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Por Mauro Santayana, no JB
Leonarda é morena. Maria é loira.
A primeira nasceu na Itália, e foi criada na França. Mas está em Kosovo,
país em que nunca viveu, porque seu pai é originário dali, da antiga
Iugoslávia. Seu irmão, Daniel, nasceu em Nápoles, mas mora na Ucrânia. Sua
irmã, Erina, mora na França, mas nasceu também na Itália, assim como Maria, que
tem 17, Rocky, de 12, Ronaldo, de 8, e Hassan, de 5 anos. Só a caçula, Medina,
nasceu na França.
Maria, encontrada com uma família em Farsala, na
Grécia, pode ser filha — descobriu-se agora — de um casal de búlgaros que
vive em um gueto da cidade de Nikolaevo. O nome deles, curiosamente, é
Rusev, quase como o da presidente Dilma.
O casal Dibrani, pais de
Leonarda, têm oito filhos. Os Rusev, pais de Maria, têm dez, e a mãe alega que teria
cedido a filha a um casal na Grécia, quando morou no país, porque não tinha
como dar-lhe de comer.
Mas, como é isso, em que tempo estamos? De que continente falamos? Da
Europa do século 21, que manda sondas ao espaço, e se orgulha de sua alta renda
per capita e do seu desenvolvimento humano? Ou da Europa do passado, com suas
enormes famílias, com seus guetos, sua fome, e os milhões de miseráveis
dos séculos 18 e 19?
Falamos, infelizmente, do agora. Na Europa de hoje, Leonarda e Maria não
são duas meninas normais. Não têm passaporte, nem pátria, nem futuro. São
ciganas. E em seu sangue carregam o destino dos últimos párias da terra.
É certo que há outros deserdados, perseguidos por questões políticas ou
religiosas, ou por serem minorias em seu próprio território. Mas todos têm sua
terra. A lembrança do país onde nasceram, a esperança de um dia terem um
documento, de voltarem a ser alguém.
Em uma Europa racista, cada vez mais xenófoba, e que não reconhece o
direito de jus soli mas, na maioria dos países, apenas o de jus sanguinis
(quando não basta nascer em um determinado país para adquirir a nacionalidade),
os ciganos vagam, como fizeram nos últimos mil anos, sem eira nem beira, ao
sabor do estado de espírito de quem manda no país em que estejam, e não podem
criar raízes, nem quando deixam de agir como nômades.
Até o final da Segunda Guerra Mundial, os ciganos compartilhavam seu
destino com os judeus. Com eles, eram expulsos, de um país para o outro.
Com eles, foram espancados e roubados, desde que deixaram a Índia, rumo ao
Ocidente, há cerca de mil anos.
Em 1925, os roms passaram a sofrer, como os judeus, as restrições das
Leis de Nurenberg para a Proteção Proteção do Sangue, que proibia o
casamento entre alemães e "não arianos".
Em 1937, a Lei de Cidadania Nacional relegou os ciganos e os judeus à
condição de cidadãos de segunda classe. E Himmler emitiu decreto que chamou de
"A luta contra a praga cigana", que solicitava toda informação sobre
ciganos fosse mandada para o Escritório Central do Reich. Se os judeus
tiveram a Kristallnacht, com a quebra de centenas de negócios e a queima de
sinagogas, os roms tiveram a “semana de limpeza cigana”, de 12 de junho e 18 de
junho de 1938.
O primeiro teste do gás Zyklon B, usado pelos alemães nas câmaras de
gás, foi feito com 250 crianças ciganas, em janeiro de 1940, no campo de
concentração de Buchenwald.
Ao contrário dos hebreus, os ciganos, no entanto, nunca tiveram um Deus
que lhes desse terra prometida.
Os judeus fundaram Israel.
Os roms continuam, sem pátria e sem destino, a ser discriminados,
perseguidos e mortos — por doença e inanição.
O leitor preste atenção. As crianças ciganas são as únicas, na Europa,
que vivem em guetos exclusivamente étnicos. Os dez irmãos de
Maria — se os Rusev forem mesmo sua família — dormem
todos em um único cômodo em Nikolaev.
Nos subúrbios de Bucareste, de Sófia, de Budapeste, ou nas fotos e
vídeos da internet, é fácil reconhecê-las. São as únicas que têm a barriga
inchada, devido aos vermes, e sempre na mão — por causa da
fome — um pedaço de pão.
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A ilustração não consta no original: na foto, crianças ciganas vítimas das experiências do psicopata Mengele e seus mentores.
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