domingo, 8 de junio de 2014

Boa noite, Vila Isabel

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Sexta-feira

Nove da noite fui ali no Beco da Morte, no bar do Darci, comprar algumas cervejinhas, 48 acho que dá para hoje e amanhã. Tinha um negão me seguindo, deixei para lá, sei quem é, mal não vai me fazer, não é louco, ninguém é louco, ao menos enquanto eu tiver o 38 no bolso interno do paletó, no lado do coração.

Tem coisas que só acontecem na Cidade Baixa. Na dobrada para o escuro na Lobo da Costa topei com uma bruta cobra com um sapo na boca. Mamma mia. Sapo não, o pai dos sapos, sapão, não sei como entrou nessa fria, ele esperneando com uma perna pra fora, mas não adiantava mais. Deixei-os lá se divertindo, sou a favor dos animais.  Bem que a cobrona podia brincar com o negão, que congelou lá atrás ao assistir a cena. 

No boteco dei de cara com o Bruno Contralouco perdido para estes lados, me disse que estava rondando uma tianga por ali, mulher de um... Pára, Contra, não quero saber. Só ia dizer que o milico anda dobrando serviço com essa história de Copa, Sala, que coisa!, então a festinha vai sair de noite, de noite é muito melhor que de tarde.

Diz que ficou até às oito na sua gráfica lá na rua do Arvoredo, ultimamente o movimento esquentou com a politicalha encomendando santinhos, eles se antecipam, estão há meses em preparativos para entrar a mil no cu do povo em agosto. Saí às oito, disse, porque já tava me dando vontade de errar nas fotos dos caras, botando um jacaré no lugar.

Como sou a favor dos animais, fiquei indignado. Pera aí, meu, bota outra coisa, a cara deles já fica bem, diz tudo. Ele ainda argumentou, mas Sala, esses répteis comendo o povo como quem come sapo, enjoei!


Agora fui eu quem congelou. O Contra é perceptivo, espírita.

Ficamos de tomar uns tragos amanhã, no Beco do Oitavo, teremos cantorias no Botequim do Terguino. Grande Bruno, figuraço.

Voltei para casa, o Cara de Cadela me ajudou a trazer os frascos, 48 cascos pesa. Depois tomei umas seis, entrei no feicebuc, ouvi uns sambas do Antônio Augusto, e comecei a me sentir sozinho. Odeio ficar sozinho. Pensei em abrir o bacalhau que trouxe pela manhã do Mercado Público, mas não é do odor que sinto falta, sinto falta é delas.

Ó vocês, felizes da vida, que saem namorar e tomar uns merengues na sexta-feira, bolso com cinco de cem, que Deus os ajude nessa trama de felicidade e amor.

Eu aqui, snif, de plantão, como todas as noites, sofrendo solitário e imaginando os risos das ruas, dos bares, as músicas que pedem aos instrumentistas e cantores. Não, não estou doente, ou estou, se da cuca, para suportar tamanha humilhação.

Ocorre que minhas mulheres trabalham à noite, das 16 às 4 h da matina, doze horas na batalha, e fico eu encarregado de fazer comida e cuidar dos gatos. Tem nego do outro lado da rua me cuidando, detrás daquele poste, elas conferem. Até as vizinhas, que eram um desafogo para as horas de solidão, elas espantaram. A do oitavo andar uma polaca completamente alucinada, pelos ruivos em tudo, entre as pernas muitos, um tufo, ui, botava a sala em penumbra e dançava se contorcendo com música russa antes de me pegar. 

Pois é, depois de champanhes, delírios, me entreteram no quarto de cá, onde na cama rosa cabem seis delas, mais eu, enquanto as outras duas, Mariana de Rosário e a haitiana Sybille, quebravam a cara da polaca: uma garrafada no rosto, chutes e o empurrão escadaria abaixo. Não morreu mas ficou manca na queda, agora me olha de longe e sai em disparada, manquejando, olhos esbugalhados de medo.  Mulheres...

Bom, hoje consegui fazer oito pastéis para esperá-las. Na embalagem vinda da Romênia dizia que havia meio quilo, a olho vi que tinha uns vinte pastéis. Só saiu oito porque errei nos doze primeiros.

Refoguei o guisado da Mercearia Zaffurtari, tudo embolado, precisei esmagar com uma colher, finquei sal e pimenta, tomate picadinho, cebola e um saco de tempero verde, à parte cozinhei três ovos pra misturar depois, dentro dos pastéis.

Aí lembrei que elas mandaram fazer sequinhos e quase torrei a panela. Como se fosse eu a gostar de lambuseira... deixa pra lá. Derramei uma garrafa de azeite na panela pretona e comecei a função, me cuidando para não me queimar, mais queimado que ando com elas impossível. Gostei da atividade. Eu não sabia, mas tinha uma película de plástico envolvendo cada bendito pastel, fritei junto.

