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O pensador Mauro Santayana (foto abaixo), com a sua habitual, natural e despretensiosa erudição, hoje toca de modo crucial num dos problemas que afligem o Brasil. No seu décimo parágrafo menciona um "nada a ver", na aparência. Com a sua licença, seu Mauro: tudo a ver.
UMA QUESTÃO DE CONFIANÇA
Por Mauro Santayana
O senador Pedro Tacques, ao falar ontem, durante o depoimento do ministro Carlos Lupi, foi ao ponto, ao separar, no exame dos fatos, o problema jurídico do problema político. O Senado não é órgão policial; não lhe cabe saber se as leis penais foram, ou não, violadas pelos servidores públicos, entre eles os ministros de Estado. Desse cuidado se encarregam os órgãos próprios, como a CGU e a Polícia Federal. O Senado é instituição política e deve zelar pelo cumprimento do contrato social de que a Constituição é a ata, para lembrar a curta definição de Frei Caneca.
A partir dessa premissa, Taques, que é um homem novo na política e no Senado, mas servidor público curtido no combate ao crime, como membro do Ministério Público Federal, recomendou a seu partido que deixe de integrar o Poder Executivo federal. O senador Cristovam Buarque, seu colega de legenda, acompanhou-o nesse raciocínio. Ambos, como recomenda a boa norma, não fizeram o julgamento moral de Lupi, ao contrário: ponderaram que mantêm, até o momento, sua confiança no ministro.
Ao adotarem a postura prévia de separar uma coisa, a ação política, da outra, a denúncia sem provas concretas, de atos criminosos atribuídos a Lupi, os dois parlamentares impuseram regras éticas e lógicas ao debate.
Sentiu, o senador Taques, que a permanência de Lupi no ministério, por mais méritos tenha o político fluminense, enfraquece o governo. A conclusão do senador Cristovam Buarque, que falou em seguida, é a mesma. Há, na atitude dos dois senadores, à parte a natural preocupação ética, boa sabedoria política.
Se o partido insiste no apoio incondicional a Lupi, responsabiliza-se pela possível negligência do ministro em viajar em aeronaves cedidas por A ou B, e, mais ainda, em fazê-lo na companhia de “donos” de ONGs, como o senhor Adair Meira é identificado pela imprensa.
Se o dirigente da Pró-Cerrado foi o responsável ou não pelo aluguel da aeronave, pouco importa. Ministro de Estado, em missão oficial, viaja em aviões de propriedade pública ou com aluguel pago pelo Erário. Ao não ter em mãos os documentos de apoio a suas explicações, o ministro pode ter sido inocente, mas lhe faltou vigilância sobre a equipe responsável pelos aspectos logísticos da agenda e das viagens.
Se a direção nacional do PDT acompanhar a sugestão dos dois senadores — personalidades da mais alta responsabilidade no partido que Brizola fundou — o ministro, que se vem defendendo das acusações com firmeza, estará autorizado a deixar o cargo, sem qualquer desgaste moral em obediência ao partido, que o indicou; se não quiser exonerar-se, convencido de que essa é a melhor atitude, e contar com o assentimento da chefe de governo, terá que deixar o partido, dentro das regras costumeiras da política. O melhor, para ele e para o partido, será acatar a sugestão: o partido renuncia à sua participação no Poder Executivo, e o ministro, disciplinadamente, deixa o governo para cuidar de sua defesa nas instâncias próprias.
Não se pode, no entanto, desprezar a advertência do senador Inácio Arruda, a de que as acusações não visam a atingir particularmente o senhor Lupi mas, sim, a desgastar a autoridade da presidente da República. Ao acossar o governo e pedir a demissão de ministros, o propósito da oposição é o de levar à opinião pública uma imagem da presidente como hesitante e cercada de corruptos, alguns mais e outros mais ou menos.
Daí o conselho de Arruda, a nosso ver equivocado, de que Lupi deve resistir em seu cargo. A sua permanência, ao contrário da percepção do senador pelo Ceará, concorrerá mais para as críticas à presidente, do que a sua saída. A exoneração, a pedido ou não, dos outros ministros, não debilitou o governo; fortaleceu-o. Não consta que a troca de ministros tenha reduzido o apoio parlamentar ao Planalto.
Aparentemente nada a ver, mas como vivemos em mundo a cada dia menor, vale lembrar uma frase do jornalista grego Takis Theodoropoulos, publicado por Le Monde na edição de 12 deste mês, a propósito da grave situação de seu país: “O sentimento de injustiça, fundado sobre a imunidade da classe política e de sua clientela privilegiada, reforçado por uma magistratura preguiçosa, quase sempre corrompida e perdida no labirinto de uma produção inflacionária de leis e de decretos, ameaça o contrato social, já corroído pelo empobrecimento violento da classe média”.
A descrição é dramática, e muito próxima da realidade brasileira, da que estamos nos distanciando — a partir da eleição de Lula e de nossos esforços — a fim de nos livrarmos do neoliberalismo.
Recorde-se que a Constituição de 1988 foi a mais democrática da nossa história, mas com ambiguidades que a tornaram vulnerável à ação depredadora do governo de Fernando Henrique com suas emendas adquiridas — e o verbo é esse mesmo — de um Congresso que, não obstante o testemunho da resistência de uma minoria, já não representava a sociedade mas, sim, as grandes corporações econômicas e financeiras. Assim, ele conseguiu romper o compromisso republicano da não reeleição dos presidentes em exercício e, mediante a mudança do conceito de empresa nacional, entregou aos estrangeiros setores estratégicos da economia brasileira.
Não se atribua hesitação à presidente: ela não pode, é evidente, governar em obediência aos jornais e revistas. Mas, tal como faziam — e continuam fazendo — os governantes responsáveis, não pode deixar de saber o que diz a imprensa, e de buscar explicações. Não as tendo, atua em consequência. A cada mudança de ministro, ao contrário do que possam esperar seus adversários, fortalece-se o governo e, com ele, a figura da presidente da República. Queira ou não queira a oposição.
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