jueves, 28 de julio de 2011

A tolerância como crime (O retorno à tribo)

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Por Mauro Santayana

Li, com pavor, o documento A European Declaration of Independence — 2083, assinado por Anders Behring Brejvik, o exterminador de adolescentes de Oslo. O texto, em seu todo, é incongruente, repetitivo e capenga. Mas, em seu início, revela bom conhecimento histórico — sempre distorcido, é certo — e a leitura fundamental da filosofia política, sobretudo dos autores marxistas, com predileção pela Escola de Frankfurt, a que ele atribui a difusão do “marxismo cultural”. É difícil acreditar que Brejvik, aos 32 anos, dedicados em sua maior parte à caçada, ao fisioculturismo e aos jogos eletrônicos, seja portador do conhecimento ali exposto.

Não parece provável que ele tenha sido o único redator do documento, a não ser nas instruções para a preparação de explosivos, a partir de substâncias fertilizantes, e para o uso de armas. Trata-se, pelo que se deduz, de um documento coletivo ou, pelo menos, redigido com a participação de algum teórico do racismo de extrema-direita. No conjunto, no entanto, o texto faz lembrar outros documentos dos nazistas e fascistas — como é o caso de Mein Kampf. Ele, equivocadamente, nomeia Lukacs entre os fundadores da Escola de Frankfurt.

O pensador húngaro é autor de extraordinário ensaio sobre a insânia do nazismo, Die Zerstörung der Vernunft (A destruição da razão), publicado em 1954. Cita Erich Fromm, Horkheimer, Adorno e Marcuse, entre outros. O provável coautor do texto deve ter lido as obras marxistas que cita.

Como todos os documentos dessa natureza, redigidos a partir de uma visão maniqueísta do mundo, o manifesto de Brejvik é capaz de apodrecer a razão de muitas pessoas, desprovidas dos postulados básicos do Humanismo. Daí o terrível paradoxo no fato de ele se identificar como “fundamentalista cristão”. O cristianismo é o contrário do que ele prega. A mensagem do racismo é simples, e pode perverter os desavisados e, assim, a lógica histórica: todos os que são diferentes não pertencem à minha mesma natureza, logo, são inimigos que devo eliminar.

O segundo momento do racismo, que tem raízes na pré-história, é o da ocupação de espaço. A ideia do “espaço vital”, como revelam os livros elementares de antropologia, vem da disputa do território de caça pelas tribos primitivas. O “espaço europeu”, na visão desses racistas herdeiros da confusão mental de Gobineau e outros, está invadido pelo Islã.

Essa migração, como qualquer pessoa bem informada disso sabe, resulta não de um projeto de conquista — como poderia ter sido a dos muçulmanos que invadiram militarmente a Europa no século 8 — mas da exploração impiedosa pelos países europeus (e, mais recentemente, pelos Estados Unidos) dos recursos do Oriente Médio. Essa ânsia de saqueio do petróleo — e outros recursos — promoveu as guerras brutais contra os povos daquela região. É natural que busquem onde possam sobreviver.

O assassino de Oslo cita várias vezes o Brasil como exemplo do caos da miscigenação. Atribui, a essa promiscuidade “racial”, as desigualdades e a corrupção. Ele pode citar o seu próprio país como exemplo de coesão nacional e alguma igualdade social (da qual, como se sabe, estão excluídos os imigrantes), mas se esquece de que uma nação de grandes recursos naturais, de menos de 5 milhões de habitantes, equivalente a uma das capitais brasileiras, é quase tão fácil de governar como o rico principado de Mônaco. E, ao contrário do que insinua o texto, não são os mestiços, pobres em sua maioria, os principais corruptos, mas, sim, a elite branca, que descende dos colonizadores europeus.

É um erro considerar o massacre de Oslo como ato isolado de um psicopata. A psicopatia de homens como Brejvik tem origem na patologia da injustiça da civilização contemporânea. Como apontou Melanie Philipps, do Daily Mall, “Brejvik talvez seja um psicopata desequilibrado, mas o que emerge agora de seu ato atroz é o delírio de uma cultura ocidental que perdeu a sua razão”.

Outra opinião importante, essa de um sociólogo norueguês, que se dedica ao estudo dos problemas da guerra e da paz, Johan Gulgag, é a de que “é fácil 'psiquiatrizar' o ato de Brejvik, e não ver a gravidade das ideias” que devem ser combatidas agora e em todos os países da Europa, antes que seja tarde.

A democracia não pode ser tolerante com os que proclamam o genocídio como ato político, e o assassinato em massa como virtude. Hitler não enganou ninguém. Quando havia ainda tempo de fechar-lhe o caminho, países como a Grã-Bretanha e a França foram cúmplices tolerantes da anexação da Áustria e dos Sudetos. Essa atitude promoveu a ereção dos fornos crematórios de Auschwitz e a morte, em combate e no massacre à população civil, de cerca de 50 milhões de seres humanos.

Como alguém lembrou, os muçulmanos de hoje são os judeus, os ciganos, os eslavos e os comunistas de ontem. E os judeus de Tel Aviv não são mais os que resistiram ao assalto ao Gueto de Varsóvia.
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NE: Alguém já lembrou de perguntar ao Bolsonaro o que ele achou da Declaração Européia de Independência? Na Europa, notadamente na Itália de Berlusconi, muitos políticos de direita adoraram.


1 comentario:

  1. Uau, gato! Que coisa séria, né? Cada tarado.
    De tanto ouvir que os bandidões constroem bombas a partir de fertilizantes agrícolas, já tenho medo de entrar na cozinha. Imagine tomates, laranjas e cebolas explodindo! E imagine o bem que devem fazer a saúde... Bjins.

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