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Por Mauro Santayana, no JB.
“Ela foi uma
mulher perversa”, disse o eminente parlamentar George Galloway, o mais corajoso
homem de esquerda da Grã-Bretanha da atualidade, ao protestar contra a falácia
da tentativa de glorificação de Margaret Thatcher pelo governo conservador.
“Nós estamos
gastando 10 milhões de libras na canonização dessa mulher malvada, dessa mulher
que arrasou a indústria britânica, da Escócia, no Norte, ao País de Gales, no
Sul. A comparação com Churchill é rematado absurdo. Ele salvou a real
existência de nosso país, enquanto Thatcher fez tudo o que pôde para acabar com
um terço de nossa produção manufatureira e reduzir-nos ao que somos hoje”.
Os protestos
populares da noite do último sábado contra mais cortes no Orçamento social
britânico (que se iniciaram nos anos 80, com Margaret Thatcher) foram marcados
pelas manifestações de júbilo pela morte da Dama de Ferro, que já se
encontrava exilada de sua mente, acometida da doença de Alzheimer. Enquanto
mantinha plena consciência de seus atos, planejou seus funerais com toda a
pompa desejada: honras militares e cerimônia religiosa na Catedral de São Paulo
— homenagens que não se prestaram à Rainha Mãe, quando de sua morte, em 2002.
Os cartazes
exibidos pelos trabalhadores nas ruas de Londres foram impiedosos na expressão
de sua revolta contra a única mulher, até agora, a chefiar o Poder Executivo de
um país anglo-saxão.
No mesmo tom
de Galloway manifestou-se Lord Prescott, que foi vice-primeiro ministro de Tony
Blair: “Ela só defendeu os multimilionários, os banqueiros, os privilegiados.
Nunca mostrou a menor compaixão pelos doentes, necessitados e desesperados”.
Prescott foi o primeiro a denunciar a pompa fúnebre, e sugeriu que apenas os
multimilionários beneficiados por Thatcher contribuíssem para o enterro.
O consulado
tirânico de Thatcher, com suas consequências abomináveis para os povos do
mundo, deixa lições que não podem ser esquecidas. A primeira delas é a de que
as massas, sem uma vanguarda política e, assim, sem consciência social, são
facilmente manobradas pelos líderes carismáticos da direita — ou de uma falsa
esquerda.
Ela, como
Hitler, nunca enganou. Desde os seus primeiros passos na política, mostrou logo
a que vinha. Como funcionária do primeiro escalão do Ministério da Educação, no
governo Heath, mandou cortar a ração diária de leite fornecida às crianças das
escolas públicas, como medida de economia, com o argumento de que os pais
podiam dar-lhes o leite em casa. Diante dos protestos — os trabalhistas
vaiavam-na aos gritos de “Thatcher ladra de leite!” — ela decidiu que as
cantinas escolares distribuiriam um terço de copo de leite a cada criança, a
fim de “evitar sua desnutrição”.
O corolário
de sua estranha teoria política se resume em poucas palavras: não há sociedade;
há indivíduos. Cabe a cada indivíduo buscar o seu bem-estar, sem nada pedir ao
Estado. Em suma: se o Estado não protege os fracos, ele só existe para garantir
os fortes. Abole-se, desta forma, o princípio imemorial da solidariedade
tribal, assumida pelo Estado, que garantiu a sobrevivência da espécie.
A segunda
lição é a de que a mobilização política é sempre mais poderosa do que os atos de
violência, quando há ainda espaço para essa conduta.
Em 1983,
quando terminaria o seu mandato, com a renovação da Câmara dos Comuns, um fato
inesperado serviu para que, ganhando o pleito para os conservadores,
permanecesse no poder: a insensatez de Galtieri em invadir as Malvinas, sem
dispor de poder militar para isso, nem do necessário suporte diplomático. E o
atentado do IRA, no ano seguinte, que visava matá-la, em um hotel de Brighton,
e que fez cinco vítimas, consolidou seu poder.
O atentado
pode ser explicado pela brutalidade da repressão contra os militantes
irlandeses, prisioneiros em Ulster. O líder Bobby Sands e vários outros
iniciaram uma greve de fome que terminou com a sua morte e a de nove de seus
companheiros.
A
contrarrevolução mundial de madame Thatcher contra os direitos do homem
continua, na brutal insolência do neoliberalismo, sob o comando do Clube de
Bilderberg e dos grandes bancos mundiais.
Em todos os
países do mundo, principalmente na Europa, os pobres estão morrendo, por falta
de empregos, de hospitais, de teto, de vontade de viver. Há endemia de
suicídios, principalmente nos países meridionais. Thatcher morreu, mas Ângela
Merkel está aí, para defender as suas idéias.
Um cartaz
impiedoso, exibido sábado à noite em Londres, expressa o sentimento dos
ofendidos e humilhados pelas“reformas” de Thatcher: “The bitch is dead” — A
cadela morreu. Seus filhotes, no entanto, se multiplicam no mundo.
Se a
Humanidade quiser sobreviver com a dignidade construída pela razão, e não se
entregar a uma tirania universal, terá que reagir com a mobilização política
dos cidadãos organizada em torno de iniciativas concretas que restabeleçam os
direitos previstos nas leis que pretendiam assegurar, em todo o mundo, o Estado
de bem-estar social, antes que seja muito tarde.
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