jueves, 14 de julio de 2011

Dilma: agora ou nunca

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Abaixo, mais uma interessante matéria do pensador brasileiro Mauro Santayana, de quem o pessoal aqui do blog é antigo admirador.

Fala de mudanças, com prudência. Mauro Santayana assessorou a Itamar Franco na sua passagem pelo governo, e Itamar tinha certa fama de "louco", isto é, dado a embravecer diante de cenários e gentes ignóbeis. O mineiro era fogo. [Tem uma passagem que adoramos recordar, porque foi diante dos olhos de toda a nação: o presidente Itamar declarou em entrevista que mandaria baixar os juros. Horas depois o Ministro da Fazenda, também em entrevista, replicou que não poderia baixar os juros, brandindo  tecnicalidades, câmbio, etc. Para quê! Itamar ignorou o insolente, apenas  imediatamente chamou a imprensa e disse algo como: "Eu falei que os juros vão baixar, e vão! Quem manda sou eu!". O senhor ministro enfiou o rabo entre as pernas e calou, sequer teve a dignidade de se demitir.] Talvez daí o excesso de zelo do articulista, bom conhecedor de Brasília, nos seus conselhos a presidente Dilma.

É de lembrarmos que o Sr. Lula, ao assumir seu primeiro governo, teve 54 milhões de motivos, que não o abandonariam, para iniciar a mudança, dando um basta na corrosão moral do estado brasileiro. O que fez todos sabemos: acovardou-se, e ao preço do Bolsa Família e de outras melhorias para o povo, desperdiçou a chance de ouro, aliando-se aos inimigos mais virulentos, a um bando de ladrões, em nome da governabilidade, isto é, comprando o direito de lhe deixarem "governar", direito dado pelas 54 milhões de almas. Dilma elegeu-se com essa aliança. A foto dá uma pequena idéia da herança bendita, como ela disse ontem.

Aqui do blog, distantes do que se passa na cabeça dos gênios do gabinete da presidência, entendemos que é agora ou nunca. Ou Dilma inicia o processo de limpeza, depois reelegendo-se para terminar o serviço, ou perderemos um tempo por demais precioso. Quem, senão ela, poderia dar essa guinada? Alguém tem algum nome limpo, forte, para sugerir? Quando teremos uma nova possibilidade de ruptura, com a chegada ao poder de alguém de fora do círculo vicioso? Sabe-se lá o que pensou ou planejou Lula, promovendo a chegada de Dilma, preferimos imaginar nobres reflexões, embora a herança maldita não indique essa alternativa, mas isso já importa pouco.

Certo, o Sr. Lula poderá amanhã ou depois, quando Dilma avançar nas hostes petistas durante a limpeza, parar na sua frente e dizer: "Ô, companheira, você me deve, eu te fiz, você era um poste". 

Se faria isso não sabemos, não o cremos capaz de tal baixeza, mas a resposta é de gritante obviedade: "Talvez tenha razão, Sr. Lula. Mas me diz: o senhor já não foi um poste em certo momento da sua vida, quanto intelectuais, estudantes e homens do povo procuravam febrilmente uma saída, um revolucionário sensato, um ficha-limpa? E quem mais o senhor tinha para a empreitada? Por que usou a mim, se méritos eu não tinha?". E por aí vai. Um desastre para os ouvidos do cobrador.

É agora ou nunca. Este "nunca" referindo a meios menos traumáticos, pois não estamos longe do dia em que o circo pegará fogo. Danem-se os acordos com os múmios, e os houve. O povo vale mais que qualquer promessa feita no  vão da escada pelos "negociadores" de campanha. Use a tevê em horário nobre, presidente, a gente cuida de colocar o congresso ao lado do povo.

O DESALENTO DA PRESIDENTE
Por Mauro Santayana

Ao falar, ontem, a emissoras do Paraná, a presidente Dilma Roussef foi sincera e humana: há muitas coisas no governo que a entristecem. Pode estar certa a chefe de Estado que os brasileiros em sua imensa maioria comungam do mesmo desalento. Os cidadãos entendem que o ato de governar é difícil, e que reclama habilidade e paciência, mas não aceitam — salvo os interessados na instabilidade política — as pressões que se fazem à presidente. Depois de ouvir um correligionário irado, que se queixava do tratamento privilegiado a um aliado do governo, Juscelino gastou meia hora tranquilizando-o.

