sábado, 25 de junio de 2011

Vishy Anand: um Rei na República Tcheca

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Este mês de junho será sempre lembrado na República Tcheca como o mês da quase revolução ao contrário, com a deposição de um fantoche e a entronização de um Rei. O povo lamentará eternamente os fuzilamentos e os grandes festejos que não ocorreram. O sonho do renascimento do antigo Reino da Boêmia, desta vez sem conflitos religiosos, sem austríacos e húngaros para atrapalhar, embalou corações e mentes. Pensamos em ir fazendo as malas, na cabeça rodando um pensamento maravilhoso: um reino de agnósticos.

O campeão mundial de xadrez, Viswanathan Anand, foi ao país dos teatros de marionetes como o convidado mais ilustre, para abrilhantar o combate entre David Navara e Sergei Movsesian, dois notáveis enxadristas que há muito romperam a terrível barreira dos 2.700.

Navara – tcheco, 26 anos, rating 2.702 – e Movsesian – armênio, 32 anos, rating 2.705, já estiveram em posições mais elevadas no ranking, atualmente são “apenas” o 39º e o 35º melhores cérebros do planeta, respectivamente.

Para se ter uma idéia, o mais alto rating brasileiro é 2.634 (Vescovi). Vishy Anand é o 1º, com 2.817, dois pontinhos acima do prodígio Magnus Carlsen.

A capital, Praga, enfeitou-se toda, até os pináculos dos prédios, para receber o já lendário indiano. Rádios e televisões não tinham outro assunto, queriam desfile em carro aberto para movimentar o noticiário. Anand, sempre reservado, educado, atendeu a todos com excelente humor, mas nada de desfile.

O presidente da república Vaclav Klaus, político que é, não perdeu a oportunidade e correu a recepcioná-lo, todo fresco.

Os amigos manjam políticos, não é? Dão qualquer coisa, mas qualquer coisa mesmo, por um minuto de exposição pública. Imaginem a tontura que deu no sujeito tendo ao seu alcance uma celebridade dessa envergadura.

Mesmo sabendo que Vaclav é filho (renegado) espiritual da D. Stanislava Perkoski (muito falada no google graças a este modesto blog), mais conhecida como Polaca, aquela senhora dona de certa casa, digamos, de diversões, na cidade de Palmeira das Lições, no interior do Rio Grande do Sul, que não por acaso vem a ser mãe espiritual de todos os políticos brasileiros, a maioria também renegados, mesmo sabendo disso, como dizíamos, Anand não pôde se furtar ao encontro, tem o protocolo, essas firulas a que até um Rei é obrigado, de modo que sorriu e se deixou fotografar. 

Esse Vaclav é um sujeito que não crê em aquecimento global, porém não é só isso: além de ladrão de canetas, consta que se avançou na grana do..., deixa pra lá, vai que ele peça a nossa extradição para ser julgado pelos seus cupinchas da sua justiça, o que o nosso governo se apressaria em providenciar.

Vaclav não deixou por menos: transferiu a Presidência para Vishy Anand, por alguns dias. O soberano não aceitou, mas tomou posse como Rei, Vishy I,  no dia 13 pela manhã. A população daria tudo para que fosse de verdade, pois não votou no indivíduo, lá é por delegação (Vaclav, do Centrão, foi eleito pelo parlamento de 282 políticos, pela diferença de dois votos), e sabemos o que acontece depois de delegarmos poderes a essa turma. Na primeira foto, o escritório de Vaclav, que Anand achou indigno de sua nobreza, e na seguinte o local que escolheu para governar, o Castelo de Praga.






Na noite do dia 12 aconteceu a festa de recepção ao evento, onde a estrela maior, evidentemente, foi o campeão. Alguns singelos discursos, champanhe rolando, círculo de príncipes (os políticos não foram convidados), melodias de deuses, com música de câmara do Antoninho Dvořák, noite amena, ah, que luxo. Na festa Vishy aproveitou para levar um lero com Anatoly Karpov, um dos reis de todos os tempos.


Nessa tarde o Rei concedeu uma Simultânea, enfrentando a 26 contrincantes, entre estes alguns excelentes enxadristas. Era para ser 30, mas 4 amarelaram.

