Por Mauro Santayana
A visita do primeiro-ministro francês ao Brasil, esta semana, é expressivo instantâneo das condições atuais da política internacional.
Por um lado, monsieur
Hollande age como o representante de uma nação saudosa de um poder colonial
nostálgico. A caminho do Brasil, esteve na capital da República
Centro-Africana, onde foi visitar a força de intervenção francesa que está estacionada
naquele país. Daqui, embarcou para a Guiana Francesa, uma das duas últimas
possessões europeias em nosso continente.
Por outro lado, ele foi um
dos numerosos chefes de Estado europeus que — sem direito
à palavra — teve que assistir à presidente Dilma Rousseff, três
dias antes, discursar da tribuna de honra, ao lado de Obama, Ban Ki Moon, de
Raúl Castro e do vice-presidente chinês, e do representante indiano, na cerimônia
em homenagem ao presidente Nelson Mandela, no Soccer City Stadium, em
Johannesburgo.
A França de De Gaulle e
Mitterrand, que já lutou, no passado, por encontrar um caminho próprio para sua
política externa, vê, hoje, junto com o resto da Europa, à emergência de
outro mundo, no qual o poder se desloca do antigo G-8 para o G-20, e para
nações como as do Brics, que reúne o Brasil, a Índia, a China, a Rússia e a
África do Sul.
Esse novo panorama
geopolítico, de concorrência e desafio, leva os franceses a tentarem estabelecer
alternativas de caráter econômico e diplomático, em um contexto que, no
entanto, a médio e longo prazo, os obriga a aprofundar, inevitavelmente, seu
comprometimento com a União Europeia e com a Aliança Atlântica, que liga a
Europa aos Estados Unidos.
Ao visitar o Brasil, um ano
depois da ida de Dilma Rousseff à França, Hollande veio, principalmente, fazer
negócios. Em sua comitiva estavam vários executivos de empresas francesas
instaladas no Brasil, além do CEO da Dassault, que tenta vender ao Brasil os
aviões Raffale, no âmbito do Programa F-X.
Nos últimos anos os
franceses têm feito excelentes negócios com o Brasil. Cobraram bilhões pela
tecnologia de submarinos Scórpene já obsoletos, e pelo casco de nosso submarino
atômico, sem transferir nenhum conhecimento sensível, do ponto de vista
ofensivo ou nuclear, já que até mesmo o reator dessa nave terá que ser
desenvolvido de forma independente pela Marinha. Suas empresas têm participado
de vultosos contratos na área de energia e telecomunicações, que incluem
turbinas hidrelétricas, o reator de Angra 3, o novo satélite que substituirá os
antigos Brasilsats, privatizados e entregues, no final da década de 1990, a
capitais estrangeiros.
Nada disso chega a
representar, por mais boa vontade os franceses queiram
mostrar — elogiando nosso baixo endividamento na Fiesp, ou declarando
apoio à entrada do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança
da ONU — uma efetiva “parceria estratégica”.
Para a Europa ou os Estados
Unidos, será sempre mais “estratégico” o vizinho do outro lado do Atlântico que
qualquer país do Hemisfério Sul, a não ser que, um dia, o Brasil venha a se
integrar à aliança ocidental, na mesma posição subalterna a que se habituaram a
nos ver e manter no passado. Falar em “parceria estratégica”, a longo prazo,
entre Brasil e França, portanto, é tão irreal como falar de “parceria
estratégica” entre o Brasil e os EUA, ou o Brasil e a própria União
Europeia. Não podemos nos permitir agir com ingenuidade, em um mundo
guiado mais pelas conveniências do que pela solidariedade.
Isso não quer dizer que o
Brasil deva fechar as portas para ninguém. Se for interessante fazer um acordo
comercial com a União Europeia, que o façamos. O mesmo vale para os Estados
Unidos, ou acordos pontuais com a França e a Alemanha, como ocorre na ONU,
agora, com a iniciativa sobre a internet.
Os russos, chineses,
indianos, sul-africanos, que representam, a partir do Brics, nossa melhor
alternativa de cooperação, neste novo século, nunca nos colonizaram. Suas
empresas nunca monopolizaram nosso mercado. Eles nunca intervieram em nossa
política interna ou nos consideraram uma espécie de quintal, como os EUA têm
feito, historicamente.
Na nova ordem multilateral
que se avizinha — com vários polos de poder ao invés de
um — temos que agir orientados, sempre, pelos nossos interesses como
nação, sabendo separar as alianças circunstanciais, de interesse mútuo,
daquelas que podem efetivamente, mudar a história, e o futuro do povo
brasileiro.
.
No hay comentarios.:
Publicar un comentario