sábado, 13 de septiembre de 2014

Quando matei o governador (1)

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Voltei ao mundo à uma da tarde de segunda-feira na pensão da Rua Coração de Maria, no Méier, trêmulo, pelo som do rádio que vinha de baixo, o João Nogueira a mil cantando que acordou num quarto sem forro, perto do Pronto Socorro... dei um pulo, quase descreve onde moro. Tonto, me localizei, estava em casa, no muquifo da dona Dina ou Orlinda, eu chamo de Véia. 

Vi no relógio que era segunda. Pensei em ir encontrar os camaradas lá no Samba do Trabalhador, como o combinado, mas tinha uma dorzinha estranha no braço esquerdo, na altura do cotovelo, bem no meio por dentro, olhei e vi uma picada feia, minha veia de doar sangue fodida, roxa, seja o inseto que for me pegou de mau jeito, apressado, deve ter mordido num nervo. Só recordo que andei bebendo pelo Amarelinho no sábado, com uma alemoa alta que peguei em Copa, depois dei uma passada na Lapa, naquela picaretagem da Rua do Lavradio, bebi lá dentro, ela toda feliz por ouvir samba e ter homem garantido, eu de chapéu pareço mais mole do que sou, tava comendo a branca em pé no banheiro, ela dizia, ai, assim, me foda, tarado, quero beber teu leite, me avise quando for acabar, e de repente tudo apagou. Do domingo nada lembro.

Tomei um chuveiro naquele antro de pensão, meu lar. Apalpei o galo no coco da cabeça. Fiz a barba, ao vestir a camisa notei que estava manchada de sangue, um pingão só, que parecia enorme na camisa azul, novinha, me deu um frio, mas azar, lavei na pia, saiu fácil, se estou sozinho tudo está bem, devo ter brigado e o sangue é dele. Estou saindo e a dona Nica, agora lembrei o nome, negra chamada Nicolina, eu mereço, me intima pelo aluguel, a mandei tomar no cu fazendo rodinha com os dedos, depois disse onde pensa que estou indo agora, velha vagaba, no banco, porra. Há meses enfiei um envelope com um ano de aluguel no vasão que ela tem na sala, mas não conto porque gosto dela assim, brigando, a Véia não tem o que fazer. Amanhã pago, abaixo de xingamentos, eu rindo, ela me chamando disso e daquilo, no fundo me quer bem. Aquele ano pago fica lá, no vaso comprido, se eu desaparecer ela vai precisar. 

Andei em direção ao boteco de antes da esquina com a 24 de Agosto, pensando um dia vou dar um tiro nessa velha, nela e nos seus gatos, menos naquele magricelo que ela não dá atenção. E no gordo que é dono do bar. Desse não gosto e ele sabe disso, dia desses encho a sua boca de chumbo. No bar pedi um cafezinho e um conhaque, para firmar a mão, ele trouxe correndo, me deu vontade de apagar ele ali mesmo, mas deixei pra lá, preciso descobrir. Pra onde vai tão cedo, me perguntou o Tampinha do táxi, querendo agradar, todo sorridente. Vou pra cidade. Tou indo pra lá, te levo no mole, mermão, ele falou. 

No mole porque me deve, mas valeu, dei um tirambaço no conhaque, em cima o café, entrei e fomos. No caminho me explicou que vai me pagar em cem prestações aquela grana que livrou a sua mulher do cemitério, e a graninha pra meninada ir levando. Tá bom, não esquenta, eu disse, não estou te cobrando, fica tranquilo. Desconta as corridas daquela conta, mas anote pra mim conferir depois. Pedi para me deixar na Senador Dantas, lá ainda tenho amigas num hotel, aquelas sabem tudo, vão me dizer o que aconteceu ontem à noite que me largaram em casa. Desci do táxi e voaram três mal encarados em cima do meu corpinho de 1,80m que mamãe tanto lutou para preservar, ali começaram os meus problemas. 

Neguei-me e meti a mão no ouvido do primeiro, que se esborrachou na lataria enquanto o Tampinha se mandava, esmagou a perna do elemento na saída, quando o segundo estava em cima levou um tiro na cara, peguei o bandido em cheio, na boca, com a direita a máquina e eu somos um. O terceiro amoleceu, ao ver um colega mal e o outro morto, eu com os olhos arregalados, é agora que mato mais um, a Magnum pronta, ele largou a arma devagarinho, abriu os braços, para cima, e disse: semos polícia... Eram meganhas à paisana. E agora? O rato que caiu antes por trás me deu um tiro. Passou zunindo. Olhei, ele lá deitado na rua com a perna fodida, ia atirar de novo, então dei dois tecos nele, se acalmou para sempre. Quando me voltei o pacificador, que queria papo amigável, estava de arma na mão. Não tive alternativa, saltei para o lado e disparei duas vezes, tive sorte em uma, peguei na testa, mas antes ele me encravou um teco na perna.

Saí manquejando em direção à Presidente Vargas. Se teve testemunha, e teve dezenas, falarão em meu favor: fui agredido e me defendi. Doce ilusão, rato é rato, lembrei, vão inventar, e nem sei do que sou acusado. Uma maravilha, minutos antes das três da tarde e eu já com três mortes nas costas. Ali me lembrei do Capeta Manco, que dizia que em hora ruim o homem precisa manter a calma. Então tá, muito calmo que fiquei, não é no dele. 
Na Vargas peguei um táxi, me leva pra Santa Cruz, malandro. Disfarçando a perna, doía pra caralho mas fui pisando firme, e saí pelo inesperado, pelo meu avô gaúcho: me esperavam no Méier, fui para Jacarepaguá. E pelo caminho me perguntando, o que foi que eu fiz? Quando estava no sexto táxi, de lá pra cá, dali pra lá, até achar o Tampinha, com ele finalmente cheguei em Jacaré, já estava com raiva de alguém, mas não sabia de quem. Entrei firme no portão da casa da nega Zilda, para não assustar as crianças, o Tampinha queria me ajudar, eu disse te manda meu, e esperei o táxi desaparecer. 

Entrei, passei da porta da casinha e desabei, na queda os panos se soltaram e encheu a sala de sangue, perdi muito em duas horas para lá e para cá. A nega Zilda correu e apertou outro torniquete, depois voou a telefonar para o Marciano, enfermeiro que sabe tirar bala, venha logo, já, o bobo deu voltas demais pra não deixar rabo, enquanto eu tirava balas de açúcar do bolso pra dar pros neguinhos dela, eu viria aqui hoje, e vim, não como gostaria, mas as balas da moçada eu trouxe. Estendi a mão e desmaiei.




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