miércoles, 11 de noviembre de 2015

Fruta pode roubar, hortaliça não

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Meus amigos porto-alegrinos por adoção, como os adotivos de outras paragens, hão de entender meu saudosismo.


Há pouco fui dar uma espiada na Mercearia Zaffurtari, como faço diariamente. Não compro nada, só confiro a evolução da gatunagem nos preços. Vou na hora do pico, quando sempre encontro misturados aos clientes os caras que vão bater algo furtivamente. Torço pelos caras, não raro lhes dou uma piscadinha e digo ao passar: "Vai firme, malandro, que ajudo a dar cobertura com o corpo".

Normalmente são três, um bate e dois cobrem as câmeras com o corpo. Tem incontáveis maneiras de desviar a atenção dos guardas e das câmeras, mas aqui não vou entregar a rapadura.

Tive um amigo, o Paulino, este agia sozinho, que todas as noites de inverno levava algo por dentro do sobretudo, uísque, vinhos caros, salmão, etc, nas mãos umas coisinhas baratas. Certa vez o flagraram por um buraco de observação que tinham colocado na parte superior da Mercearia. Enquanto não passar no caixa eles nada podem fazer, e foram na saída, logo que passasse o caixa seria preso.

Malandro é malandro: passou os baratilhos que iria pagar e um sentimento estranho o invadiu, algo no ambiente não o agradou, como nos contou depois. Então olhou para fora e viu os caras olhando para ele. Tirou tudo dos bolsos internos e depositou atrás de si, dizendo: "Achei que tinha dinheiro, moça, mas esqueci em casa a carteira, por favor mande recolocar nos respectivos lugares". E saiu rindo dos cinco trouxas que o aguardavam.

Esta mania de ir mudando de assunto ainda vai me botar na cadeia. Voltando ao saudosismo: fiquei morto de vontade de voltar para a cidade onde vivi até os 20 anos. Lá a gente tinha de tudo de graça: hortaliças e frutas. Se alguma não tivesse no pátio da gente, tinha no do vizinho.

Na minha casa a gente tinha abacate, bergamota, laranja, limão e lima. Na casa do padrinho Jofre Vargas tinha ameixa vermelha e amarela, romã, goiaba, mais laranjas e tudo. Na casa do Pato Martins mais um monte de cítricos. E assim por diante. O que não tivesse, como banana, a gente roubava em pomares longínquos. Por alguma razão só se afanava frutas, poucas para comer na hora, sem culpa; hortaliça não, jamais, que aí o cara seria ladrão.

Nos fundos da casa do Pato tinha uma enorme propriedade coalhada de árvores frutíferas, mas o velho era brabo. Atirava de espingarda com chumbinho na gente, então íamos nos arrastando na hora da sua siesta. Certa vez ele armou pra nós e não dormiu, quando vimos se veio lá de dentro atirando. Foi guri espavorido para todo lado, eu errei o caminho e fui parar na casa do Biba, lá longe perto de um colégio de onde fui expulso. Que susto. Hoje penso que era festim, mas na época...

Pois hoje vi na Zaffurtari umas romãs inchadas de agrotóxicos por R$ 40,00 o quilo, uma três ou quatro dá um quilo. Em reais o equivalente a vinte quilos de arroz. Dei mais uma volta e passei de novo por onde estavam, esbarrei num gordo e caí em cima das romãs, que se espalharam por toda a Merceria, foi o meu acidental protesto, que também foi a deixa para umas figuras lá do outro lado se avançarem nas mercadorias enquanto todos olhavam para cá.

Nessa Mercearia muito me diverti antigamente, desde uns 30 anos. Eu chegava, muitas vezes de viagem, ainda de terno e gravata, todo sério, comprava algo e dizia para o/a caixa: "Moça(o), tou chegando de viagem, de uma reunião de empresários no Rio de Janeiro, sabe o que o dono daqui disse, para explicar porque tudo é tão caro? Porque paga demais para os funcionários". Todos os funcionários por perto ouviam, e se olhavam. Uns riam, outros ficavam puto com o dono. Eu sempre serião.

Tanto fiz que minha cabeça andava à prêmio, a notícia chegou ao dono e seus aspones, queriam saber quem era o cara que andava envenenando a moçada. Fiz isso em todas as filiais. Nunca me pegaram. Se pegassem repetiria e diria mais na cara deles, eu era ruinzinho, mas não deixei me pegarem por pura diversão.

O que me salvou a tarde foi que andando pela Cidade Baixa encontrei o mestre Santiago Neltair Abreu, o artista que já é patrimônio cultural da cidade e do estado. Santiago é homem novo, do tipo que nunca envelhece, sempre jovem, serelepe, e não perde nada, tem corrida. Para se ter uma idéia, ele recentemente recusou a indicação para patrono, xerife, da maior feira do livro da América, a nossa, de Porto Alegre. Ambos apressados, mas tivemos tempo para levar um lero rápido, sorrisos e um abraço.

Na volta comprei algumas cervejas no armazém do Nelson e vim para casa escrever estas mal-traçadas. 

Amanhã irei novamente lá na Zaffurtari.

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