Reclamei na sacada, gritando aos vizinhos, cuidado aí, queimaram plástico, há horas queimam, otários! 

O que faz a bebida. Depois é que me flagrei.

Azar, com oito cada uma come metade. Disso não posso reclamar: metade sempre deixam pra mim.

No fim de semana elas estarão em casa, sábado e domingo, ufa, pelo menos isso. Semana que vem aquele negão vai sofrer um penalti, pra elas aprenderem que ao Sala ninguém prende nem observa.

Sábado

Uma linda noite em Porto Alegre. Saí às três da tarde, quando as mulheres ainda dormiam. Pela manhã ouvi Feitiço da Vila no rádio e saí com uma saudade da Vila Isabel por dentro, do Martinho, de todos aqueles loucos e loucas.

Comprei umas loterias e fiz uma fezinha no bicho da federal, depois dei uma passada no boteco do Darci ali do Beco da Morte. O pessoal queria que eu entrasse numa Vida a cem paus que armaram na mesa do fundo, mas não fui, tenho compromisso, hoje vou jantar fora e dançar com minha amadas. 

Conheço mesa de sinuca, fui profissa, depois de entrar pega fogo, o cara só sai no outro dia, os locos teimam em te deixar ir embora levando o deles. À meia-noite tu ganhou mil, quer sair e não pode, é de lei na malandragem, sair da jogatina ganhando, se os caras querem mais, de jeito nenhum, desmoraliza. Aí tu fica, até eles se pelarem, mas aí já é nove da manhã e perdeste as mulheres, passaram a noite te esperando, encrenca certa em casa, mesmo chegando com quatro mil.

Fiquei de papo com o Contralouco, que armado até os dentes passou na zona para comprar munição de 38. Tomamos umas dez repolhudas. Ele não parava de olhar para a porta, quando me contou que ontem deu zebra naquele seu assunto com a mulher do milico. Bem que o avisei, nisso de pular a cerca de campo alheio um dia a casa cai. Dei um endereço para ele se entocar na Vila Cefer, lá estará protegido até que a tormenta passe, e voltei pra casa.

Apartamento vazio. Na mesa da sala os gatos me olhando e um bilhete: "Salito, a patroa telefonou, com isso de Copa tem uma homarada lá, vamos ter que dobrar serviço. Tentamos te ligar mas tocou aqui, tu esqueceu o telefone em casa". Faltou papel para os beijos de batom, seguiu no verso. Ao lado uma pilha de notas de cem. Na mesa oito gatos, os delas, faltava o meu, o Gatolino, que como eu não gosta de andar em bando, sai muito papinho fútil.


Cadê meu miau?, perguntei. O apartamento às escuras, mas lá de algum lugar, longe, veio a resposta: miau.

Era só o que me faltava, eu e o gataréu, as gatas de verdade no serviço. Mais uma desilusão. Que destino bem ingrato. Ruíram todos os meus planos com as donas. Vou à sacada da frente e vejo o negão lá atrás do poste, no outro lado da rua, se fazendo de estou aqui por acaso. Elas foram mas deixaram o espião pra me cuidar, é hoje que ele vai sofrer um penalti.

Sento um pouco, com o coração aos pedaços de tanta tristeza. Depois sirvo uma losninha, bebo enquanto penso nos passos que darei esta noite. Para espairar boto rodar um samba dos camaradas Acyr, Chiquinho e Mauricio. Com uns caras que gosto muito: Almir e Zeca. Destino bem insensato mesmo.


Dou uma saidinha. Lá embaixo miro o negão se fazendo de salame, bem que me viu. Atravesso a rua, ele tenta sair de fininho mas digo volta aqui, meu amigo, é contigo mesmo. Ele pára. O que tu prefere: um tiro no joelho ou dizer que se distraiu com o acidente de carro ali na esquina? Que acidente?, diz ele, mas logo se tocou, quando eu disse: Bom, a escolha é tua, mas agora não me olhe mais, se olhar o tiro será na cara, o que prefere? Olhou para baixo e falou: não entendi o que senhor disse, eu estava só passando, mas prefiro me distrair com o acidente na rua, um estrondo, os passageiros se machucaram, um morreu, não vi o senhor sair. 

Bom rapaz, ligeiro de raciocínio.

Retornei e servi uma dose porreta de dyabla verde.

Será que ainda consigo uma passagem de última hora para o Rio de Janeiro? Pego o telefone. Ainda hoje, na verdade amanhã, meia noite e trinta descerá o avião, logo chegarei espalhando felicidade, chapéu atirado para trás, exclamando ao chegar no primeiro bar do bairro: Boa noite, Vila Isabel!

Domingo

(...)


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