Só lembro que estava barbudo de seis meses, unhas compridas nas mãos e
nos pés, quebravam, doíam, e sujo, sujo, sujo. Fezes grudadas na grossa camisola marrom, por baixo nu, com feridas causadas pela sujeira, me ardiam as partes íntimas. Antes disso somente um vago
semblante de mulher, uma espada, colocava o corpo na frente para defendê-la, e
a seguir coberto de sangue. Névoa, lembrança fugidia, passava e me enlouquecia,
onde está? Não voltava.
Já tinham feito. Ouvi seus gritos enquanto o espancavam, gritava meu nome. Fomos navegando mar adentro, sem comida, sem água, com aquele homem dirigindo,
ele robusto, descomunal, espumando pela boca, urrando. Dei-me de que eu estava na temível nau dos insensatos.
La Nave del Olvido. O risco me feriu o cérebro, explodiu, fiquei estatelado por um instante, parei, mas no desespero logo segui mordendo a sua jugular com mais força, com sede e fome, chupando o sangue que saía aos borbotões, queria comer seus olhos, sua bunda, tudo. No primeiro dia o sangue bastou. Todos morreram. Eu não, eu comi peitos, pernas, pedaços, restos. Quando não tinha mais nada, comi panos, madeira. E o mundo se acabou.
Deitado na proa da nave, naquele fedor, alguém me levantou pelas costas, para me fazer sentar. Levantou um esqueleto moribundo. Abri os olhos, tonto, mole, tornei a desmaiar. Senti água no rosto e agredi a
quem não via, com últimas forças vindas não sei de onde, água, água, água. Seguraram-me com força, me imobilizaram, e me deram água aos poucos, agora eu urrava como aquele, mais água.
*
No hay comentarios.:
Publicar un comentario