Deu autógrafos e achou um tempinho para passear feito um plebeu pelo centro antigo, acompanhado do organizador do evento Pavel Matocha, conhecido como “Bom Cabelo” (segunda foto abaixo). Anand assombrou-se com o consumo de cerveja pelos seus vassalos, comentou com o Bom Cabelo: "Credo, mas essa gente bebe, hein, me lembra o meu amigo João". Ao lembrar-se, pelo nosso correspondente enviou abraço ao João da Noite,  e ao velho abstêmio Sultan Khan, seu antigo professor. E a todos nós.
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Alguns amigos, capitaneados por João da Noite, planejam mudar-se para lá, descobriram que na região da Boêmia se fabrica as melhores cervejas artesanais do mundo. E as mulheres, ah, aquelas eslavas: loiras, altas, andando com salto 15 fininho pelas ruas de pedra, que adoram pintar os cabelos de castanho e marrom, carnudas, seios fartos, roupas coladíssimas, tesudas, ui..., e, bem, não mudemos de assunto.

No dia seguinte houve o sorteio da ordem (quem sai de brancas na primeira partida) do embate. Coube a Anand o sorteio e a realização do primeiro movimento, com o peão do bispo da dama a c4, escolhido por Movsesian, condutor das brancas. A guerra teve início. No vídeo após a foto, cenas do primeiro dia. É muito fácil de entender tudinho porque os caras falam devagar.




No sexto dia de combates David Navara emergiu do campo de batalha - um mar de sangue - como o vencedor, com uma vitória e cinco empates. A Siciliana é a abertura mais praticada na trajetória de ambos, e foi ela que lhe deu a vitória: na quarta partida Movsesian, com as negras (que eram marrons), saiu pela variante que mais conhece, a Taimanov. Navara preferiu uma linha diferenciada em relação a combates anteriores, e a partida seguiu como Fedorov-Safarli (S. Petersburgo, 2010, 0-1) até 11. ... Qxc5. O duelo foi decidido quando Movsesian cometeu um erro no lance 34 e teve que abandonar no 41, a oito do xeque-mate.

A quarta partida: Brancas: David Navara. Negras: Sergei Movsesian. 1.e4 c5 2.Nf3 e6 3.d4 cxd4 4.Nxd4 Nc6 5.Nc3 Qc7 6.Be3 a6 7.Bd3 Nf6 8.0-0 Nxd4 9.Bxd4 Bc5 10.Be2 e5 11.Bxc5 Qxc5 12.Qd3 b5 13.a4 b4 14.Nd5 Nxd5 15.Qxd5 Qxd5 16.exd5 d6 17.f4 f6 18.a5 Ke7 19.fxe5 fxe5 20.c3 Bb7 21.c4 Bc8 22.Rad1 Rf8 23.Rxf8 Kxf8 24.c5 dxc5 25.d6 Be6 26.Rc1 Ke8 27.Rxc5 Kd7 28.Bf3 Rf8 29.Rc7+ Kxd6 30.Rc6+ Ke7 31.Rxa6 Bc4 32.Rb6 e4 33.Rxb4 Bd3 34.Be2 Rc8 35.Bxd3 exd3 36.Kf2 Rc5 37.a6 Re5 38.a7 d2 39.Rb7+ Ke6 40.a8Q d1Q 41.Qc8+ 1-0

Falamos que o campeão mundial jogou uma Simultânea contra 26 tabuleiros. Vejamos como foi.

Para quem não sabe, isso funciona assim: faz-se um quadrado ou retângulo de mesas e os adversários jogam sentados, o artista fica em pé no meio, andando de um tabuleiro ao outro. Foto abaixo. Os adversários, no caso, têm 26 vezes mais tempo para pensar, e pensar só na sua partida, sem o embaraço de tantas na cabeça. A única compensação ao campeão é o fato de jogar todas as partidas com as peças brancas, a tal de "vantagem teórica", que as estatísticas não deixam dúvida de que existe, o impossível é comprová-la cientificamente.


Vishy ganhou 25. Entre os 25 alguns políticos, inclusive o prefeito de Praga, banqueiros e grandes empresários, estes salteadores perderam em poucos movimentos. A surpresa estava no 3º tabuleiro, com Petr Boleslav, um tcheco de 37 anos, editor de um site de xadrez, com o rating de 2.127. A partida está no tabuleiro à esquerda do blog, acima. Uma Defesa Índia do Rei, Fianchetto, variante Karlsbad.

Petr confessou que o seu estado de nervos era tal (supomos nos primeiros 20 movimentos) que mal conseguia calcular dois lances à frente, apavorado, sentindo Vishy fazer a volta pelos outros tabuleiros e vir se aproximando do seu...

