalando... En Puerto Alêgre. E outro que... O Gatolino salta no meu ombro, erguendo a patinha esquerda para Carlito em sinal de bem vindo, saudades, quando tu te acalmar a gente conversa. Carlito se cala. Eu mereço, ou ando vendo coisas.

Isso pelas nove e meia da noite. De volta à sala, ele vai ao banheiro e digo à Mariquita que é melhor sairmos mais tarde. Ela assente, com ar de quem entendeu o mais tarde como amanhã.

Sou antigo nessa parada, não posso deixar meu companheiro sozinho numa hora destas, uma porque é amigo do peito, outra que sei que os ventos não sopram sempre para o mesmo lado, não esqueço que ele não saiu de perto de mim por uma semana naquela vez em que resolvi queimar um banqueiro, de medo, vai que eu me desse mal por estar sozinho, o outro tinha cem seguranças, engraçado que para proteger banqueiros e larápios de mesma estirpe aí o sujeito pode andar armado. Deixar estar, o futuro a Deus pertence e os ventos viram, ora para cá, ora para lá.

Veneno não sou parceiro em tomar, que tal vodka com martini e suco de kiwi? Ele aceita, sem o suco, dizendo que essa droga tem gosto de vinho. Mariquita fica com o suco pingado de vodka. Psicologia, malandro: na primeira oportunidade desvio o assunto, falando que o Internacional está indo cuesta abajo apesar da folha de dez milhões por mês, e nada faz pelas crianças. Ufa, caímos no amado Peñarol, que abdicou de títulos mas encaminha para a vida centenas, milhares, de crianças carentes. E mesmo abdicando eles que se cuidem, incomoda sim.

Masoquista, pede-me para que rode no toca-discos o Bolero Italiano, a "nossa" música, deles, Carlos e Ju. O "bolero italiano" L'edera, dos italianos Saverio Seracini (música) e Vincenzo D'Acquisto (letra), título que, traduzido, em espanhol varreu o mundo como La hiedra. É de 1958, vinte anos antes de Carlito nascer, mas essas coisas de amor, mulheres e música, aquele, aquelas e esta todavia me pegaram, não se explica, gosto é gosto, um mundo desconhecido de encantos ou dèjá vu. Por exemplo, Carlos e eu temos a mesma altura, 1,85m, e o mesmo peso, 86 Kg, mas ele gosta de palito, a Ju mede 1,63 e pesa 57, já a minha Mariquita mede 1,86 e pesa 87. Gosto de ter onde pegar.

Y así pasan las horas. Estamos felizes, Mariquita e eu. Somos daqueles bobos que quando dá uma zebra a gente absorve, pensamos que se saíssemos, driblando o fortuito, sabe-se lá o que poderia acontecer. Pegar na loteria na noite de Porto Alegre certamente que não iríamos, os números já correram e novamente pegamos nada. Amanhã será um bom dia, passar a tarde de cervejinhas pelo Gasômetro ou por Ipanema. Levaremos Carlos Dulcemano, se até lá ela não telefonar.

Agora o maluco meteu-se na cozinha, nem Jesus o impediria de tentar o tal "Peixe à tartaruga" que viu de relance. Gatolino lá junto com ele, falou em peixe... Ouvimos os dois confabulando, Carlos diz: meu, outro dia te trago um passarinho. Ui-miau!

Apresso-me a dizer Carlito está brincando, morena, ela responde eu sei, do Gatolino não me admira o instinto, tadinho, o achamos na rua ferido e capado. E a minha namorada chora, ô guria sensível, é assim a cada vez que lembra do bichano, ainda filhote, banhado em sangue por obra de vândalos. Voz em cacos, segue: o que me admira, são pessoas, supostas pessoas, iguais desde sempre, instinto de fera e com disfarces de sociedade, como conseguem?, pessoas que se sentem felizes em arrancar de quem não pode se defender das suas armadilhas de panelinhas, o mundo de mentiras lá fora... Pára, guria, passou, calma, essa parte é comigo, ainda os pego. Vamos dançar?

Hoje dou uma folga para Los Panchos, Gigliola Cinquetti, Johnny Albino e outros amados, e rodo com a espanhola Paloma San Basílio. Danço com Mariquita na sala. De lá da cozinha vem o grito em portunhol: yo amo aquella tartaruga desgraciada!




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