Quando o reclamante saiu, desabafou com seu chefe da Casa Civil, Vítor Nunes Leal:

— Aqui, na Presidência, suporto insolência que não aguentaria se fosse simples prefeito de Diamantina.

Ele não foi prefeito de Diamantina, mas os que o conheceram prefeito de Belo Horizonte e governador de Minas se lembram de que ele era rigoroso com seus subordinados, e sabia cobrar as tarefas com energia.

Podemos entender as dificuldades da presidente e não podemos negar-lhe solidariedade e apoio. Não lhe serve de consolo, mas de estímulo, saber que os governantes dos principais países do mundo não se sentem tampouco em plena felicidade nestes últimos meses e anos. Estamos em um daqueles momentos históricos em que a ruptura se anuncia, mas pede líderes sensatos, capazes de criar instrumentos políticos hábeis para vencer a conjuntura perigosa.

Não é seguro que a História se repita, embora os seus movimentos de impaciência sempre se pareçam. O grande fermento das mudanças é a informação, que amplia o entendimento dos homens e suscita ideias novas, nas artes, na filosofia e na política. Isso explica que o Renascimento tenha sido contemporâneo da imprensa, e o Iluminismo, sua continuidade, haja trazido ebulição intelectual que não só deflagraria a Revolução Francesa mas também estabeleceria os fundamentos científicos da tecnologia contemporânea.

A química de Lavoisier abriu a imensa perspectiva da produção de sucedâneos das matérias naturais, e sem ela seria impensável a nanotecnologia, entre outras conquistas da ciência de hoje. Mas o excepcional cientista deixou-se seduzir pela corrupção, ao participar de uma empresa concessionária da cobrança de impostos, que lesou as finanças revolucionárias, e foi guilhotinado. Não são raros os casos de corrupção de homens geniais.

O que está ocorrendo em algumas áreas do governo felizmente não chega a anunciar horas tão trágicas como as vividas na França de há 220 anos — mas incomoda principalmente os que têm muito a elogiar na política econômica e social dos últimos oito anos e seis meses. Não se pode perder uma experiência que reduziu drasticamente a desigualdade e promoveu o desenvolvimento do país, de forma tão marcante, em consequência dessa promiscuidade entre setores do governo e do Parlamento com empreendedores privados.

Um dos mais audaciosos criminosos dos anos 70, o assaltante Lúcio Flávio, ficou famoso por uma sentença óbvia, ao explicar por que não se envolvia com policiais: polícia é polícia, bandido é bandido. A máxima — reduzida a crueza de sua origem e circunstância — pode ser ampliada: governo é governo, empresas privadas são empresas privadas. A realidade — aqui e em todos os países ocidentais, registre-se — mostra que já não há fronteiras nítidas entre a administração pública e os grandes negócios. Os pequenos empresários se candidatam ao poder municipal, e começam a crescer fazendo negócios com a prefeitura. Em seguida se elegem para os parlamentos estaduais e para o Congresso — onde ampliam sua participação nos recursos públicos: mediante suas próprias empresas, ou se associando a grupos nacionais e internacionais. Em alguns casos, preferem ser apenas intermediários. São lobistas privilegiados, com acesso a todos os níveis de poder.

Estamos chegando aos limites da paciência dos povos. Nos Estados Unidos, Obama não consegue taxar os ricos em favor dos pobres, porque a maioria dos congressistas representa ali os grandes interesses financeiros e industriais, entre eles os dos fabricantes de armas. Na Europa, para salvar o dinheiro dos grandes bancos, os estados nacionais estão indo à falência. A razão é simples: são os ricos que financiam as eleições, e a eles os governos prestam obediência.

É interessante relembrar que, na França de 1789, o povo foi às ruas e derrubou a Bastilha em favor de um banqueiro que, na administração das finanças nacionais, corroídas pela ladroagem dos nobres, defendia reformas moralizadoras. Necker teve a lucidez que falta aos banqueiros de hoje — e, por isso mesmo, não perdeu a cabeça naquelas jornadas sangrentas.

A presidente está diante de arriscada oportunidade: a de iniciar o processo de saneamento da administração do Estado. Os observadores sensatos contam com sua paciência diante da protérvia e sua firmeza estratégica. É certo que enfrentará inimigos poderosos, internos e externos, mas, se assim agir, a maioria do povo brasileiro estará ao seu lado, como esteve nas eleições do ano passado.

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