“Fui seguindo por instinto, tentando em vão elaborar um plano para enfrentar o exército branco”.

Falando sobre aqueles momentos, Petr disse que custou a crer no lance 22. Rce1, de Anand. De fato, ali caiu a casa. Com 24. Qc2 o seu coração disparou, batendo mais alto que o relógio astronômico de Praga.

“Quando joguei 27. ... Bxe5 senti algum tipo de mudança no ar. Timidamente olhei para o campeão do mundo. Ele em pé na frente do tabuleiro, mas não olhava para o tabuleiro: ele calmamente me olhava nos olhos. Eu tinha um bom palpite, mas ainda não me atrevia a acreditar. Só acreditei quando ele sorriu e me estendeu a mão”.


Obviamente que Anand poderia se dedicar à partida com mais vigor, a partir de 28. Rd1, e forçar um erro do oponente, ou um lance fraco, mas aí não seria Viswanathan Anand. Ao contrário, tratou-o como a um igual, rendendo-se ao ver uma posição em que ele, Anand, jamais admitiria o empate. Abandonou como abandonaria frente a outro grande campeão. O Rei agiu certo naquelas alturas, protegendo a dignidade de sua coroa: Petr não deveria errar.

Meninos, pra quê! Subitamente Anand havia se transformado em persona non grata, um perigo em potencial. No dia seguinte os políticos se reuniram às pressas no parlamento, a fofoca correndo solta. Complôs, promessas de retaliação. Sabem como eles fazem, não é? Ficam falando aos sussurros uns nos ouvidos dos outros, depois adotam pose de pessoas sérias, iguaizinhos às piores funcionárias da D. Polaca.  Ora, que Rei é esse?, onde já se viu ser condescendente com os súditos. É golpe. Na sua ignorância, ânsia por dinheiro, a politicalha, que nada sabe de democracia, sabe menos ainda sobre monarquia.

Naturalmente, à vista do público agiram de modo diferente. Diante de câmeras e lentes, Vaclav sorria e abraçava a Petr Boleslav, o glorioso homem do povo. Imaginem um gato, ou o Palocci, sorrindo.

Como essa história de fundar uma monarquia na República Tcheca foi uma brincadeira (a temperatura e o Minuano cortando aconselha a gente a ficar em casa, quentinho, tomando vinho e escrevendo besteiras), tudo acabou na mais santa paz. A assessoria de imprensa de Vishy I comunicou que ele não poderia permanecer em definitivo, um Rei do Mundo não pode ter locais favoritos. Os políticos se acalmaram.

Pelo sim, pelo não, Anand tratou de dar logo no pé, à francesa. Ele e sua corte seguiram em seu périplo pelo mundo, sem divulgar a agenda do último dia para evitar que certo político grudasse no seu pé, acima referido, até o aeroporto.

Os amigos deram sumiço nas fotos onde o filho renegado da Polaca aparecia.

Torcemos para que um dia Viswanathan Anand venha ao Brasil. Disposto a ficar.

Y así pasan los dias.

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Fotos: Vladimír Jagr
Vídeo: Praha1
A partida: Brancas: Anand, Vishy. Negras: Boleslav, Petr - Praga, 12/6/2011.
1. c4 Nf6 2. Nc3 g6 3. g3 Bg7 4. Bg2 d6 5. Nf3 O-O 6. O-O a6 7. d4 Nc6 8. d5 Na5 9. b3 Rb8 10. Bb2 c5 11. dxc6 bxc6 12. Qd2 Bg4 13. Rac1 Re8 14. Nd4 Bd7 15. e4 c5 16. Nde2 Nc6 17. Nd5 e5 18. f4 Nxd5 19. cxd5 Nd4 20. Nxd4 exd4 21. Kh1 Qb6 22. Rce1 c4 23. Bc1 c3 24. Qc2 Bb5 25. Rf3 f5 26. e5 dxe5 27. fxe5 Bxe5 0-1
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3 comentarios:

  1. hhehe, divertido. ele foi humilde ao entregar essa.

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  2. É; Até os entendidos de xadrez não entenderam. Jamais entenderão, são gênios mecânicos, e a filosofia?

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  3. Ei, Anônimo, revendo acho que não me expressei bem: a partida estava perdida. O Rei Anand agiu como rei.

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